Considere esse versículo dentro de seu contexto:
"1. E aconteceu que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, 2. Viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. 3. Então disse o SENHOR: 'Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem'; porque ele também é carne; porém os seus dias serão cento e vinte anos. 4. Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama" (Gênesis 6:1-4 - destaques, ênfases e grifos necessariamente acrescentados).
Sinceramente, não conheço passagem mais complicada do que esta em toda a narração bíblica do Gênesis ao Apocalipse. E o que esta passagem vem gerando de crendices, debates, teorias – as mais absurdas possíveis – e especulações – as mais malucas possíveis – não está escrito.
Aliás, está sim. Não faltam artigos na internet sobre esse tema e neles, cada um defende com unhas e dentes aquilo que crê. Resultado: confusão, heresias e fermento na receita das dúvidas e dos questionamentos ateístas, céticas e até mesmo de muitos cristãos sinceros, que, porém, não se investem tempo em um estudo mais apurado das Escrituras e, pior, daqueles crentes com tendências a acreditarem cegamente em tudo o que ouvem.
O tema é "interessante" que já serviu de pano de fundo para vários livros e filmes, sendo o mais famoso o enredo de um filme muito conhecido e que foi sucesso de crítica e bilheterias, "A Cidade dos Anjos". No filme do cineasta Brad Silberlind, em Los Angeles, uma dedicada cirurgiã (Meg Ryan) fica arrasada quando perde um paciente durante uma operação, no mesmo instante em que um anjo (Nicolas Cage), que estava na sala de cirurgia, começa a se sentir atraído por ela.
Em pouco tempo ele fica apaixonado pela médica e resolve ficar visível para ela, a fim de poder encontrá-la frequentemente, o que acaba provocando entre os dois uma atração cada vez maior, apesar dela ter um sério relacionamento com um colega de profissão. O ser celestial não pode sentir calor, nem o vento no rosto, o gosto de uma fruta ou o toque da sua amada, assim ele cogita em deixar de ser um imortal para poder amar e ser amado intensamente ("City of Angels, Alemanha-EUA, 1988, Wanner Bros.).
O que a Bíblia é o que a Bíblia diz e pronto
Essa é uma das passagens mais difíceis de se entender na Bíblia, por conta do versículo dois, pois se desenvolveu suposições para a interpretação desse versículo. A questão principal é saber quem são os "filhos de Deus", que o texto se refere.
Esse é um texto de difícil interpretação. Há basicamente três interpretações para os "filhos de Deus":
- (1) anjos caídos,
- (2) filhos de Sete e
- (3) homens poderosos.
Existem três posicionamentos teológicos para explicar Gênesis 6:1-4. Podem ser designados da seguinte forma:
- (1) a visão das raças mistas cosmologicamente (a mistura de anjos e humanos);
- (2) a visão das raças mistas religiosamente (os piedosos setitas e os mundanos cainitas); e
- (3) a visão das raças mistas sociologicamente (aristocratas despóticos e formosas plebeias).
Visão cosmológica
O ponto de vista mais antigo e conhecido é aquele segundo o qual os filhos de deus eram "anjos" que abandonaram (e/ou, foram expulsos) o céu, vieram para a terra e mantiveram relações sexuais "com as filhas dos homens", deixando uma raça de "gigantes" (hebraico Nephilim). Outras fontes afirmam que esses anjos decaídos estariam tentando corromper o DNA da raça humana, para inviabilizar a promessa da vinda do Messias.
Os filhos de Deus seriam anjos decaídos: de acordo com essa vertente os filhos de Deus seriam aqueles que caíram com Satanás quando ele foi expulso do céu. Essa teoria é defendida por poucos teólogos, dos quais Finis Jennings Dake autor da conhecida e "polêmica" Bíblia de estudos Dake, essa teoria é defendida também por autores que desenvolvem crenças obscuras.
Segundo Dake, os filhos de Deus não poderiam ser filhos de Sete, pois essas uniões teriam ocorrido em data anterior ao nascimento de Enos, filho de Sete. Um ponto talvez que favoreça os defensores dessa teoria seria o relato de Jó 1:6, onde se afirma que satanás se apresenta juntamente com os filhos de Deus, dando uma ideia de que esses filhos de Deus se refiram a anjos. Dake defende ainda que os gigantes que surgiram dessas uniões teriam sido os personagens da mitologia grega.
O livro pseudepigráfico (apócrifo) do Enoque (c. 200 a.C.), nos capítulos 6:1-7:6, apresenta essa teoria, assim como fizeram o historiador Josefo (Antiguidades 1:3.1) e a Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento feita no século III a.C. (todavia, apenas o manuscrito Alexandrino o faz; a edição crítica da Septuaginta, por Alfred Rahlfs, não o faz). Todos eles explicam "filhos de Deus" como anjos, mas esse emprego do termo ocorre apenas em Jó 1:6; 2:1 e 38:7 (com possível paralelo no Salmo 29:1 e 89:6 para "filhos do poderoso").
Refutação
Em lugar algum das Escrituras, nem mesmo em Gênesis 6, é dito que anjos casaram-se com humanas. Na realidade, Marcos 12:25 declara que anjos não se casam. Mais sério ainda é o fato de que, se o problemas começou com a iniciativa dos "filhos de Deus" – nessa perspectiva, os anjos –, por que Deus não inundou o céu em vez de trazer julgamento sobre a terra? Como fundamentação adicional para a teoria de anjos, alguns recorrem também a 1 Pedro 3:18-20; 2 Pe 2:4 e Judas 6,7. Essas passagens, no entanto, não mencionam casamentos angelicais.
E se esses anjos tivessem executado possessões de corpos masculinos e assim possuído as mulheres, o que teria modificado o DNA humano para a geração de gigantes? A existência de gigantes na terra não é um fato completamente comprovado pela arqueologia e não há maiores explicações na Bíblia a não ser a passagem de Gn 6:4.
Visão mista religiosamente
O ponto de vista das raças mistas religiosamente dá-se tão bem quanto a perspectiva das raças mistas cosmologicamente. Segundo essa visão, a linhagem apóstata de Sete cometeu o pecado de colocar-se em jugo desigual com as descrentes "filhas dos homens", isto é, mulheres da linhagem de Caim.
Os filhos de Deus seriam os descendentes de Sete: Essa teoria afirma que após Sete começou-se a invocar o nome do Senhor Gn 4:26 surgindo assim uma nova geração de adoradores, porém essa geração "os filhos de Deus", teriam sido atraídos pelas mulheres filhas daqueles que não adoravam ao Senhor, "as filhas dos homens".
Essa teoria é a mais defendida por teólogos mais modernos pela sua racionalidade e explicação simples. A base para essa teoria é a negação da primeira, pois o Senhor Jesus afirmou em Marcos 12:25 que os anjos não se casam, sugerindo que eles não se reproduzem.
Refutação
Porém, esse ponto de vista encontra pontos frágeis, pois emprega o termo "homens" no versículo 1 de maneira distinta daquela do versículo 2; no versículo 1, significa "humanidade" de maneira geral, mas, no versículo 2, significa a "linhagem de Caim" especificamente. Parece também não haver nenhuma lógica na afirmação de anjos terem relações sexuais com mulheres humanas. Por que então essa prática não perdura ainda hoje?
Seguindo ainda este raciocínio, por que será que uma raça mista religiosamente teria resultados físicos tão dramáticos como a concepção de "gigantes", conforme se interpreta a expressão hebraica nephilim gibborim? Até onde se sabe, a religião não afeta o DNA desse modo!
Contudo, há pontos fortes favoráveis a esta visão que são:
- a) essa interpretação se coaduna com o texto imediato;
- b) evita todo o problema decorrente da interpretação de que eram anjos;
- c) está de acordo com o fato de que os seres humanos também são mencionados no A.T. como filhos de Deus (cf. Isaías 43:6; Dt 14:1);
- d) condiz com a interpretação do próprio Jesus que entendia que tais seres eram assexuados;
- e) expressão "tomaram para si mulheres" é usada no V.T. somente com referência ao casamento legítimo; nunca às relações sexuais ilícitas.
Nessas duas teorias parece estar contida a luta da superstição contra a razão, da fantasia contra a lógica. A primeira teoria é baseada nas ideias mais fantasiosas, enquanto a segunda tende a manter uma explicação mais racional. Embora a fantasia seja mais emocionante do que qualquer história baseada na razão, não podemos deixar de lado a análise das passagens. Mas tem ainda uma terceira teoria. Vamos conhecê-la.
Visão mista socialmente
E tem ainda o ponto de vista é das raças mistas sociologicamente, segundo a qual os títulos de "filhos de Deus" era há muito atribuído a reis, nobres e aristocratas no Antigo Oriente Próximo. Esses déspotas sedentos pelo poder chegavam a ser "homens de renome" (Gn 6:4). Em sua busca por poder, eles usurpavam controle despoticamente. Pervertiam o conceito de governo entregue por Deus, fazendo o que bem entendessem. Não se preocupavam com a atribuição primária de Deus ao estabelecer os governos: trazer alívio por meio de melhorias e correções das injustiças e iniquidades terrenas. Além disso, eram polígamos (6:2).
As evidências defendidas a favor dessa visão são as seguintes:
- (1) os targumins aramaicos antigos traduziam os "filhos de Deus" como "filhos de nobres";
- (2) a tradução grega feita por Símaco trazia a mesma frase como "os filhos de reis ou senhores";
- (3) a palavra hebraica para "Deus/deus" é 'elohim', empregada nas Escrituras e traduzida em diversas versões como "magistrados" ou "juízes" (Êx 21:6; 22:8; Sl 82:1,6); e
- (4) descobertas do Antigo Oriente Próximo validam o emprego pagão de nomes de muitos deuses e deusas como forma de trazer mais prestígio e poder aos reis e governantes de seus dias.
E os gigantes?
Em relação aos chamados gigantes, a palavra nephilim ocorre apenas em Gn 6:4 e Números 13:33 – neste último trecho, refere-se aos anaquins, pessoas de grande estatura. A raiz da palavra nephilim vem da naphal, "cair". Ademais, em alguns contextos, a palavra nephilim está associada à palavra gibborim, que vem de gibbor – ou seja, "homem de valor, força, riqueza ou poder".
Por exemplo, Ninrode, em Gênesis 10:8, era um gibbor. Parece ter sido também um rei na terra de Sinar (i.e., provavelmente a Babilônia). Portanto, o significado de nephilim, nesse contexto, não parece ser "gigantes", mas algo como "aristocratas", "príncipes" ou "grandes homens" que governavam.
Dessa maneira, Gênesis 6:1-4 é melhor compreendido como um retrato de governantes ambiciosos, despóticos e autocráticos que se agarravam ao poder e a mulheres como lhes aprouvesse. Faziam isso na tentativa de construir sua própria notoriedade e reputação. Não é nada surpreendente que esse mesmo espírito fosse transmitido à prole deles.
Como resultado, toda inclinação dos corações de homens e mulheres, de governantes ao populacho, ficava cada vez mais perverso. Foi por isso que adveio o dilúvio: a humanidade tinha de ser julgada por sua perversão daquilo que é certo, com e justo, enquanto também se lançava julgamento sobre a instituição do estado e do governo, que provocaram Deus até o limite.
Conclusão
É preciso ter cuidado com as posições defendidas nos púlpitos das igrejas, pois já existem muita superstição introduzida nos círculos cristãos. Embora a primeira teoria seja mais interessante, a segunda parece ter muito mais coerência e aplicação e, em certos aspectos – dadas as devidas proporções –, vai ao encontro da terceira teoria.
Quem são os filhos de Deus e as filhas dos homens? "Filhos de Deus" seriam, naturalmente, aqueles em quem se via refletida a santidade divina, ao passo que "filhas dos homens" seriam aquelas consideradas corruptas. Naquela época havia duas raças distintas: os descendentes de Sete (Gn 5:4), e os descendentes de Caim (4:17).
Com lógica, baseado no que foi dito pelo Senhor Jesus em Mt 22:30, os filhos de Deus seriam os descendentes de Sete, e as filhas dos homens, seriam descendentes de Caim. Afinal de contas, o propósito mais amplo da narrativa é traçar os desenvolvimentos da piedosa linhagem de Sete e dos ímpios descendentes da humanidade. Portanto, os filhos de Deus são homens justos na imitação do caráter do seu Pai Celeste, e as filhas dos homens são as mulheres ímpias que eles desposaram.
Além do que, essa segunda interpretação evita problemas sérios. Pois, se os anjos se casassem com seres humanos, os filhos deles seriam meio humanos, meio anjos. Mas os anjos não podem ser redimidos – cf. Hebreus 2:14, 2 Pe 2:4, Jd 6.
A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog
https://circuitogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos, sempre com um viés cristão, porém sem religiosidade.
https://circuitogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos, sempre com um viés cristão, porém sem religiosidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário