A voz de Milton Nascimento, uma das mais singulares e emocionantes da face da terra, é tão carregada de sentidos que poderia até prescindir de palavras: sozinha, já diz tanto...
Mas Milton, além de cantor, é um grande compositor de canções, arte em que palavras e sons devem dizer o mesmo, traduzindo-se. O mineiro Fernando Brant (☆1946/✟2015) foi o homem que, dizendo-se, traduziu Milton. Juntos, eles formam uma das mais fecundas parcerias em quase 40 anos de MPB.
As canções da dupla partem de uma melodia do músico, sobre a qual Brant colocou sua letra. Os casos, raros, em que o inverso acontece — dá para deduzir — são as canções de versos metrificados, em geral redondilhas maiores.
Milton costumava mandar sua música sem sugerir um tema poético para ela; cabendo a Brant descobrir o que ela queria dizer e o que ele queria dizer com ela. Para ele, o significado de escrever letra é esse: dar uma interpretação à música dos parceiros (além de Milton, há Lô Borges, Beto Guedes, Tavinho Moura, Toninho Horta, todos, mineiríssimos) e fazer disso um meio de comunicação com o mundo.
Voltados para a comunicação, seus versos querem participar da vida do povo, voltar-se contra as injustiças e se solidarizar com as suas vítimas. Essas boas intenções poderiam resultar em más canções, não fosse o nível de qualidade do ajuste entre as palavras e as músicas correspondentes (e que músicas!).
O sentimento de solidariedade é chave nas letras de Brant ("O solidário não quer solidão", diz, em 'Bola de Meia, Bola de Gude'), colaborando para constituir a sua dimensão humanista no quadro da nossa poesia cantada. Nelas, faz-se sentir o influxo drummondiano, sobretudo de "A Rosa do Povo".
Os versos são cortados pela realidade social. Uma interseção entre lirismo e engajamento, com o eu se assimilando ao mundo, que é sentido, se observa mesmo nos temas do amor, da mulher, do filho, do amigo (este, aliás, bastante caro aos autores da paradigmática "Canção da América", a música sobre a qual irei falar mais abaixo).
Mas Milton, além de cantor, é um grande compositor de canções, arte em que palavras e sons devem dizer o mesmo, traduzindo-se. O mineiro Fernando Brant (☆1946/✟2015) foi o homem que, dizendo-se, traduziu Milton. Juntos, eles formam uma das mais fecundas parcerias em quase 40 anos de MPB.
As canções da dupla partem de uma melodia do músico, sobre a qual Brant colocou sua letra. Os casos, raros, em que o inverso acontece — dá para deduzir — são as canções de versos metrificados, em geral redondilhas maiores.
Simbiose artística e criativa
Milton costumava mandar sua música sem sugerir um tema poético para ela; cabendo a Brant descobrir o que ela queria dizer e o que ele queria dizer com ela. Para ele, o significado de escrever letra é esse: dar uma interpretação à música dos parceiros (além de Milton, há Lô Borges, Beto Guedes, Tavinho Moura, Toninho Horta, todos, mineiríssimos) e fazer disso um meio de comunicação com o mundo.
Voltados para a comunicação, seus versos querem participar da vida do povo, voltar-se contra as injustiças e se solidarizar com as suas vítimas. Essas boas intenções poderiam resultar em más canções, não fosse o nível de qualidade do ajuste entre as palavras e as músicas correspondentes (e que músicas!).
O sentimento de solidariedade é chave nas letras de Brant ("O solidário não quer solidão", diz, em 'Bola de Meia, Bola de Gude'), colaborando para constituir a sua dimensão humanista no quadro da nossa poesia cantada. Nelas, faz-se sentir o influxo drummondiano, sobretudo de "A Rosa do Povo".
Os versos são cortados pela realidade social. Uma interseção entre lirismo e engajamento, com o eu se assimilando ao mundo, que é sentido, se observa mesmo nos temas do amor, da mulher, do filho, do amigo (este, aliás, bastante caro aos autores da paradigmática "Canção da América", a música sobre a qual irei falar mais abaixo).
'Canção da América (Unencounter)'
A história
"Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam 'não'
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar
Seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar"
Muitos acham que a música 'Canção da América', é em homenagem a John Lennon (☆1940/✟1980). Mas não é. Foi feita em 1979, e John Lennon morreu em dezembro de 1980.
A verdadeira história é esta:
Em 1979, numa chuvosa temporada em Los Angeles, Milton Nascimento gravaria o elepê "Journey To Dawn", dirigido ao público americano. Na ocasião, permanecendo na cidade com o parceiro Fernando Brant durante 45 dias, o compositor tentou em vão entrar em contato com um baterista inglês, que lhe havia mostrado, tempos antes, uma composição cuja letra falava de músicos que partilhavam amizades, quase sempre interrompidas no momento em que terminavam suas gravações ou temporadas.
Frustrado ao constatar que o tal baterista não se encontrava mais em Los Angeles, Milton fez então com Brant uma nova canção, em inglês, abordando o assunto, ou seja, o desencontro de amigos, e deu-lhe como título uma palavra inventada pelos dois: 'Unencounter'. Quando chegou a vez de gravá-la, perguntou aos americanos se entendiam o seu significado e, diante da resposta afirmativa, manteve o título, sendo a música incluída no citado disco.
Meses depois, no Brasil, o grupo mineiro 14 Bis (Flávio e Cláudio Venturini, Vermelho, Sérgio Magrão e Reli Rodrigues) desejou gravar a composição, tendo Fernando Brant feito uma letra em português, na qual o sentido da ideia original era estendido à amizade:
Renasceu assim a música em português, com um novo título, 'Canção da América', que Milton Nascimento gravou no álbum "Sentinela", em 1980, coadjuvado pelo quarteto Boca Livre. Com o tempo, a canção acabaria sendo cantada em cerimônias — como por ocasião da morte de Ayrton Senna (☆1960/✟1994) — ganhando caráter de hino à fraternidade.
- Uma curiosidade: ao cantar 'Canção da América' no show e no disco "Saudade do Brasil", Elis Regina (☆1945/✟1982) trocou o verso "assim falava a canção" por "a se falar na canção".
Conclusão
Inaugurada em 67 (o ano do meu nascimento) com a existencial e maravilhosa 'Travessia' (escrevi sobre ela ➫ aqui), a obra de Milton e Brant cresceu durante o período sombrio do regime militar. A densidade da experiência política faz então Brant se abrir para o coletivo, e isso veio marcar seu trabalho até seu falecimento, em 2015.
Ele se foi, mas sua obra em parceria, sintonia, conexão e sinergia perfeitas com o Bituca, segue manifestando sua esperança e sua utopia social solidária. 'Canção da América' é um dos registros marcantes nesse legado atemporal, por isso ela está aqui neste capítulo da série especial de artigos Canções Eternas Canções e por isso também ela ira levar o meu tradicional carimbo de
[Fonte: A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (☆1933/✟2020) – Editora 34]
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.
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