sábado, 3 de outubro de 2020

CASO MAGALU: O PRETO NO BRANCO

O programa de Treinee da rede varejista Magazine Luiza está dando o que falar nas redes sociais. Acusada de racismo e de promover apartait racial no Brasil. Assim que o programa foi divulgado pela imprensa, formou-se a polêmica: de um lado, usuários elogiaram a iniciativa, que viram como uma forma de corrigir a desigualdade racial no mercado de trabalho brasileiro, em que negros (pretos e pardos) ocupam somente 30% dos postos de chefia, apesar de serem mais da metade da população, segundo dados do IBGE. Do outro, houve os que consideraram a ação crime de "racismo" — alguns chegaram inclusive a recorrer ao termo "racismo reverso" para criticar a empreitada da empresa.

Algo mais que meros extremos


"A justiça tem o papel, dentro de uma proposta de liberdade e respeito, ser um meio e fim para ir a direção da restauração e reconciliação entre pessoas, entre comunidades e, enfim, entre os vários espaços da vida social".
"Se não encararmos a verdade por formar mecanismos de autêntica redução das desigualdades sociais, como esses desiguais conseguirão acreditar, em nossos discursos de leis, de valores, de crenças e de princípios?"
A decisão da Magazine Luiza para promover a inserção de pessoas da raça negra, em seu trabalho de trainer, como não poderia ser diferente, apresenta toda uma séria de posições, tanto pro quanto contra. De certo, se adentrarmos na dimensão dos princípios constitucionais — de que todos são iguais, perante a lei, de não haver nenhuma forma de discriminação, conforme o artigo 5 da Constituição Federal, em seu caput, declara.

Por enquanto, evitarei de expor se essas medidas arruínam, expressamente, todas as garantias estabelecidas, por nossa Constituição, no tocante a direcionar as leis para proteger e preservar a todos igualmente ou de que todos sejam tratados, sem qualquer discriminação ou desigualdade. 

Faz-se necessário abordar a questão moral, de ser válido, de ser legítimo e aceitável a adoção de critérios de raça, de cor, de etnia, como elementos para inserção no mercado de trabalho, nos espaços acadêmicos, nos espaços destinados a cargos públicos e eletivos? 

Ora, se partirmos do preceito de ser uma maneira de corrigir as injustiças praticadas, por exemplo, no período da escravidão, em face dos povos da raça negra, aqui, no Brasil, como uma forma de compensar todo o processo histórico sedimentado de discriminação, de preconceito, de racismo, de segregação, a qual colocou os descendentes de negros numa condição de inferioridade, de desvantagem, passa por ser uma argumentação, em parte, fraca, até por qual motivo a geração de hoje seria responsável por intervir nas escolhas das gerações anteriores?

Corrigindo ou perpetuando os erros?


Acredito, piamente, ser imprescindível deixarmos de lado a tese da minoria, da discriminação, da desvantagem, da segregação, de perceber a aplicação de certas medidas, não como uma compensação ou correção. Em linha oposta, visa atender a uma palavra muito utilizada pelo póstumo Professor Silas Gonçalves — catedrático em Direito da faculdade Mackenzie, morto em 2006 —, em sua definição sobre o Direito (O Direito é uma Ciência Cultural, é uma disciplina imperativo, heterônoma, bilateral e que tende a realização da justiça e do bem comum).

A busca por esse bem comum, para alguns, não trará efeitos consistentes na diminuição dos atos de discriminação e preconceitos, de desigualdades e injustiças, mas desencadeará reações animosas de grupos não alcançados, por meio de tais políticas, de tais medidas e escolhas, como a da Magazine Luiza.

Então, os critérios de avaliação, a partir da raça, da cor, da situação social, étnica não se configura numa concreta injustiça? A questão se circunscreve na missão, na finalidade, no propósito, no objetivo assumido e adotado pelas instituições sociais (seja uma universidade, uma empresa, um colégio e outros campos, por onde as narrativas humanas se fazem). Presumidamente, a missão se constiuí na base do reconhecimento e não o oposto.

Atentemos, a postura firmada pela Magazine Luiza não objetiva trilhar por uma missão, a qual não permita está e não aquela, por uma questão de inferiorização, entretanto, voltado a proporcionar a efetiva e contundente diversidade social. Ainda carregamos a crença de que o mérito, o sucesso, o progresso, as conquistas, as realizações são frutos de quem os fez por merecer, como uma consequência de sua própria virtude e temos observado não ser bem assim, porque, em muitos aspectos, decorre da sorte e não, necessariamente, da virtude, do mérito, da excelência.

Além do mais, essa fé, em si mesmo, cria um descompasso em compreender a importância da solidariedade social, sem conceber ou ser responsável em relação aqueles que não obtém tais avanços ou ficam para trás. Afinal de contas, no caso em tela, qual seria a finalidade da Magazine Luiza?

Talvez, muitos podem afirmar e reafirmar que não passa de uma estratégia de marketing ou de elevar suas ações, no mercado financeiro — o que de fato aconteceu, de acordo com matéria publicada na revista IstoÉ Dinheiro (Edição 1191 — 02.10) —, ou de se apresentar como um segmento afeito a atentar a diversidade que compõe a sociedade? 

É bem verdade, somos impelidos a eleger uma das pontuações feitas, como dito acima, e, mesmo com tais enfoques, ainda, assim, permaneço com a promoção do acesso de todos, diante de uma diversidade que traça as cores, as peculiaridades e as particularidades de nossa sociedade.

Conclusão


A complexidade das representações acerca da população negra é construída por uma rede de significações que nada mais são além de armas inventadas com intuito de preservar hierarquias sociais e o racismo estrutural vigente.  Podemos dizer que atualmente houve uma ampliação considerável com relação ao debate acerca das diferenças e combate ao racismo na sociedade brasileira.

Acredito na possibilidade de mudança desta realidade opressiva a que estão submetidos os afro-brasileiros, no entanto a mudança jamais virá sem apoio aberto de toda comunidade jurídica brasileira e todos os operadores do direito.

Somente com o apoio da sociedade, a comunidade negra poderá enfim prestigiar e usufruir sem quaisquer malefício ou risco do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a sua dignidade humana, bem como através de companhas institucionais apoiadas pelo Governo Federal.

Assim como há campanhas contra a violência doméstica com cartazes em ônibus, metros, avenidas, estabelecimentos, o mesmo deve ser adotado no Combate ao Racismo. Ademais, é fundamental o uso por toda a classe, na interpretação e aplicação das leis de uma vertente relacionada à isonomia material, em face da previsão do art. 5º, que prevê o princípio da igualdade.

Somente através de uma busca de ideal de igualdade entre os homens, sem efetiva distinção de qualquer natureza, será possível extirpar o racismo do mundo e no Brasil. Para tanto, todas as leis, regras, normas e princípios jurídicos, quando criados ou interpretados ou aplicados, sempre o deverão o ser sob a vertente da concepção de isonomia material, que decorre da visão aristotélica.

No demais, toda a discussão gerada pelo programa da Magazine Luiza, só nos revela que o assunto em pauta está, talvez, a mais alguns séculos para ser debatido.
  • A empresária Luiza Helena Trajano — presidente do Conselho de Administração da Magalu —, será a entrevistada do programa Roda Viva, que será exibido pela TV Cultura, amanhã (05/10/2020).
[Fonte: Ultimato, porRobson Santos Sarmento]

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