"Não é suficiente apenas ser; é necessário parecer." Paráfrase relacionada a Pompéia Sula do Império romano.
"Porém o Senhor disse a Samuel: 'Não atentes para a sua aparência... Porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração." 1 Samuel 16:7 - ARA
Você que acaba de ler os textos acima, deve estar mais do que surpreso, está, também, atônito e boquiaberto, afinal, os textos se contrapõem e são paradoxais, incoerentes entre si.
O primeiro, um provérbio cuja origem remonta à segunda mulher do imperador romano César, Pompéia Sula, diz o seguinte: não basta à mulher de César ser honesta; ela tem de parecer honesta. Desta forma, o moderno marketing, dá origem ao moderno conceito de que é necessário ir além de ser, é preciso parecer o que se é.
Por outro lado, o segundo, a Bíblia, afirma que "O Senhor não vê como o homem vê. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração."
Entendendo o contexto
Samuel, um dos mais respeitados líderes da história do povo de Israel, recebeu um comando especifico de Deus: ungir um rei para Israel que substituísse a Saul. Com este propósito foi a Belém, à casa de Jessé, para, dentre os seus filhos, consagrar um novo rei a Israel.
Na casa de Jessé, ao colocar os olhos em Eliabe, ficou impressionado com sua aparência e seu porte físico e logo pensou: "Certamente está diante de mim o rei de Israel", 1 Sm 16:6. Naquele exato momento Deus lhe advertiu: "O Senhor não vê como vê o homem".
Séculos se passaram desde a experiência vivida pelo profeta Samuel em Belém de Judá. No entanto, esta mesma verdade continua ecoando nos dias de hoje: Deus não vê como vê o homem.
Por desejar ungir um rei a Israel, vendo apenas com seus olhos humanos, Samuel foi advertido. Apesar das melhores intenções, o olhar humano é sempre superficial, aparente ou imediatista. A forma como Deus vê é diferente da visão humana.
A visão de Deus é muito mais abrangente
Vamos considerar o que os homens costumam ver e a valorizar: os dons, a beleza exterior, o nível social, a cultura, a formação familiar, a capacidade intelectual, os dotes físicos e uma porção de outros elementos que têm seu valor, mas aos olhos de Deus são superficiais.
Ficamos presos às aparências, vemos apenas o rótulo e não o conteúdo. Lembra-se de Samuel? Valorizamos demais o que é superficial e visível apenas aos olhos. Deus vê as motivações do coração.
Por esta razão somos facilmente enganados. Valorizamos e desvalorizamos, acreditamos e deixamos de acreditar, julgamos e somos julgados somente pelas aparências. E, como diz o ditado popular: as aparências enganam. Por isto é rejeitado o pequeno, o fraco, o pobre, o sem estudos, o que não é belo e assim tais pessoas são intimidadas e chegam a ser condenadas a uma vida sem chances, sem horizontes e sem oportunidades.
Certamente Jessé nunca traria Davi à presença do profeta Samuel. Aos olhos de seu pai, Davi não era importante. Isto acontece porque só olhamos o que está diante de nossos olhos.
Ver com os olhos de Deus é ver além do que enxergamos, é ver além das aparências. Assim concluímos que a aparência humana do ponto de vista de Deus, nem de longe, é o que mais importa.
Ser ou parecer, o que é mais importante
Por mais intrigante que seja, os dois conceitos com os quais abri este artigo estão repletos de verdade. O primeiro está mais relacionado ao cotidiano da vida e ao modo como as pessoas vivem; um exemplo fácil para entendermos isso é o seguinte: Imaginem um moderno centro de compras ter a "fama" de ser "bom", sem que tenhamos maiores detalhes quanto a este comentário; quando alguém vai visita-lo, e percebe um piso muito sujo, emporcalhado, os sanitários imundos, nojentos, além de vendedores desinteressados e sem atenção, possivelmente não retornará a este centro de compras; ou seja, não basta ter "fama de bom", a aparência precisa demonstrar isso.
O segundo conceito tem a mais importante aplicação e está relacionada ao que realmente importa aos olhos de Deus: O caráter das pessoas, sendo basicamente de cunho espiritual, e o que é de real valor no ser humano: o seu interior, a sua essência; os valores e a intimidade do seu ser.
Embora entendamos que um cristão, "deixará as coisas do mundo" (e aqui há um grande problema, pois, afinal, o que são essas tais "coisas do mundo"?) e terá a "aparência" de cristão (eis aqui outro problema; afinal, como definir essa tal "aparência de cristão", pelos usos e costumes?), isto será algo natural; sem se aperceber dessa transformação, o seu exterior demonstrará essa alteração em seu interior. Agora, ele parecerá ser o que de fato já é. Uma ferida no corpo só é curada a partir do seu interior.
Jesus botando ordem nas coisas
Jesus, certa vez, dirigindo-se aos fariseus, que tinham uma extraordinária aparência de santidade, disse:
"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato... Fariseu cego, limpa, primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo!" – Mateus 23:25,26 - ARA
Feitas estas colocações, perguntamos: Qual deveria ser a aparência de um cristão cheio de graça? Faço esta colocação, porque frequentemente nos deparamos com "crentes" que além de absolutamente formais, são sérios, (no mal sentido da palavra) e sisudos. "Crentes", que além de darem a impressão de não crerem(?), passam a impressão de que vivem com dor de cabeça; "crentes", que receberam o maior de todos os presentes de Deus: Sua graça; mas esta nunca está onde eles estão.
Por outro lado o tema deste artigo é relativamente mais amplo do que parece. Senão vejamos: É comum ouvirmos dizer: "Venha a Deus do jeito que você está"; Mas digam-me: que "igreja" aceita ou recebe as pessoas do jeito que estão? Incontáveis vezes pude ver, e talvez até tenha me envolvido com um caso assim: Uma pessoa alcoolizada ser retirada da "igreja", pelos "obreiros" para que o mesmo não "atrapalhasse o andamento da programação".
Nessas ocasiões eu poderia ter sentado ao lado dessa pessoa, por a mão em seu ombro e fazer-lhe companhia, afinal o que ela mais queria era ser notada, chamar a atenção; como não conseguia com sobriedade, fazia-o alcoolizado, e ainda assim era desprezado. Para os irmãos daquela igreja, a aparência "contava", não importando quem estivesse "dentro" daquele corpo ferido e alquebrado.
Por fatos como este, muito mais pessoas do que imaginamos evitam ir à igreja, sejam por motivos sociais, morais, ou apenas em função de sua aparência. Philip Yancey, autor do livro "Maravilhosa Graça", em seu primeiro capítulo, conta-nos a comovente história verídica que ouviu de um amigo que trabalhava com pessoas que viviam à margem da sociedade em Chicago:
"Uma prostituta veio falar comigo e contou que passava por terríveis dificuldades: sem lar, doente, incapaz de comprar comida para si e para a sua filha de dois anos de idade.
Entre soluços e lágrimas, contou-me que estivera alugando a filha... de 2 anos de idade!... a homens interessados em sexo pervertido. Ela ganhava mais alugando a menina por uma hora do que poderia ganhar ela mesma em uma noite. Tinha de fazê-lo, dizia, para sustentar o vício das drogas.
Eu mal aguentava ouvir sua história sórdida. Em primeiro lugar porque eu me sentia legalmente responsável, tendo de denunciar casos de abuso contra crianças. Mas naquele momento eu não tinha ideia do que poderia dizer àquela mulher.
Finalmente, perguntei a ela se nunca havia pensado em ir a uma igreja para pedir ajuda. Nunca me esquecerei do olhar assustado que vi em seu rosto. 'Igreja!' ela exclamou. 'Porque eu iria a uma igreja? Eu já me sinto terrível o suficiente. Eles vão me fazer sentir ainda pior' [Yancey, Philip – "Maravilhosa Graça", São Paulo, Ed. Vida 06/2007, edição revista e atualizada, páginas 9 e 10].
Conclusão
Philip Yancey conclui (e eu também) em suas próprias palavras:
"O que me impressionou na história do meu amigo, é que mulheres muito parecidas com aquela prostituta procuraram Jesus, não fugiram dEle. Por pior que uma pessoa se sentisse a respeito de si mesma ela O procurava como um refúgio."
Por causa de histórias verdadeiras como esta, necessitamos ver mais o interior do que o exterior; necessitamos "ser", mais do que "parecer". Se alguma aparência devemos ter é: a aparência de um cristão cheio de graça, pois o cristianismo está repleto de "cristãos" sisudos, amargos, com uma bela aparência externa e sem o essencial: a graça de Deus em suas vidas.
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