sábado, 20 de abril de 2024

ESTANTE DO LÉO — "O CONCEITO DE FAMÍLIA EM FREUD", JOSÉ NUNES FERNANDES

Li este livro, no formato digital de ebook, como parte da pesquisa para aula que tivemos sobre o tema na faculdade. De fato o conceito freudiano da família, nada tem a ver com o conceito da família tradicional, já arraigada em nosso imaginário coletivo, mesmo e não a despeito, dos atuais mutifacetados contextos familiares existentes na sociedade atual.

Conceito psicanalítico de família


A família sempre foi objeto de estudo na psicanálise. Dr. Sigmund Freud (✩1856/✞1939) afirmava que a família constitui uma restauração da antiga ordem primitiva e devolve aos pais uma grande parte de seus antigos direitos.
'As desavenças entre os pais ou seu casamento infeliz condicionam a mais grave predisposição para o desenvolvimento sexual perturbado ou o adoecimento neurótico dos filhos' (Freud, In. "Três ensaios sobre a sexualidade").
Criador da psicanálise, o neurologista austríaco Dr. Freud, em 1912, também escreveu "Totem e Tabu". Segundo ele, os quatro ensaios desta obra representam uma primeira tentativa de aplicar o ponto de vista das descobertas psicanalíticas ao campo da psicologia social. 

Para além desta proposta, Freud enfatiza a importância da pesquisa multidisciplinar, criando interfaces da psicanálise com outros campos de conhecimento. Trata-se de um estudo sobre a vida mental e os processos psíquicos que a norteiam, realizado a partir de um ponto de vista contextualizador. 

Neste ensaio, Freud reafirma, mais uma vez, a importância de se pensar o homem historicamente, no cerne de seu meio ambiente cultural, atravessado pelas vicissitudes do tempo e do espaço que constituem sua realidade psíquica.

Sobre o livro

A Família Freudiana


Em 1897, ao abandonar a teoria da sedução, Freud menciona pela primeira vez o complexo de Édipo: 
"A lenda grega captou uma compulsão que todos reconhecem porque todos sentiram. Cada espectador foi um dia, em germe, na imaginação, um Édipo e se aterroriza diante da realização de seu sonho transposto na realidade. Estremece diante de toda a dimensão do recalcamento que separa seu estado infantil de seu estado atual" (Freud, La naissance de la psychanalyse. Paris: PUF, 1991, p. 198).
O homem edipiano vai aparecer no momento da passagem de Freud de uma concepção traumática do conflito neurótico para uma teoria do psiquismo inconsciente. 

Mais tarde, na interpretação dos sonhos, Freud associa Édipo e Hamlet aos deuses gregos, criando a cena do desejo de incesto e de assassinato do pai, inaugurando assim, um modelo de romance familiar que sustentara a família ocidental cristã por um século (Freud, 1900/1980). 
Para a psicanálise freudiana, a concepção da família é, portanto, fundada no assassinato do pai pelo filho, na rivalidade deste em relação ao pai, no questionamento da onipotência patriarcal e na emancipação das mulheres da opressão paterna.
O sonho do incesto, a culpa do filho pelo assassinato do pai e desejo pela mãe torna-se um modelo único e universal batizado por Freud de Ödipus — Komplese (um tipo especial de escolha feita pelo homem (Freud, 1910, Obras C. Vol 11). 
Reinventando o Édipo, Freud assegura o funcionamento simbólico da família. 

Retomando Hamlet, Freud o associa a Édipo para construir melhor o Complexo, criando um personagem inconsciente (Édipo) em fusão com um elemento consciente (Hamlet). Podemos dizer que Édipo estava para a teoria, assim como Hamlet está para a clínica. 
Frente à decadência da vida familiar burguesa, Freud lança mão do complexo de Édipo para restaurar a família enquanto instituição, agora simbólica e inconsciente.
A Lei do pai (simbólica) remete a um sujeito culpado de seu desejo (inconsciente). Completando a criação de seu complexo, Freud, adiciona a Édipo (inconsciente), Hamlet (culpa do desejo) e os irmãos Karamazov (o assassinato do pai, real) (Freud, 1928-1927/1980). 

Questionando a morte do pai, Freud nos remete ao pai totêmico, primevo, devorador e criminoso, em suas duas grandes obras: Totem e Tabu e Moisés e o Monoteísmo (1939/80), onde torna o complexo de Édipo universal, por ligá-lo aos dois interditos fundamentais da cultura. 

Consequentemente, o poder na sociedade pode ser centrado em três imperativos: 
  1. um ato fundador (morte do pai), 
  2. necessidade da lei (punição) e 
  3. renúncia ao despotismo do pai tirano da horda selvagem. 
Na evolução do indivíduo, estes três imperativos têm, como consequência, três estágios: no período animista, onipotência e narcisismo infantil; na fase religiosa, poder divino e paterno; e, finalmente, na época científica, o logos (Freud, 1939/1980). 
A família freudiana adota como sua base a culpa e a lei moral, fundamenta o desejo entre condições conflitantes da autoridade, rebeldia, universal, diferença, crime, castigo. 
Esta nova concepção de família, do início do século XX, será capaz de lidar não só com o declínio da autoridade paterna, mas também com a consequente emancipação da subjetividade, uma vez que tem como seu cerne o amor, o desejo e a sexualidade. 
Esta família afetiva implica, através do interdito do incesto, no reconhecimento do inconsciente, do desejo e da própria subjetividade.
A partir da teorização do complexo de Édipo, Freud formulou sua concepção psicanalítica sobre a família, passando a abordá-la sempre relacionando-a ao viés do complexo edipiano, apresentando-a como uma instituição humana duplamente universal, através da qual encontra-se associada a castração simbólica a um fato da natureza biológica. 

Diferentemente de Freud, Melaine Klein (✩1882/✞1960) trabalhou a família através das vivências edípicas dos primeiros meses de vida, focalizando as relações do sujeito com a mãe, como objeto parcial, demonstrando que a função paterna presente, desde os primeiros meses, na relação mãe-filho, ativa o Édipo da criança. 

Por outro lado, para Lacan (✩1901/✞1981), a família humana desempenha um papel primordial na transmissão da cultura, prevalecendo na primeira educação. Lacan mostra a família organizada, segundo imagos paternas e maternas, reconhecendo que esta é responsável pela promoção do processo de humanização do indivíduo, pela criação da subjetividade.

O que entendi na leitura do livro?


Bom, devo confessar que o livro é um tanto quanto complexo, nada facil de entender e, por vezes, devido às minhas indissociáveis convicções cristãs, veio a tendência natural em considerar Freud um herege, um endemoniado. Mas, a razão me volta ao equilíbrio da compreensão do contexto ao qual Freud exercia suas teorias.              
A família é uma organização marcada pela diferença entre as gerações e entre as funções, cuja finalidade é a de proteção daqueles que são os mais vulneráveis — crianças, adolescentes e idosos. A família é o espaço de realização dos mais fundamentais direitos da personalidade. A família é uma instituição configurada na dinâmica genealógica e psicológica.
A terapia familiar no contexto psicanalítico dá ênfase ao passado, à história da família tanto como causa de um sintoma, quanto como um meio de transformá-lo. Os sintomas são vistos como decorrência de experiências passadas que foram recalcadas fora da consciência. 

O método utilizado, na maior parte das vezes, é interpretativo com o objetivo de ajudar os membros da família a tomar consciência do comportamento passado, assim como do presente e das relações entre eles.

As três instituições antiquíssimas: a família biológica, a família religiosa e a família jurídica. A primeira prevalece o fator genealógico e afetivo, a segunda: o fator dogmático, o sagrado, o sobrenatural e sacrificial e na terceira: o fator da jurisprudência e da ordem para o bem comum. 
Todas essas famílias estão dentro do contexto social, político, econômico e cultural. Daí a relevância da ciência psicanalítica para auxiliar na estrutura holística de ambas. A conexão da ciência, da tecnologia e da psicanálise para o bem-estar familiar e de uma sociedade afetiva, justa e fraterna.

Conclusão


Este livro trata de uma reflexão sobre o pensamento de Freud, mais especificamente sobre o conceito de família, através da análise de, principalmente, cinco dos seus últimos trabalhos, as obras de Freud ditas sociais: "Totem e tabu", "O futuro de uma ilusão", "Psicologia de grupo e análise do ego", "O mal-estar na civilização" e "Moisés e o monoteísmo"

Além disso, o autor busca: demonstrar três opiniões sobre os primórdios e as modificações da família até a atualidade (Ariès, Poster e Engels); discutir temas relevantes para o entendimento do que compõe o conceito de família em Freud; e refletir criticamente sobre a atualidade do conceito freudiano de família. O assunto está delimitado à área do saber denominada Psicanálise, abordando também outras áreas. 

Em relação à demarcação, ou seja, delimitação conceitual, o texto está centralizado em alguns temas de análise utilizados para entendimento do grupo familiar, temas que servirão como componentes da discussão sobre o conceito de família: sexualidade infantil, complexo de Édipo, incesto, narcisismo, romance familiar, ambivalência, sentimento de culpa, totem e tabu (horda primeva, tabu, totemismo na infância), moral sexual civilizada, transferência, pulsão, grupo e vínculo.

Ficha técnica

  • Editora: ‎ Letra Capital; 1ª edição (1 janeiro 2014)
  • Idioma: ‎ Português
  • Capa comum: ‎ 118 páginas
  • Sobre o autor:
José Nunes Fernandes possui Curso de Licenciatura Plena Em Educação Artística - Música e de Psicologia. É especialista em Educação Musical e Mestre em Música, ambos pelo Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário (1991 e 1993). 

É Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (1998). É professor Associado III da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), no Instituto Villa-Lobos (Bacharelado e Licenciatura em Música) e no Programa de Pós-Graduação em Música — Mestrado e Doutorado (professor orientador, ministra Seminários de Música e Educação 1 e Psicologia da Música). 

É professor da disciplina Psicologia da Música no Curso de Especialização em Musicoterapia do CBM/RJ. É professor do Curso de Licenciatura em Pedagogia do PAIEF/CEDERJ/UNIRIO. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Educação Musical principalmente nos seguintes temas: educação musical, ensino da música (formal, não-formal e informal), ensino da música na escola regular, pedagogia, televisão e mídia, psicologia da música, família e psicanálise, psicologia do desenvolvimento, pesquisa em educação musical e história da educação musical brasileira. Líder do Grupo de Pesqusia: Linguagem audiovisual, música e educação (CNPQ).

[Fonte: UFSJ — Universidade Federal de São João del-Rei  original, por João Gualberto Teixeira de Carvalho Filho (Psicólogo e Psicanalista, Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, Minas Gerais, Brasil. Mestrando no Mestrado em Psicologia da UFSJ, área de concentração "Estudos Psicanalíticos". Contato: jogual@ufsj.edu.br), UNIRIO — Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro]

Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.

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sábado, 13 de abril de 2024

ESPECIAL — O DESAFIO DE ENFRENTAR O LUTO

Esta semana aconteceu um fato muito desagradável e que muito me entristeceu: a perda repentina de uma colega de trabalho. Apesar de saber que ela já há algum tempo lutava contra um câncer e mesmo não tendo tido a oportunidade de um relaciomento mais estreito com ela, tendo sido restrito nosso contato apenas no ambiente profissional e, eventualmente, através das redes sociais, o pouco tempo de convivência foi o suficiente para constatar o quanto ela era uma pessoa alegre, divertida, de bem com a vida e mesmo apesar das dores provenientes da sua enfermidade, ela estava sempre pra cima, com um belo sorriso no rosto, cativando e contagiando a todos. 
Descanse em paz, Viviane!
Pois bem, este lamentável acontecimento foi o que me inspirou a escrever/postar o texto deste artigo, pois é fato incontestável que, mesmo sabendo de sua iminente possibilidade, nenhum de nós nunca está preparado para enfrentar o luto. Como estudante de Psicanálise, fui pesquisar como esse sentimento de perda e ruptura de laços emocionais, pode nos atingir em nossa psique e quais as estratégias para que possamos ao menos tentar conseguir superá-lo.

O que é o Luto?

Considerações acerca do Luto em Freud

O luto é caracterizado como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, portanto, um fenômeno mental natural e constante no processo de desenvolvimento humano. 
O processo de luto está inevitavelmente presente na dinâmica entre os dois polos da existência humana: a vida e a morte. Para compreender tal princípio, irei explorar as concepções de luto e seu processo, a partir da ótica psicanalítica, utilizando as contribuições conceituais de Sigmund Freud (✩1856/✞1939) e de Melanie Klein (✩1882/✞1960).

O luto é caracterizado como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, portanto um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano. 

Nesse contexto, por se tratar de um evento constante, acaba implicando diretamente no trabalho de profissionais da saúde, tornando-se um conhecimento necessário para o amparo adequado àqueles que sofrem a perda.

A ideia de luto não se limita apenas à morte, mas o enfrentamento das sucessivas perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano. Deste modo, pode ser vivenciado por meio de perdas que perpassam pela dimensão física e psíquica, como os elos significativos com aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares do indivíduo. 

O simples ato de crescer, como no caso de uma criança que se torna adolescente, vem com uma dolorosa abdicação do corpo infantil e suas significações, igualmente, o declínio das funções orgânicas advindo com o envelhecimento. A capacidade de o indivíduo, desde a infância, se adaptar às novas realidades produzidas diante das perdas servirá como modelo, compondo um repertório, reativado em experiências ulteriores.

Para compreender o conceito de luto dentro da perspectiva psicanalítica foi necessário partir pela obra do precursor da investigação da psique, Sigmund Freud. O autor sistematizou teoricamente fenômenos até então incompreendidos sobre o funcionamento mental. Diante disso, sob a perpectiva de Melanie Klein, não há negativa em relação à concepção do desenvolvimento como base da teoria da sexualidade, mas que a partir dela, construiu a sua teoria com novas contribuições.

Partindo pelo pressuposto de a Psicanálise ter uma linha de pensamento desenvolvimentista, seria totalmente impreciso tomar o caminho pelo entendimento do luto na obra dos autores, sem antes compreender os seus conceitos clássicos, que apresentam, por intermédio do desenvolvimento infantil, efetivas contribuições para o conceito do Luto.

Ao explicar o conceito em "Luto e Melancolia", Freud (1915) o entende como uma reação à perda, não necessariamente de um ente querido, mas também, algo que tome as mesmas proporções, portanto um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano.

Assim como o ser humano é singular, a forma de receber e enfrentar o luto, também difere de pessoa para pessoa


O sofrimento frente a uma perda é inevitável. Nesse sentido, para sair desse limbo, é importante encontrar um direcionamento para a resolução do luto, a reorganização da vida e o investimento em um emocional saudável, com um novo sentido de existência.
O luto é um conjunto de sentimentos que vem após uma perda significativa. Logo, seu processo é uma adaptação à ausência de algo, ou alguém, e se organiza quando a falta é tomada como algo real.
O significado de luto, no entanto, sempre será diferente para cada pessoa. Entretanto, apesar da dor, o processo é saudável e necessário para a cicatrização e elaboração das feridas emocionais provocadas pela falta.

Logo, é um trabalho subjetivo, mobilizado por uma resposta inevitável que move o indivíduo a viver um processo de ajustes em todos os setores da vida.

Quando a morte leva alguém que amamos, muitas pessoas tentam assumir posturas contrárias aos seus sentimentos de dor, por medo de não sair da situação de tristeza e amargura. Porém, o correto, por pior que pareça, é se permitir sofrer.

Portanto, somente quando extravasamos as emoções é que conseguimos aceitar os fatos. Sendo assim, vale afirmar que, a privação dos sentimentos podem acarretar em problemas psicológicos e desenvolvendo um tipo de patologia, chamado luto patológico.

Em cada uma das fases do luto, o mais importante é vivenciá-las, pois é uma etapa que precisamos encarar para aceitar e compreender os processos da vida. Logo, um profissional especialista pode ser de extrema ajuda no apoio ao indivíduo, proporcionando uma adaptação e uma retomada à vida no seu cotidiano.

Como enfrentar o luto?


O luto é um desafio interno repleto de angústia, dor e questionamentos. Nós nunca sabemos o dia de amanhã, tampouco quando será a nossa hora, ou a hora do outro. No entanto, o período pós perda costuma ser intenso e cheio de significados para quem está nele.

Falar sobre a morte, no geral, é muito delicado. Entretanto, muitos de nós temos a tendência de considerar a morte como um fato aceitável e natural apenas na velhice. Isso, por sua vez, acaba dificultando a nossa aceitação quanto o óbito é inesperado.

Nesse sentido, compreender a morte é fundamental no tratamento de todos que passaram e ainda passam pelo luto. Cada um precisa levar o tempo que for preciso para recompor-se e superar o grande choque da perda.

O luto patológico


O luto patológico, ou luto complicado, é marcado por uma intensificação dos sentimentos, impedindo a reorganização da vida, a superação e o início de projetos futuros. Diante disso, sentimentos de raiva, culpa, impotência, perda, ansiedade, depressão, tristeza e desamparo fazem parte desse conjunto de rompimento do vínculo.

Nestes casos, o acompanhamento psicológico é essencial para o indivíduo. Lidar com a morte nunca foi algo fácil, e algumas pessoas costumam ter mais dificuldades do que outras para entender o processo.

Ainda, vale ressaltar que, podemos classificar o processo de luto como toda adaptação à perda, independente do que se trata, sendo assim, não exclusivo à morte. Dessa forma, entende-se também que ele ocorre quando há algo que abala emocionalmente a vida de alguém, podendo ser considerado como luto também, o término de um relacionamento.

O tipo de morte impacta no luto?


No luto relacionado a morte, podemos falar de diversos tipos de óbito: o natural, o não natural (acidentes, violência, suicídio), os decorrentes de doenças graves e também imprevistos clínicos. Visto isso, o ambiente e a forma em que a morte ocorre determinam em grande amplitude a forma que ela vai ser encarada.

No entanto, o comportamento frente a morte é determinado por diversos fatores e, muitas vezes, dependendo de como a pessoa falece, digerir o acontecimento se torna mais difícil. Nesse sentido, é muito mais fácil aceitar que uma pessoa, já aos 90 anos, morreu por doença, do que aceitar que um jovem de 18 anos morreu em um acidente.

Para amenizar o sentimento de luto, costumamos criar repertórios para lidar com o rompimento do vínculo. Logo, sempre tentamos justificar o óbito, mas dependendo do caso, como justificar? Como entender o por quê aquilo aconteceu?

Uma hora os repertórios se tornam inexistentes e dizer “viveu tudo o que tinha pra viver e agora vai descansar em paz” já não se torna mais um consolo. O tipo de morte impacta no luto. De fato, o ser humano não está preparado para enfrentar a transitoriedade da vida. Desse modo, a dor da perda é avassaladora para o emocional das pessoas submetidas a essa experiência.

A subjetividade do luto


Não há como denominar tipos de luto, ele é um processo único e individual. Contudo, pode-se interpretá-lo em níveis, que partem da ideia de aceitação e da intensidade emocional com a qual o momento é vivido.

Sendo assim, não são todas as pessoas que choram compulsivamente e descontroladamente. Dessa maneira, há também pessoas que conseguem manter sua rotina normalmente, porém, isso não significa que elas não estejam no mesmo processo de dor e compreensão. São somente modos distintos de lidar com a perda.

Além disso, existe também também o luto de pré-morte, ou seja, quando alguém passa por um processo irreversível e os familiares e amigos queridos já começam a aceitar a perda antes mesmo dela de fato acontecer.

As 5 fases do luto


Apesar do luto ser um processo individual e que varia de pessoa para pessoa, na maioria das vezes, ele segue uma padronização até sua esperada superação. Diante disso, a psiquiatra Kübler-Ross aponta cinco fases para a elaboração do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Contudo, essas denominações não significam o fim do sofrimento, mas um período em que a pessoa deixa de lutar contra o fato de que a morte aconteceu, o que facilita o enfrentamento.

No entanto, quando falamos em elaboração do luto, nos referimos à vivência da perda e das dificuldades em entrar em contato com as contingências do vazio que a falta causa.

Alguns autores colocam um período de quatro meses até dois anos para a superação de uma perda. Entretanto, o que determina esse processo e a magnitude deste fato é o vínculo que existia com a pessoa que morreu. Dessa forma, alguns estudos classificam o luto em cinco etapas:

  • 1. Negação — Esta primeira fase acontece após o recebimento da notícia. É definida pela negação da realidade e do problema. A longo prazo, a ficha parece ainda não ter caído, desse modo, a pessoa sempre tenta achar algum jeito para relembrar a perda.
Contudo, as pessoas costumam cheirar as roupas usadas do falecido, vestir seus acessórios, passar tempo vendo fotos e vídeos, chorar bastante e sentir desânimo para realizar suas atividades diárias nessa fase. No primeiro momento, é preciso tempo para digerir a situação.

  • 2. Raiva — Os dias passam e a ficha começa a cair. Por que isso aconteceu? Nessa fase, a raiva toma conta da pessoa por considerar uma injustiça a morte de seu ente querido. Logo, buscam um culpado pelo ocorrido – muitas vezes eles mesmos. Será que eu poderia ter feito algo que impedisse a morte? E se ele não tivesse saído de casa naquele dia?
Todavia, os questionamentos só aumentam e parece inacreditável que aquilo tenha acontecido com alguém que você ama tanto. Os pássaros continuam cantando, as pessoas continuam seguindo suas vidas e o sol brilha como sempre. É revoltante pensar que a vida continua mesmo com seu coração devastado.

  • 3. Negociação — A rotina exige que você continue a vida e você decide sair da fossa. Visto isso, na etapa de negociação a pessoa busca uma solução para alterar o que aconteceu. Geralmente, negocia possíveis mudanças e realiza promessas para si mesmo.
Viver para fazer jus ao legado que a pessoa querida deixou, entrar para projetos sociais e realizar desejos que o falecido não pode cumprir são formas de continuar a vida com um propósito e que, são comuns de serem elaboradas nessa fase.

  • 4. Depressão — Mesmo tentando continuar a seguir em frente, o período de depressão surge após a pessoa dar continuidade a sua vida e perceber a falta da pessoa amada. Logo, a dor, a tristeza e cansaço ficam mais fortes.
O indivíduo se isola e sente-se impotente diante da situação. Sendo assim, os dias parecem tristes, e nada faz sentido. Na etapa de depressão, a realidade é enxergada com mais clareza e a morte do ente querido já não parece mais algo irreal.

  • 5. Aceitação — O tempo passa, as informações vão se organizando e aquele processo doloroso vai chegando ao fim. A saudade ainda continua, mas a compreensão faz com que seja possível enxergar novamente a vida com paz e sem a pessoa amada.
Na quinta etapa, a morte é aceita. Diante disso, compreendemos o acontecimento e não mais sentimos raiva, apenas entendemos e seguimos a vida como ela deve ser seguida. Ao lembrar do falecido, ainda dói, mas nosso dia a dia não é mais tomado por aquela profunda angústia de antes.

 

O que é normal de sentir no período de perda?


Falar sobre o luto é importante, então, devemos conhecer também os sentimentos e consequências que podem se aflorar nesse período complicado. Entende-se, por sua vez, que não há como superar a morte de uma maneira fácil e cada pessoa sente a dor de forma diferente.

Algumas pessoas serão marcadas pelo isolamento social, baixa autoestima e pessimismo durante o tempo de luto, enquanto outras poderão percorrer as etapas do luto com impulsividade, hostilidade e agressividade.

De qualquer forma, a dor do luto precisa ser sentida. Um dos cuidados, entretanto, no período de luto é com a utilização de substâncias lícitas (álcool, tabaco) ou ilícitas (drogas tóxicas). A busca da realidade por meio desses agentes pode ser muito prejudicial para a saúde e dificulta a melhora emocional.

De qualquer forma, o processo de luto dá sinais de quando ocorre e devemos prestar atenção neles para procurar ajuda caso os sintomas sejam excessivos e persistentes. No período de luto, após receber a notícia de morte de alguém, é comum:
  • Ter crises de choro, raiva, estresse e ansiedade;
  • Apresentar sintomas de alimentação compulsória ou falta de apetite;
  • Sofrer com insônia;
  • Passar dias melancólicos;
  • Demonstrar sinais depressivos;
  • Apresentar falta de vontade de exercer qualquer atividade, como estudo e trabalho.

Como acabar com a dor do luto?


Primeiramente, é importante destacar que o luto não é um transtorno ou uma doença, ele é um processo natural de aceitação. Portanto, todos aqueles que sofreram perdas de entes queridos estão dentro do período de luto.

Não é necessário, nem indicado, que haja controle emocional por meio de medicamentos e tratamentos mais específicos, pois os sentimentos não devem ser, de forma alguma, contidos, e sim superados e compreendidos.

Desta maneira, o mais indicado para acabar com a dor do luto é um acompanhamento psicológico para que haja uma assimilação melhor dos fatos para que, assim, a dor emocional seja amenizada.

Contudo, aconselha-se o tratamento psiquiátrico somente em casos de reações psíquicas no processo emocional, ou seja, quando o estresse, a insônia e a depressão tomarem o controle da situação e da vida da pessoa.
Dicas para superar o luto

A morte é um tabu, um assunto que se evita, poucos falam e temem. No entanto, não é possível falar com exatidão quanto tempo dura o luto e como superá-lo. Por conta disso, é interessante saber de algum modo dicas sobre como lidar com a morte de alguém próximo.

Afinal, a única certeza que se tem na vida, é que um dia seremos acometidos por esse fenômeno. Nesse sentido, veja a lista de dicas importantes para você saber e praticar:
  • 1. Dê tempo ao tempo — No período de luto, é importante dar chance ao tempo, procurar encarar o luto como sinal de processo e um ciclo que terá fim. Ele poderá durar bastante tempo, por isso, é importante se livrar de cobranças e expectativas.
  • 2. Procure ajuda profissional — Procurar ajuda psicológica é uma maneira excelente de lidar com a dor, porque só assim a pessoa terá oportunidade de falar tudo o que sente e que a incomoda. Por conseguinte, o psicólogo poderá ouvir e aconselhar, respeitando a dor e direcionando o paciente da melhor forma.
  • 3. Não deixe a rotina de lado — Lidar com o luto pode ser complicado, por isso, continue a vida da melhor forma possível, ou seja, vivendo a rotina, mesmo que seja difícil se esforce. No entanto, conseguir continuar a fazer o seus afazeres poderá te ajudar a sair do limbo da angústia constante.
  • 4. Recorde com amor — Tenha sempre em mente boas lembranças, reviva somente as memórias boas e momentos felizes. Leve com carinho a pessoa amada lembre-se o pra que ela viveu, e não o por que morreu, esse é um ótimo exercício de fixação que te ajudará a aceitar a perda de forma mais leve.
  • 5. Faça atividades prazerosas — Reserve mais tempo para descansar, se cuidar e dar uma atenção maior para as coisas que gosta de fazer, momentos de lazer são importantes para aliviar a ansiedade e angústias trazidas pela morte. Atividades prazerosas aumentam o estímulo de hormônios responsáveis pela felicidade!

Como confortar alguém de luto


O luto é um período difícil não só para quem está vivenciando o processo. Logo, as pessoas ao redor também são fortemente impactadas pelos sentimentos de perda do outro, bastam ter um pouco de empatia.

Muitas vezes não sabemos o que dizer, como nos portar ou o que falar para alguém que perdeu algum amigo ou familiar próximo. No entanto, não existe palavra certa ou um remédio especial que vá tirar a dor do outro mas, algumas atitudes podem amenizar, mesmo que temporariamente, o sofrimento. Em contrapartida, para confortar alguém de luto:
  • Preste suas condolências;
  • Diga que está presente para o que acontecer;
  • Pergunte se deseja companhia ou se quer conversar sobre;
  • Dê um abraço bem forte;
  • Além das palavras, demonstre com atitudes dias depois. Faça uma visita, leve um café ou um presente para mostrar que você se importa.

A terapia do luto como auxílio emocional


Mesmo que seja possível, não precisamos lidar com tudo sozinhos. Visto isso, a terapia do luto é uma estratégia de tratamento psíquico utilizada para que o luto seja superado e o ciclo com a pessoa falecida seja encerrado.

Contudo, é importante que o profissional tenha conhecimento em tanatologia e em terapia de luto para que as intervenções terapêuticas cooperem de forma eficaz nas reações frente à vivência da morte.

O psicólogo especialista em terapia do luto permite que as pessoas se sintam amparadas, validadas por seus sentimentos e produz reflexão, elaboração e aceitação do luto.

Conclusão


Ao falar do luto, percebemos que não há muitas diferenças. Em meio a uma corrida constante pela felicidade e soluções milagrosas para o sofrimento, quase não resta espaço para vivenciar o luto. É comum que as pessoas queiram acelerar esse processo para dar fim à angústia e tudo voltar a ficar "bem". 

Porém, é importante compreender que esta vivência é tão imprevisível, quanto necessária. Não existe uma ordem específica para as etapas do luto, assim como não há certo ou errado. 
Cada pessoa experimenta a dor de forma diferente, podendo haver altos e baixos emocionais, momentos de avanço e outros de retrocesso, um processo que pode durar meses ou anos. Por isso, trata-se de uma jornada individual que exige tempo, paciência e apoio.

A importância do sentir


Aceitar os sentimentos desagradáveis resulta em mais benefícios à saúde mental do que evitá-los ou negá-los. Sentir e reconhecer o próprio estado emocional leva ao autoconhecimento e tende, ao longo do tempo, à aceitação e redução do sofrimento, enquanto que a negação perpetua o conflito entre o indivíduo e suas emoções.

No entanto, em uma sociedade imediatista e permeada pela positividade tóxica é comum solucionar e julgar qualquer situação ou comportamento. Neste contexto, ficamos mais angustiados com os momentos de pesar, já que não nos permitimos sentir.

Esquecemos que a solução está em prestar atenção nas nossas emoções, trazendo maior consciência ao momento presente e, dessa forma, ter a oportunidade de experienciar genuinamente os acontecimentos.
O luto é uma travessia por um percurso que precisa ir da dor da perda até a completa ressignificação da pessoa que fica. Em conclusão, compreender esse trajeto implica na necessidade de conhecer e descobrir-se e, com isso, atingir uma nova dimensão enquanto ser humano.
Em tempos de redes sociais, excesso de informações e mensagens instantâneas, precisamos aprender a parar, sentir e observar a nós mesmos, respeitando nossas necessidades, vontades e limites.

[Fonte: Telavita, original por Psicóloga Sonia Pittigliani - CRP 06/14188 (https://www.telavita.com.br/app/psicologia-online/sonia-maria-campos-pittigliani); Pepsic - Periódicos Eletrônicos em Psicologia, original por Andressa Katherine Santos Cavalcanti e Milena Lieto Samczuk — Discentes 5º ano de Formação em Psicologia, Universidade Metodista São Paulo, Tânia Elena Bonfim — Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto Psicologia USP e Docente supervisora do Curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo, ambos acessados em 13 de abril de 2024]

Ao Deus Todo-Poderoso e Perfeito Criador, toda glória.

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