Lucas Terra — crédito: Arquivo pessoal / reprodução
Há 20 anos, no dia 21 de março de 2001, o adolescente Lucas Terra, então com 14 anos, era estuprado, queimado vivo e assassinado por pastores de uma Igreja Universal do Reino de Deus, no templo localizado na Avenida Vasco da Gama, em Salvador. Após duas décadas, o crime que assombrou o Brasil segue marcado pela impunidade.
A morte do jovem Lucas Vargas Terra, que foi brutalmente assassinado na capital baiana em 2001, completou 20 anos no último mês de março. De lá pra cá, apenas um entre os três suspeitos foram presos por suposto envolvimento em um dos crimes que "marcaram os últimos 40 anos na Bahia".
O jovem, que tinha 14 anos na época, teria sido vítima de agressões sexuais e foi queimado vivo. O acusado é o pastor Silvio Roberto Galiza, o único condenado até o momento. Além do mais, a Igreja Universal do Reino de Deus foi sentenciada a pagar dois milhões de reais aos familiares de Lucas.
A história do desaparecimento
Crédito: Arquivo pessoal / reprodução
Na noite de 21 de março de 2001, o menino ligou de um telefone público para seu pai, Carlos Terra, avisando que estava junto de Galiza e que dormiria na Igreja, localizada no bairro do Rio Vermelho, naquela noite, afinal, estava muito tarde para ele voltar sozinho para casa e, como tinha apenas dois meses que estavam morando na capital de Salvador, não era muito recomendado que ele andasse sozinho.
No dia seguinte, o garoto não voltou para casa e, durante as buscas, o pastor contou versões contraditórias sobre quando foi a última vez que viu o garoto. De acordo com o promotor que investigou o caso, Davi Gallo, as buscas foram "desfocadas" por informações falsas.
Entretanto, no dia seguinte,23, os restos mortais de uma criança foram achados dentro de um caixote queimado que havia sido abandonado em um terreno baldio. Como o garoto Lucas já estava sendo procurado, o pai, acompanhado de uma amigo, chegou a ir até o local onde o corpo havia sido encontrado. Sem ter coragem de ir ver os restos mortais, Carlos Terra pediu ao amigo que fosse ir fazer o reconhecimento, mas, ele disse que o corpo não era de Lucas. Assim, o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) e o resultado do exame de DNA só foi conhecido 43 dias depois.
Mechas do cabelo e partes da roupa que ficaram intactos permitiram apontar que o corpo seria o de Lucas Terra — o que foi confirmado depois por um laudo pericial da polícia. Além do mais, foi revelado que o garoto sofreu uma tentativa de asfixia, mas o grau de carbonização do jovem impediu que fosse constatado uma causa da morte e se Lucas sofreu ou não uma tentativa de abuso sexual. Esse ponto levou o promotor a crer que "certamente houve ato de violência sexual".
Além do mais, a perícia encontrou, no corpo, dentro da boca, vestígio de tecidos semelhantes aos encontrados nas cortinas usadas na Igreja Universal do Rio Vermelho, o que foi crucial para ligar o pastor e a Igreja ao crime. O assassinato aconteceu dias antes que o jovem e seu pai imigrariam para a Itália, onde sua mãe, Marion Terra, os esperava.
"Traído pela obediência"
Lucas Terra, aos seis anos de idade (esq) e aos 13, pouco antes de ser estuprado,
torturado e queimado vivo (dir) — Crédito: Arquivo pessoal / reprodução
Lucas Vargas Terra nasceu no dia 20 de outubro de 1986, natural da capital de Salvador (Bahia), mas morou a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro. De acordo com a mãe do garoto, Marion Terra, ele passou a nutrir um prazer especial em ajudar pessoas e cuidá-las. À medida que foi crescendo, Lucas demonstrou ainda mais que esse gosto era um traço totalmente inerente a ele e que não desapareceria de uma hora para outra.
"Mãe, serei médico para ajudar todas essas pessoas",
era o que Lucas dizia sempre que via mendigos nas marquises por onde passava com a sua mãe. A compaixão pelo próximo e o senso altruísta eram tão grandes que logo ele passou a visitar a comunidade da Santa Cruz (RJ), onde ficou conhecido como "Anjo de Santa Cruz".
Em adição a isso, havia o fato de que Lucas Terra era um jovem extremamente religioso. Nos locais carentes da cidade carioca, inclusive nos que apresentavam um alto índice de criminalidade, ele seguia fazendo pregações para os moradores e leituras diárias da Bíblia. A vontade de se tornar médico coexistia com a de querer crescer dentro da igreja e ocupar o cargo de pastor ou até mesmo bispo.
Lucas acabou se tornando um jovem devoto à igreja, que sonhava em ser obreiro, a Igreja Universal do templo de Santa Cruz, em Salvador. Na noite daquele 21 de março, o garoto estava prestes à, finalmente, conseguir esse cargo.
O pastor Sílvio Galiza, que era uma espécie de mentor de Lucas, chamou somente o garoto para ir de ônibus até a Universal da Pituba para receber a gravata de obreiro.
No julgamento, o pastor afirmou que, ao chegar no templo da Pituba, Lucas flagrou os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo em ato sexual no templo.
Por conta disso, Lucas foi levado à força para o outro templo da Universal, no Rio Vermelho, onde foi torturado e estuprado pelos religiosos. Após isso, foi colocado dentro de um caixote e queimado vivo em um terreno baldio na avenida Vasco da Gama. O corpo do garoto só foi encontrado dois dias depois.
Testemunhas da brutalidade
O ex-pastor Sílvio Galiza (esq) — à epoca, com 21 anos —, o bispo Joel Miranda e o pr. Fernando Aparecido (dir) — Crédito: Portal O Correio / reprodução |
Pessoas que conviviam com Lucas relataram que ele era um membro ativo dentro da igreja e que Galiza teria ficado obcecado pelo garoto. Em pouco tempo, o pastor teria mostrado uma atitude dominadora sobre o jovem.
O não tão antigo comportamento inadequado de Sílvio Galiza logo recomeçou. Segundo relatos de testemunhas muito próximas, o homem passou a demonstrar que não queria Lucas Terra mais perto de ninguém. Ele monopolizava a atenção do garoto e controlava os seus passos.
Quando questionado sobre o motivo de tanta preocupação, Galiza respondia que precisava ter Lucas por perto devido aos ensinamentos que estava transferindo para ele. Assim, seria necessário que o menino o acompanhasse mais do que a própria sombra.
Silvio também se incomodava quando via seu alvo interagindo com garotas, tendo, inclusive, proibindo-o de namorar e sempre que pudera, o convidava para dormir na igreja com outros garotos.
No início de fevereiro de 2001, Lucas Terra começou a se interessar romanticamente por uma garota que também atuava como obreira na igreja — era o primeiro amor dele. Assim que soube do envolvimento, Galiza proibiu-o de sequer se aproximar da menina, mas não era só isso. Ele não gostava que Lucas se aproximasse de nenhuma garota, deixando mais do que claro o sentimento de ciúme e posse.
Lobo em pele de cordeiro
Sílvio Galiza, durante o julgamento — Crédito: portal O Correio/reprodução
No final do mesmo mês, Lucas Terra, um garoto e Silvio Galiza ficaram até tarde da noite resolvendo alguns assuntos administrativos do templo. Sob a falsa preocupação de que poderia ser perigoso demais para os garotos voltarem para casa — e ainda que fosse —, o homem sugeriu que eles passassem a noite ali mesmo. Os pais foram informados e nenhum deles viu nenhum problema nisso, afinal era o local mais seguro a se considerar depois da casa deles.
Enquanto o garoto foi deixado para dormir no banco da igreja com apenas um travesseiro, Galiza convidou Lucas para dormir em seu quarto e na sua cama. Não se sabe se o garoto foi molestado naquela noite, mas só a situação já foi o suficiente para causar uma comoção entre os membros da congregação e o encaminhamento do acontecido até os superiores. Para evitar mais burburinho e encerrar o assunto, as autoridades religiosas decidiram mais uma vez transferir Sílvio Galiza e poupar uma "repercussão desnecessária", que poderia manchar a imagem do templo. O pai de Lucas nunca ficou sabendo do ocorrido.
Após seus superiores descobrirem que Galiza dormiu com Lucas na mesma cama, enquanto os demais meninos estavam em um cômodo separado, o pastor foi transferido para outra instituição, mas isso não o impediu de continuar visitando a Universal que o garoto frequentava. Silvio já havia sido expulso de outra comunidade sob a acusação de "conduta inadequada" e tinha ganhado o apelido de "O Secretário do Diabo".
As pessoas que toparam testemunhar contra o pastor, começaram a ser perseguidas por outros membros da Igreja. A namorada do garoto Lucas relatou que foi perseguida, expulsa e humilhada da Universal.
Os jornalistas do jornal A Tarde, que cobriam o caso, também foram perseguidos a mando do bispo João Leite, que impediu que a equipe de reportagem entrevistasse membros da Igreja. O pai de Lucas também foi perseguido e solicitou ajuda ao Ministério Público (MP) para ter sua integridade garantida.
Protestos e condenação
Carlos Terra, o pai do menino Lucas, protestando em frente ao MP — Crédito: Arquivo pessoal / reprodução |
O inquérito contra Galiza só foi concluído em outubro de 2001, quando o pastor passou a ser acusado pela morte do jovem. Entretanto, ele não teve sua prisão decretada, o que só aconteceu após Carlos Terra acampar na porta do MP de Salvador.
Os pais de Lucas passaram a recorrer a ongs de defesa dos Direitos Humanos e também ao Ministério da Justiça. Carlos, inclusive, conseguiu entregar uma carta ao escritório da ONU, na Suíça, questionando a demora no julgamento e indagando de onde viriam recursos financeiros para os advogados mais caros do Brasil defender Galiza — sendo que ele morava em uma comunidade carente.
Essa pressão culminou com a marcação do primeiro julgamento do pastor. Assim, no dia 9 de junho de 2004, Silvio Roberto Galiza foi condenado a 23 anos e 5 meses de prisão — a pena foi reduzida para 18 anos, e depois para 15, após a entrada de um recurso por parte da defesa.
Com cinco testemunhas contra o pastor, o júri considerou o crime triplamente qualificado e ainda aceitou a tese de que o réu cometeu abuso sexual, matou e ateou fogo contra o corpo da vítima.
Crédito: Arquivo Rede Globo / Reprodução
Em entrevista ao programa Linha Direta, exibido pela Rede Globo em 2006, o pastor alegou inocência e acusou outros três membros da Igreja de envolvimento no caso: o bispo Fernando Aparecido da Silva, o pastor Joel Miranda Macedo e o segurança dos dois, Luis Cláudio.
Conclusão
Marion Terra — Crédito: Portal A Tarde/Uol / reprodução
Apenas um dos três pastores suspeitos no homicídio, Sílvio Galiza, foi condenado. Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza, os outros dois, seguem à espera de serem julgados em juri popular, atrasado pela pandemia. Em 2019, uma reportagem do portal O Correio mostrou que os dois seguem atuando na Igreja Universal.
Por conta da demora do julgamento, o crime agora corre o risco de prescrever. Ao saber da possibilidade, a mãe de Lucas, Marion Terra, fez um apelo ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Já Galiza, o único condenado, atualmente está solto. Ele foi condenado inicialmente a 23 anos e cinco meses de prisão, mas após recurso dos advogados, a pena caiu para 18 anos e, posteriormente, 15 anos. O pastor foi acusado por homicídio qualificado com motivo torpe e ocultação de cadáver. Ele cumpriu sete anos e segue atualmente em liberdade condicional.
O pai do garoto, Carlos Terra, se formou em direito para acompanhar o caso do filho. Ele e a esposa escreveram o livro "Traído pela obediência",
contando detalhes sobre o caso, cuja primeira edição foi custeada por eles próprios. Carlos Terra morreu em 2019 após sofrer uma parada respiratória decorrente de uma cirrose hepática, sem ver o tão esperado desfecho do caso. Ele foi enterrado ao mesmo lado do filho. Já a mãe continua lutando pela justiça por Lucas. Recentemente ela deu entrevista a Antônia Fontenelle, em seu canal no YouTube (veja ➫ aqui). Este é um caso de impunidade que nos indigna e nos deixa, além de um enorme nó na garganta, com o estômago dando mais voltas que uma montanha russa.
[Fonte: Aventuras na História; Correio 24 Horas; Mega Curioso]
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.
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