sábado, 22 de outubro de 2016

ACONTECIMENTOS - A CHACINA DE UNAÍ (MG)

Um dos casos mais emblemáticos de trabalho escravo, a Chacina de Unaí completou 12 anos em janeiro deste ano (2016), com uma manifestação ocorrida, em Brasília, com a participação de representantes da sociedade civil organizada, parlamentares e integrantes do governo, para da Justiça rapidez no encerramento do caso.

O caso


O crime que ficou conhecido internacionalmente como Chacina de Unaí, noroeste de Minas Gerais, próximo ao DF, ocorreu em 28 de janeiro de 2004. Foram vítimas de emboscada, durante uma ação de fiscalização de trabalho escravo na região rural de Unaí (MG) os Auditores-Fiscais do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves (o "Tote"), João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira.

A fiscalização foi considerada pela Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais (hoje Superintendência), como uma operação de rotina. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal fizeram as investigações e, em julho de 2004, anunciaram o desvendamento do caso, que tem nove pessoas envolvidas como mandantes, intermediários e executores. 

O julgamento


Os auditores foram trucidados sem qualquer possibilidade de defesa
O indiciamento foi feito e o processo começou a correr no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Belo Horizonte. A 9ª Vara Federal em BH publicou a Sentença de Pronúncia em dezembro de 2004, indicando que oito dos nove acusados deveriam ir a Júri Popular. A exceção foi Antério Mânica, que tinha direito a julgamento em foro especial, por ser prefeito de Unaí – seu segundo mandato terminou no dia 1º de janeiro de 2013. 

Os acusados recorreram ao TRF em Brasília. Os recursos foram julgados em 16 de janeiro de 2006, sendo negados. Vários réus entraram com seguidos recursos, porém, em 2012, cinco réus que não tinham mais recursos e poderiam ser julgados imediatamente tiveram seus processos desmembrados da peça principal pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ. O STJ determinou a "baixa" dos autos originais à 9ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte em maio de 2012. Hoje o processo está de volta à 9ª Vara Federal em Belo Horizonte, sob a responsabilidade da juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima. 

Em janeiro de 2014, a juíza Raquel Vasconcelos determinou a transferência do julgamento para a Vara Federal de Unaí, mas esta decisão foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Os três primeiros réus foram julgados de 27 a 31 de agosto de 2014, em Belo Horizonte, e condenados. Mais quatro réus seriam julgados no dia 17 de setembro do mesmo ano, mas o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar suspendendo o julgamento até que se julgue Habeas corpus impetrado pela defesa de Norberto Mânica, pleiteando a transferência do júri para Unaí. 

Ainda não houve decisão. O julgamento de Antério Mânica, que estava marcado para 1º de outubro também foi suspenso. Em Minas Gerais, quem acompanha o caso na Procuradoria Geral da República (Ministério Público Federal) é a Procuradora Miriam do Rosário Lima. 

Acusados


Antério Mânica - Considerado o maior produtor de feijão do País, tem propriedades rurais no Paraná e Unaí (MG) e era alvo freqüente de fiscalizações, a maioria delas realizadas pelo Auditor-Fiscal do Trabalho Nelson José da Silva - que, inclusive, segundo os altos do processo, seria o principal alvo da chacina -, lotado na subdelegacia de Paracatu. 

Em novembro de 2003, ameaçou o Auditor - que era considerado um profissional "linha dura" - de morte durante uma das inspeções, conforme ele mesmo confessou em depoimento à Polícia Federal. Foi eleito prefeito de Unaí em 2004 e 2008. Durante este período tinha direito a julgamento em foro especial. Seu processo foi separado dos outros oito acusados e somente será julgado depois deles. Está em liberdade. É acusado de ser mandante do crime. 

Erinaldo de Vasconcelos Silva – Executou, com sua pistola 38, três das quatro vítimas. Integrante de uma quadrilha de roubo de carga e de veículos que atuava na região de Goiás e Noroeste de Minas, agia ao lado de Rogério Alan Rocha Rios, chamado por ele para matar os Auditores-Fiscais e o motorista. 

Ele confessa que foi procurado por Chico Pinheiro, aceitou o trabalho sujo e acertou com ele o pagamento. Por ter executado mais pessoas, recebeu R$ 17 mil, além de R$ 6 mil, a título de adiantamento. Seu processo foi desmembrado do principal em novembro de 2011. Foi julgado em Belo Horizonte no final de agosto de 2013 e condenado a 76 anos e 20 dias de prisão por formação de quadrilha e pelos quatro homicídios triplamente qualificados. 

Francisco Elder Pinheiro - Conhecido como Chico Pinheiro, morreu no dia 7 de janeiro de 2013, vítima de um AVC, aos 77 anos. Ele estava em regime de prisão domiciliar. Goiano, foi apontado como o homem que se encarregou de montar toda a estrutura para a chacina e também acompanhou a execução do plano pessoalmente. 

Confessa que respondeu por três homicídios e que foi ele quem contratou os três homens para executar os Auditores-Fiscais e o motorista, encarregando-se também de receber o dinheiro das mãos de Zezinho e de fazer a divisão entre os participantes do crime. 

Hugo Alves Pimenta - Empresário cerealista, é acusado de ser o mandante das execuções dos Auditores e do motorista. É proprietário das empresas Huma Transportes, com sede em Unaí, e Huma Cereais Ltda, que tem filial também em Taguatinga, cidade-satélite do Distrito Federal. Tem como sócia Marta de Fátima Santos e mantém relações comerciais com vários fazendeiros da região. 

Deve R$ 2 milhões aos fazendeiros e irmãos Celso e Norberto Mânica, alvos das fiscalizações dos Auditores. Ele teria pago R$ 45 mil pelas quatro mortes. Pimenta se recusou a prestar depoimento à Polícia Federal e disse que só fala em juízo. Chegou a ser libertado, mas foi novamente preso em 9 de junho de 2006, quando foi descoberto um esquema de compra do silêncio de testemunhas. Atualmente está em liberdade por força de habeas corpus. 

Humberto Ribeiro dos Santos - O "Beto" é apontado como o homem que teria se encarregado de apagar uma das provas do crime. Depois das mortes, foi contratado por Erinaldo para arrancar a folha do livro de registros do Hotel Athos, em Unaí, onde os pistoleiros ficaram hospedados. 

Rogério Alan foi quem se lembrou de ter fornecido seus dados verdadeiros ao fazer registro no local. Ele estava preso em Formosa (GO) por outro crime. Beto não estabeleceu preço pelo serviço. O crime pelo qual foi acusado já prescreveu e ele está em liberdade desde julho de 2010. 

José Alberto Costa - Conhecido como Zezinho, é empresário, dono da Lucky - Flocos de Cereais, com sede em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Representante da empresa Huma na capital mineira, é suspeito de ter intermediado a contratação dos pistoleiros, a pedido do amigo Hugo Pimenta. 

Para isso, fez contato com o sitiante Francisco Elder Pinheiro, que arregimentou o grupo. Seu processo foi desmembrado do processo principal em novembro de 2012 e ele já pode ser julgado pela 9ª Vara Federal em Belo Horizonte. Está em liberdade desde dezembro 2004, beneficiado por habeas corpus do TRF 1ª Região. 

Norberto Mânica – Fazendeiro, irmão de Antério Mânica, também sofria fiscalizações frequentes em suas fazendas. É acusado de ser mandante do crime, junto com o irmão. Está em liberdade desde 28 de novembro/2006, por força de habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ. 

Rogério Alan Rocha Rios - Participou diretamente das execuções. Armado de um revólver calibre 38, teria dado vários tiros no Auditor-Fiscal do Trabalho Nelson José da Silva, o verdadeiro alvo dos mandantes do crime, conforme sua confissão. 

Encarregou-se ainda de roubar os celulares das vítimas, que depois foram atirados em um riacho. Depois do crime, fugiu para seu Estado natal, a Bahia, onde responde a processos. Diz ter recebido R$ 6 mil para participar do crime. Em maio de 2011 teve seu processo desmembrado dos demais réus. Foi julgado no final de agosto em Belo Horizonte e condenado a 94 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha e pelos quatro homicídios triplamente qualificados. 

William Gomes de Miranda - Foi contratado para atuar como motorista dos pistoleiros durante a chacina. Sua função era fazer o levantamento dos passos dos fiscais depois que eles deixassem o hotel em que se hospedavam. No entanto, não participou diretamente do crime, porque o carro alugado que conduzia, um Gol vermelho, furou um pneu. 

Por sua participação, confessa ter recebido R$ 11 mil. Ele foi libertado em fevereiro de 2011 num procedimento que o MPF considerou irregular e determinou que fosse novamente preso. Ele foi capturado no Mato Grosso no dia 24 de maio de 2011. Foi julgado no final de agosto em Belo Horizonte e condenado a 56 anos de prisão pela prática de homicídio triplamente qualificado. 

Sentimento de impunidade


O corpo do Auditor-Fiscal Ailton,
que era o principal alvo dos assassinos
Apesar de os executores do crime já terem sido condenados em 2013, em julgamento realizado em Belo Horizonte (MG), o processo está novamente parado, após o pedido de vista do ministro Dias Toffoli, do STF, nos Habeas Corpus impetrados por Norberto Mânica, acusado de ser mandante do crime, e por José Alberto de Castro, acusado de ser intermediário.Em homenagem às vítimas da Chacina de Unaí, 28 de janeiro é o Dia Nacional do Auditor-Fiscal do Trabalho e marca o início da Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que reunirá várias entidades, instituições e órgãos que lutam pela erradicação da prática em atividades por todo o país.

Em novembro de 2015, os autores do crime foram julgados e considerados culpados. Os assassinos Alan Rocha Rios e Erinaldo de Vasconcelo Silva já estavam presos, mas os mandantes e intermediários, Antério e Norberto Mânica, Hugo Pimenta e José de Castro, estão em liberdade e aguardam julgamento de recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília.
"Receberam uma sentença satisfatória, todos eles, condenados a quase 100 anos de cadeia. Agora nós estamos aqui pedindo aos que compõem esse tribunal que sejam rápidos, porque a gente tem sede de que essa justiça seja feita", 
apela Marines Lima, viúva de Erastóstenes, presente à mobilização ocorrida em frente ao TRF1. O Ministério do Trabalho e Previdência Social também cobra agilidade nas condenações, para que sirvam de exemplo aos que insistem em utilizar mão-de-obra escrava, no Brasil. 

Conclusão


Estrada na Fazenda Bocaina, da família Mânica, 
onde a chacina ocorreu
A chamada "lista suja", com os nomes das pessoas e empresas envolvidas neste tipo de exploração não pode ser divulgada por causa de uma liminar na Justiça. O governo mantém as ações de fiscalização. Desde a criação dos grupos móveis, em 1995, já foram feitas mais de 1.900 operações pelo país, com 49 mil trabalhadores resgatados.

Em 2015, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel completa 20 anos de atuação. Nesse período, os Auditores-Fiscais do Trabalho que o integram resgataram mais de 46 mil trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão. A criação do Grupo se deu após o governo brasileiro assumir, perante a Organização das Nações Unidas (ONU), a existência da escravidão contemporânea no país. 

[Fonte: Sinait]

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