Para quem não conhece, a banda Fruto Sagrado, que se formou na Igreja Presbiteriana de Niterói (RJ), está na estrada desde 1988 — ou seja, lá se vão mais de 3 décadas — e foi também uma das bandas que deu início à chamada "reforma musical da igreja" no Brasil, também conhecida como Movimento da Música Gospel juntamente com Oficina G3 e Katsbarnea. A banda — que hoje é trio, formado por Silas Jr. (bateria), Bene Maldonado (guitarra, baixo e produção) e Vanjor (vocal e guitarra) — ainda segue firme na atividade musical, mas já teve sua fase áurea.
O nome "Fruto Sagrado" foi inspirado pelo texto de João 15:16 que diz
"Não fostes vós que escolhestes a mim. Pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades e dê frutos, e o vosso fruto permaneça".
A formação clássica da banda contou com Marcão (vocal), Bênlio (teclado), Bene (guitarra) e Sylas Jr. (bateria). Na fase em que teve contrato com a gravadora MK Publicitá (atual MK Music), de 2001 a 2005, também contou com a participação de Francisco Falcon no contra-baixo, tendo ele, inclusive, participado até dos vídeos clipes que foram lançados pela gravadora de Marina de Oliveira. E é justamente de um desses lançamentos da fase MK, o disco sobre o qual falarei aqui no quinquagésimo nono capítulo da série especial Discos Que Eu Ouvi.
"O Que na Verdade Somos"
"O Que na Verdade Somos" é o sexto trabalho desta que pode ser chamada sem exagero a melhor banda de hard rock nacional!
Este trabalho, considerado pelos fãs o melhor na discografia da banda — bom, na minha opinião, dadas as devidas peculiaridades, ele empata com "O Segredo" (escrevi sobre este disco aqui), de 2001 — é marcado por ótimas músicas, super bem arranjadas, que se aproximam muitas vezes do rapcore e newmetal, mas sempre mantendo o som característico do Fruto Sagrado.
Diferente de outros companheiros seus da mesma época, que descambaram de vez para o pop/rock comercial — como foi o caso do Oficina G3, mais especificamente nos álbuns "O Tempo" (2000) e "Humanos" (2002), ambos pela MK Music, por exemplo —, o Fruto Sagrado vem sempre procurando evoluir e agregar novos valores ao seu som, sempre mantendo o peso característico.
Ouvir este CD foi [e continua sendo] muito interessante para mim, pois ele faz referências sobre alguns textos do Antigo Testamento que muitas vezes não lemos por nos causar desconforto e não "se encaixar" na mensagem que Jesus Cristo nos trouxe, mas que em sua essência e também no que tange aos princípios, são tão importantes e contextuais quanto os textos do Novo Testamento, trazendo lições muito profundas para as nossas vidas como cristãos hoje.
Mas... por que eu estou falando disso? O fato é que "O Que Na Verdade Somos" está em muito baseado em diversos textos do antigo testamento, o que me fez pensar no quanto este trabalho esta voltado para o cristão e o seu caráter nos dias atuais [exatamente o principal assunto do antigo testamento: a conduta do judeu enquanto "Povo de Deus"].
Como a própria banda declarou, este álbum é um repeteco da frase "O que a gente faz fala muito mais do que só falar", que foi título de outro disco e música da banda, de 1995 (Gospel Records). Embora apresente algumas músicas de cunho evangelístico, o principal foco deste CD está sobre o próprio cristão, sua vida, seu caráter e sua conduta, ou seja, aquilo que ele faz.
A diferença está no desfecho... a apresentação de Cristo como a única solução pra este mundo e a ênfase de Jesus como nosso único líder, a quem devemos seguir fielmente!
Um álbum pesado e marcante
As faixas em destaque
A primeira faixa é 'Desesperado', um hard pauleira que fala sobre o diabo e a sua já declarada derrota! Logo depois vem a confrontadora 'A Sanguessuga' que na minha opinião é uma das melhores faixas do disco. Baseada no texto de Provérbios 30:15 que diz
"A sanguessuga tem duas filhas, a saber: Dá, Dá..."
exatamente o refrão desta música cheia de energia!
'Não Quero Mais Acordar Assim',
que ganhou clipe, marca a primeira balada do álbum. Com uma linda melodia trata do sofrimento do cristão fazendo uma citação à vida de Jó.
Logo depois desta temos a maravilhosa 'De Deus Não Se Zomba' (que ganhou esse interessante clipe não oficial, disponível na plataforma de vídeos YouTube),
com uma ótima linha melódica e arranjos arrasadores, fazendo jus a uma letra perturbadora.
A música tema do cd 'O Que Na Verdade Somos', que também ganhou clipe oficial, é como um soco na cara dos cristãos.
A balada parece querer trazer certo equilíbrio ao peso da mensagem desta música que fala diretamente ao comportamento (muitas vezes ineficiente) dos cristãos atuais neste mundo.
No geral, o CD é recheado de críticas à sociedade e à Igreja institucionalizada encarando muitas vezes a função dos profetas do antigo testamento e de grandes apóstolos como Paulo, reforçando as verdades por eles proclamadas.
A nona faixa do cd é uma versão da música 'Involução' gravada pela banda em 1993 no cd "Na Contra Mão do Sistema" (Gospel Records). Ouça a versão de "O Q N V S", 'Involução 2003', que ganhou novo arranjo e mais peso.
Não posso deixar de destacar a penúltima faixa chamada 'O Sangue de Abel'. Uma balada simplesmente linda que canta uma oração pedindo perdão por tudo de ruim que a humanidade tem feito, desde o derramamento do sangue de Abel.
Ainda destaco a lindíssima balada "romântica"(?), 'Diferente dos Anjos', que tem uma letra maravilhosa. Foi um dos singles do disco e tocou à exaustão nas rádios FM do segmento gospel.
A última faixa eu considero algo que poderia ser simplesmente dispensado. Sabe aquele tipo de faixa que você se pergunta o porque de estar no disco? É um bizarro heavy mix da música 'A Sanguessuga' feito pelo DJ Amaury Fontenele. Não se trata de um remix simples da musica, mas sim uma releitura da música original onde são adicionadas duas novas estrofes interpretadas pelo próprio Amaury. Sinceramente, em oposição à faixa original, essa é, sem dúvida, a pior do disco (mais, como gosto não se discute, há quem goste da "pérola").
O disco pelo disco
A dobradinha de abertura 'Desesperado'/'A Sanguessuga' impressiona pelos riffs pesadíssimos e pelo vocal alucinado, agressivo e sarcástico de Marcão, que realmente transmite o que a música pede. Há que se destacar também as letras sempre inteligentes e diretas que a banda faz, como esse trecho de 'A Sanguessuga':
"Assim é a natureza humana, quanto mais tem, mais quer, sempre insatisfeita, faminta, insaciável, quer por que quer, por que quer, um vazio incomoda a alma, nada satisfaz, a sanguessuga sempre quer mais poder, dinheiro, sexo e até rock n roll".
O álbum segue sem causar efeitos colaterais, com boa fluência entre as músicas, sem exagerar nas baladas, desde a radiofônica 'Não Quero Mais Acordar Assim', até a belíssima faixa título, todo o instrumental está bem trabalhado e consciente, com destaque para a bateria de Sylas Jr., mostrando uma criatividade impressionante. O mesmo pode-se dizer das guitarras, tudo isso ajudado por uma produção cuidadosa e detalhista, bem acertada.
Outros destaques são para 'De Deus Não Se Zomba' (a mais longa, com muitas variações e efeitos bem colocados), a irônica 'Uma Noite de Paz' (tratando magistralmente sobre o Natal) e o interessante uso de percussão nas faixas Involução 2003 e O Sonho do Profeta.
Uma forte característica deste disco do Fruto Sagrado é a utilização de recursos eletrônicos, felizmente, com muita inteligência. Conseguiram colocá-los de forma que não soasse exagerado, maçante e desnecessário demais. Tudo isso é válido até mesmo na última faixa. Como eu já disse acima, afundaram a música no eletrônico de vez, e aqui sim erraram feio. Uma faixa sem nenhum propósito de existir, desnecessária e ultrajante.
Conclusão
Bom, por fim, com este álbum, parece que mais uma vez quem consegue inovar com sabedoria, ao invés de serem as novas bandas, são as que estão na ativa há mais tempo, resultado da experiência adquirida, das virtudes e da segurança para mudar que vem com ela. Parabéns ao Fruto Sagrado, que não se deixou enganar pelas modinhas passageiras, acertou a mão, e produziu um álbum de muito bom gosto.
Depois de tudo isso, acho que não me resta dizer mais nada! Simplesmente um ótimo CD, com ótimas músicas e letras de fato excelentes! Certamente este CD não pode faltar na sua coleção e, claro vai receber o meu carimbo de
Formação neste álbum:
- Marcão (vocal)
- Bene Maldonado (guitarra e violão)
- Francisco Falcon (baixista convidado)
- Bênlio Bussinger (teclado e vocal)
- Sylas Jr. (bateria e percussão)
Faixas:
- Desesperado
- A Sanguessuga
- Não Quero Mais Acordar Assim
- De Deus Não Se Zomba
- Vício
- O Que Na Verdade Somos
- Uma Noite de Paz
- Ser Tão Sertão
- Involução 2003
- O Sonho do Profeta
- Ninguém me Encontrará Entre os Fracos
- Diferente dos Anjos
- O Sangue de Abel
- A Sanguessuga (heavymix)
Tempo Total: 63:00 min.
A Deus toda glória.
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