terça-feira, 21 de setembro de 2021

FILMES QUE EU VI 66 — "MAD MAX — ALÉM DA CÚPULA DO TROVÃO"

Quando "Mad Max" (1979) estreou nos cinemas, o choque — positivo — foi grande. Diretamente importado da Austrália, nascia ali um herói legítimo, sedento de justiça, mas que sofria na carne os males desse desejo, algo bem diferente da tradição, digamos, daquele personagem intocável que até então era mais comum nas telas. 

O sucesso foi uma consequência natural, assim como a criação de sequências, "Mad Max 2: A Caçada Continua" (1981) e esse "Mad Max: Além da Cúpula do Trovão". Se no primeiro, o cenário que se descortinava era o da sociedade sem futuro caminhando para a destruição, o segundo já era apocalíptico, enquanto que o terceiro apresentava mensagens paralelas, como a luta pelo poder e um toque um tanto quanto messiânico. 

O terceiro Mad Max, produzido quando o protagonista da franquia Mel Gibson já começava a firmar sua carreira de ator, é um filme estranho. E não no sentido bom. Mas, vou deixar a acidez de minha opinião pessoal mais para o final.

A sinopse


Após ser expulso de onde vivia e deixado no deserto para morrer, o ex-policial Max (Gibson) está sozinho e sem seus suprimentos, que foram todos roubados. 

Com todas as formas de tecnologia que ainda funcionam sendo roubadas por barbários, Max precisa lutar para sobreviver e, agora, resgatar um grupo de crianças que encontrou em seu caminho.

Após ter seu veículo roubado, Max acaba conhecendo uma cidade dividida entre dois líderes, a Titia (Tina Turner, surpreendente!) que determina as leis locais, e Master Blaster, que controla a geração de energia para todos. Determinado a recuperar seus bens, ele aceita participar de uma luta sem regras na tal Cúpula do Trovão, espécie de gaiola onde "dois homens entram, um sai". 

Os problemas começam quando ele, mesmo vencedor, se recusa a matar seu oponente, quebrando as regras e fazendo com que seja lançado ao deserto para morrer. 

Para sua surpresa, ele acaba salvo por um grupo de crianças, que o consideram um enviado, capaz de guiá-los para a "terra prometida". Ciente de sua total falta de vocação, Max recusa o papel, mas o destino os coloca diante da temível Titia, dando início a uma nova cruzada pela vida.

Assim, as sequências poeirentas em estradas movimentadas por veículos fora de série continuam. A diferença são as piadas (até aqui) presentes, como revela o vilão Ironbar (que tem uma cabeça presa nas costas), alvo de vários momentos divertidos. 

Dotado do mesmo estilo de figurino e ambientação interessantes, na parte sonora, o australiano Brian May (não confunda com o guitarrista do Queen) da boa trilha dos primeiros filmes cede espaço para o veterano e multipremiado Maurice Jarre, que também compõe bons momentos. 

Entre as curiosidades, o uso do gás metano como fonte de energia alternativa, além do retorno do piloto voador (sem qualquer ligação com o filme anterior), que ainda faz lembrar o eterno Professor Aéreo do desenho animado Corrida Maluca. No elenco, a cantora Tina Turner não compromete em sua terceira vez como atriz.

A direção


Escrito por George Miller (diretor de toda a saga) e Terry Hayes, seu parceiro também no segundo, o roteiro de "Mad Max — Além da Cúpula do Trovão" parece investir mais no clima de aventura, carregando no humor (bandidos levam paneladas na cara) e suavizando a dose de violência, mais evidente nos títulos anteriores. Max ainda gosta de animais, agora tem um macaquinho (que some e aparece), mas já não tem mais aquele vigor do passado. 

Visualmente, a produção continua impactante, parece flertar com o clássico "O Planeta dos Macacos" (1968) ao mostrar um avião coberto pela duna, porém sua maior fraqueza foi essa divisão e fusão de núcleos, quebrando totalmente o ritmo e clima de tensão existentes no DNA da franquia. 

Afinal, os pequenos remetem ao mundo imaginário de "Peter Pan", e a Austrália de Max está anos luz distante de qualquer fantasia do escocês J. M. Barrie, paizão da Terra do Nunca.

George Miller tenta apresentar algo novo, diferente, no lugar de repetir a mesma fórmula dos filmes anteriores, mas o resultado final é, no mínimo cambaleante e isso para usar um eufemismo apenas. Não que um certo frescor na estrutura das aventuras de Max não fosse bem-vinda e aqui eu saúdo Miller e Terry Hayes pelo roteiro que tenta fugir do óbvio. Acontece que, ao justamente tentarem apresentar uma história diferente, um pouco da alma do personagem acaba ficando para trás.

O elenco


Alguns anos se passaram desde os eventos de "Mad Max 2". Não fica claro quanto tempo exatamente, mas é comumente aceito que são 15 anos. 

Com isso, temos um Max (Mel Gibson) marcadamente mais velho, mais sábio e ainda mais silencioso, efetivamente vestindo o manto do Homem Sem Nome, que marcou a carreira de Clint Eastwood (ele é inclusive chamado de Homem Sem Nome ao entrar na Cúpula do Trovão). 

A ação começa quando um avião faz um voo raso sobre o carro de Max, puxado por seis dromedários e todos os seus pertences são roubados pelo piloto Jedediah, vivido por Bruce Spence, o mesmo ator que fez o piloto do girocóptero no filme anterior. 

Eu poderia entrar na discussão eterna se o personagem de Spence é o mesmo que o anterior, mas ela é infrutífera, pois não influencia em nada a narrativa. 

O fato é que Max acaba chegando, a pé, a Bartertown, cidade que, como o nome indica, vive de trocas. Sem nada para oferecer, Max acaba sendo usado pela dirigente do local, Aunty Entity (Tina Turner com toda sua presença de palco) em um plano para tirar os poderes de Master (Angelo Rossitto), anão que comanda o submundo do local graças ao seu controle sobre a produção de metano a partir de fezes de porcos.

Toda a trama em Bartertown é muito interessante e funciona, com personagens memoráveis como o de Tina Turner e também Master que, junto com Blaster (Paul Larsson), gigante que o carrega nas costas, forma o poderoso MasterBlaster. É particularmente interessante como Miller troca as vastidões desérticas que vemos em Mad Max 2 por um vislumbre de civilização densamente povoado. 

O trabalho com extras e a coreografia das ações que vemos desenrolar ao longo desses 45 minutos iniciais espelham o balé automobilístico de Miller no filme anterior e a luta entre Max e Blaster na Cúpula de Trovão e uma das mais bem coreografadas lutas que já testemunhei na Sétima Arte. 

Nada de movimentos artificiais. Tudo parece estar acontecendo de verdade, criando tensão e nervosismo na medida certa, mesmo que qualquer espectador saiba que Max não morrerá.

A técnica


Mas esse fantásticos clímax acontece cedo demais e, em uma espécie de reviravolta, o filme muda a estrutura narrativa completamente após a luta, com Max exilado no deserto inclemente do outback australiano. 

George Miller traz, então, aquela aura messiânica para Max que ele já usara no filme anterior, mas que, agora, não tem o mesmo efeito. 

O encontro do protagonista com uma tribo de crianças vivendo em um oásis no meio do nada tem aspectos interessantes, mas a tentativa de misturar conceitos dos Garotos Perdidos de Peter Pan com um lado de sobrevivência do clássico "O Senhor das Moscas" acaba resultado em um segundo ato estranho e desconexo demais com toda a mitologia de Mad Max. 

Além disso, Miller emprega muito tempo na relação desse segundo grupo de personagens com Max e com a introdução de uma “lenda” que é forçada demais, conveniente demais.

Quando essas duas linhas narrativas finalmente se juntam, no terceiro ato, faltam apenas 20 minutos de filme e, então, Miller é obrigado a correr para evitar que seu filme se prolongue por tempo demais. O problema é que o que vemos é bem menos excitante do que a luta na Cúpula do Trovão e parece um final mal pensado.

Conclusão


Talvez o maior pecado tenha sido a "hollywoodização" de Mad Max. Enquanto os dois primeiros capítulos não poupavam o espectador da violência de um mundo pós-apocalíptico, esse atenua tudo. 

A violência passa a ser cartunesca e simplesmente não há mortes, com a exceção de duas, sendo que uma delas acidental. 

Não que as mortes sejam essenciais para a narrativa, mas Miller e seu co-diretor George Ogilvie simplesmente fazem malabarismos para mostrar que determinado acidente ou que aquela explosão não matou os envolvidos. A sobriedade do que vimos antes é substituída por um tom de pastelão que simplesmente não combina com a mitologia estabelecida.

No final das contas, "Mad Max — Além da Cúpula do Trovão", apesar de ser uma bela produção, com figurinos, set designs e fotografia dignos da franquia, além de introduzir novos e interessantes personagens, desaponta tremendamente. 

Não chega a ser uma obra intragável, mas provavelmente deixará 0 espectador perplexo com as escolhas feitas. Talvez a música tema, de Tina Turner — a belíssima "We Don't Need Another Hero" (AAAAAAMO!)  —, estivesse certa e nós não precisássemos mesmo mais de um herói.

Créditos

  • "Mad Max — Além da Cúpula do Trovão" (Mad Max Beyond Thunderdome, Austrália — 1985)
  • Direção: George Miller, George Ogilvie
  • Roteiro: Terry Hayes, George Miller
  • Elenco: Mel Gibson, Bruce Spence, Adam Cockburn, Tina Turner, Frank Thring, Angelo Rossitto, Paul Larsson, Angry Anderson, Robert Grubb, George Spartels, Edwin Hodgeman, Bob Hornery, Andrew Oh, Ollie Hall, Helen Buday, Mark Spain, Mark Kounnas, Rod Zuanic, Justine Clarke
  • Duração: 107 min.
[Fonte: Plano Crítico, original por Ritter Fan, 2015; Papo de Cinema, original por Roberto Cunha]

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