quinta-feira, 14 de julho de 2016

FILMES QUE EU VI - ESPECIAL: "PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO"

O cinema nacional perdeu no último dia 13 um de seus cineastas mais representativos: o argentino Héctor Babenco. Ele tinha a sensibilidade de tocar em temas que são feridas expostas na vida real. Com sua claquete Babenco escancarou nas telonas a triste e marginal realidade de um Brasil que todos sabem que existe, mas que a maioria finge que não vê.

Héctor Babenco, ☆1946✟2016

Babenco tem em seu invejável currículo na carreira (ao todo foram 12 os filmes dirigidos por ele). Destaco os sucessos "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia" (1976), "Pixote: a lei do mais fraco" (1981) e "Carandiru" (2003). Estes que eu destaquei são os que falam diretamente sobre um dos maiores problemas do Brasil: a violência. Em 1985 ele dirigiu "O beijo da Mulher-Aranha", quando foi indicado para o Oscar. Mas não é deste filme que eu falar neste aqui. Eu assisti a todos os filmes do Babenco que citei aqui e deste eu quero destacar o que para mim foi o mais marcante de todos: 


"Pixote, a lei do mais fraco".


O filme já chocava pelo cartaz que
 trazia a nudez frontal do protagonista,
na época com 10 anos de idade
Há este menino, ele é o que se chama de delinquente. Um dos muitos assaltantes que rotineiramente espetam canivetes em senhorinhas de idade na saída de bancos, nas paradas de ônibus à noite e em ruazinhas desertas. Ele se aproveita da impunidade do sistema aos delitos cometidos por menores de idade, assim como os verdadeiros criminosos que o coagem abusam dele.

O nome desse menino é tanto Pixote, o personagem, quanto Fernando Ramos da Silva, ator que o interpretou. Trazido de uma favela por Hector Babenco para atuar no longa-metragem, o intérprete mirim acaba sendo a maior prova da relevância do projeto que protagoniza.

Do cinema para realidade ou vice-versa?


Túmulo de Fernando Ramos, assassinado aos 20 anos no Rio
Fernando jamais conseguiu se firmar como ator depois de estrelar "Pixote: a lei do mais fraco", e acabou morto por policiais após retornar à vida da qual a produção o havia tirado. É irônico pensar que o filme tenha sacado o garoto de sua realidade para, mais tarde, depositá-lo de volta nela.

Manchete de jornal sobre a vida de Fernando alguns anos 
após o sucesso do filme
O longa, como obra de ficção, nos extrai de nossa realidade e nos leva àquela do menino: preso em um reformatório junto com outros tantos garotos. Na sua primeira noite lá, o pequeno Pixote testemunha um estupro de colega detento por outros - esta, aliás, é uma das cenas mais impactantes do longo -, seguido de casos de espancamentos e assassinatos, quase todos obra dos oficiais responsáveis pelas crianças que, assim, resolvem fugir.

Ficção e realidade se [con]fundem


Cena de "Pixote..."
De certa forma, o lugar representa uma realidade em miniatura da ditadura militar brasileira, e o roteiro poderia também ser um prequel [Prequela ou prequência (em inglês: prequel) é um termo não-dicionarizado em português para se referir a uma obra narrativa que contém elementos ambientados no mesmo universo ficcional, cuja história antecede ao trabalho anterior, apresentando eventos que ocorreram antes da obra original.] eficiente de "O beijo da Mulher-Aranha", até por tocar em temas queridos ao diretor, como o conjunto formado pelo cárcere, a homossexualidade e o regime militar, que viria a figurar, quase integralmente, também em "Carandiru".

Cena de "Pixote..."
E, embora o último não seja tão eficiente quanto os outros, os três poderiam formar uma espécie de trilogia da denúncia de abuso. O próprio cineasta abre aqui a exibição explicando o contexto do projeto e porque usou no elenco crianças inseridas nele.

Chocante, mas necessário(?)


Matéria do JB sobre o sucesso internacional do longa
Os conflitos de "Pixote..." já revoltariam qualquer um se fossem protagonizados por adultos. Esse sentimento é multiplicado, pois aqui são encenados por crianças. É uma triste representação da marginalização do nosso então regime totalitário, opressor de boa parte da população. Esmiuçar o enredo e os pequenos embates entre os personagens é irrelevante (leve isso como elogio, não como demérito). 

Dito e Lilica - casal gay, personagens de "Pixote..."
Veja bem, a do garotinho interpretado por Fernando Ramos da Silva, é apenas uma entre as milhares de situações vividas por essas crianças (ontem, hoje... amanhã(?)). Como apontado antes, poderia ter sido – e foi – a história do próprio Fernando. É isso que Babenco buscou atingir. Se os meninos são enganados por uma traficante (Débora, personagem de Elke Maravilha) se vão parar sob os cuidados de uma prostituta (Sueli, personagem de Marília Pêra), ou se Dito (Gilberto Moura) realmente se apaixona por Lilica (Jorge Julião), pouco importa, pois isso apenas faz a trama se mover através do verdadeiro quadro pintado pelo cineasta, que representa a dura e triste realidade de um sistema falho, falido e corrupto, que esmaga as pequenas e indefesas criaturas empurradas às beiradas.

Claro, Pixote sendo amamentado num seio que o rejeitou a priori é uma imagem forte que (a cena ao lado gerou polêmica na época), para todos os fins, representa a própria pátria amada e idolatrada exaltada pelos unilaterais agentes do sistema na época, que desmamou uma criança a quem deveria acolher e de quem deveria cuidar, deixando-a, como o nosso protagonista, sozinho para seguir os trilhos do trem em direção a um futuro não pouco previsível. 

Conclusão


Mais uma cena forte do filme: o garoto fumando maconha.
Em outra sequência Pixote cheira cola
 (é que na época ainda não existia o crack, senão...)
Visitar o filme de Babenco nesses dias (36 anos depois) em que vemos grupos de pessoas pedindo a volta da ditadura é um lembrete da realidade sombria para a qual ainda podemos voltar, e de como ainda há gente disposta a desperdiçar, abusar e deixar a própria sorte toda uma geração.


Cartaz da exibição internacional do filme
  • Gênero: Drama
  • Direção: Héctor Babenco
  • Roteiro: Héctor Babenco, Jorge Durán
  • Elenco (em ordem alfabética): Beatriz Segall, Edilson Lino, Elke Maravilha, Fernando Ramos da Silva, Gilberto Moura, Jardel Filho, João José Pompeu, Jorge Julião, Marília Pêra, Rubens de Falco, Tony Tornado, Zenildo Santos
  • Produção: José Pinto, Paulo Francini
  • Fotografia: Rodolfo Sánchez
  • Trilha Sonora: John Neschling
  • Duração: 127 min.
  • Ano: 1980
  • País: Brasil
  • Cor: Colorido
  • Distribuidora: Europa Filmes
  • Classificação: 16 anos
  • Prêmios e indicações: Melhor Filme da Associação dos Críticos de Los Angeles e Nova York em 1981 - Menção honrosa a Marília Pêra da Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema nos Estados Unidos.

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