"Bem, então vamos estar conferindo seus dados e vamos estar passando os detalhes para e o gerente vai estar ligando para o senhor posteriormente", diz a voz metálica da atendente de telemarketing do outro lado da linha. É o famigerado e indigesto gerundismo assassinando a gramática e a fonética.
Apregoa a sapiência salomônica no livro de Eclesiastes que "não há limites para a produção de livros [12:12a]". Pois vivemos em um período da História em que a estupidez humana também parece desconhecer quaisquer fronteiras. As pessoas sempre usaram expedientes variados para esconder a idade; agora, tentam ocultar a ignorância com livros meticulosamente espalhados pela casa. Decoradores e designers de interiores dizem que usar fileiras de livros para decorar ambientes é o quente no meio dos novos ricos e dos endinheirados afins. Segundo eles, "os livros dão um peso no ambiente. Transmitem uma ideia de bagagem, sofisticação".
Na maioria das vezes conseguem as obras em sebos. Não é difícil entender o porquê dessa opção - o importante é transmitir a ideia de cultura sólida e que os livros pareçam lidos. Erudição mais fake, impossível. O filósofo romano Sêneca, preceptor de Nero, já escarnecia das casas dos ricos de sua época, repletas de livros nunca lidos: "Como não ter compaixão do dono dessas coleções puramente ostentatórias, que boceja em meio a todos aqueles volumes e se deleita com os frontispícios (as capas) e os títulos?"
Quem lê sabe mais
Em tempos de competição acirrada no mercado de trabalho, o hábito da leitura é uma espécie de coringa no chamado "marketing pessoal". Seus efeitos ultrapassam as rais do conhecimento puro e simples, aprimorando o vocabulário, a capacidade de expressão e a articulação das ideias. Quem lê bastante sai-se melhor em entrevistas e... Não passa vergonha no púlpito.
Não é preciso mais que um prosaico e-mail para revelar o despreparo intelectual e a falta de intimidade de muitos com a língua. O que se lê em postagens nas redes sociais então... misericórdia! Não nos enganemos: cada vez que abrimos a boca estamos exibindo nosso currículo em alto e bom som. Logo, todo o cuidado é pouco.
A caminhada do povo de Deus é estranhamente marcada pela dubiedade. Enquanto muitos ainda são alfabetizados para ler as Escrituras, outros manuseiam o livro santo apenas nos cultos. Por desconhecimento da Palavra, tornam-se presas fáceis de doutrinas sem respaldo bíblico e pulam de igreja em igreja atrás de "profecias", "revelações", "vitórias", "bênçãos", restituições, "correntes e campanhas disso e daquilo". Oxalá fôssemos novamente conhecidos como o povo "amigo do Livro" e não seria preciso recorrer tantas vezes a expedientes do tipo "quebra de maldição aqui e acolá". Que tal uma campanha para Deus despertar muitos de seus filhos da indolência e do comodismo?
Onde fica o quarto com livros?
Num episódio emblemático em Dom Quixote, o protagonista pergunta à uma ama onde ficava o quarto com livros. O aposento havia sido emparedado por seus opositores e as obras, reduzidas a cinzas. "Já não há aposentos nem livros nesta casa, pois tudo foi carregado pelo dia em pessoa", responde a ama.
Ao observar as tintas carregadas de desinteresse no panorama da leitura no meio evangélico, é possível inferir que o enredo de Miguel de Cervantes tornou-se realidade em alguns lugares. O inimigo nos tem subtraído a amizade dos livros e fragilizado as raízes do conhecimento no meio do povo santo. A exposição às intempéries do mundo representam perigo real de destruição para muitos como alertou o profeta Oseias (4:3).
Já que o título deste texto foi inspirado numa frase de Descartes, nada melhor que lembrar outro de seus ditos lapidares. De acordo com o filósofo francês, a leitura é uma "conversação com os grandes homens dos séculos passados, uma conversação seleta, em que eles não nos revelam senão o melhor de seus pensamentos".
Em lugar de pessoas nada recomendáveis que adentram em seu lar através da televisão e das mídias digitais, convide Paulo, Lucas, Shekespeare, Machado de Assis, Ed Renè Kivitz, Hernandes Dias Lopes, Russel Shedd e outros tantos homens [e mulheres] notáveis para "bater um papo" na sala de estar. Trocar Geraldo Luiz por Esdras e Faustão por Moisés parece exagero, porém significa trocar uma existência medíocre pela vida abundante prometida por Deus. Topas? Então, fica a dica.
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