domingo, 15 de março de 2020

CANÇÕES ETERNAS CANÇÕES – "DESORDEM", TITÃS

A década de 1980 é considerada por muitos como sendo "a década perdida". Bom, não entrando no mérito ou no demérito de tal afirmação, o que tenho a dizer é que para mim, os anos 80 foram os mais importantes. 
  • 80's e eu – Foram nos anos 80 que eu fiz a conturbada transição da infância para a adolescência e a desafiante passagem da adolescência para a fase adulta. Era , enfim, chegada a hora de assumir as responsabilidades e as consequências de todas as minhas atitudes. Foi na década de 80 que tive o meu primeiro trabalho com carteira assinada. Foi na década de 80 que tive minha primeira experiência amorosa – que, mesmo não tendo sido uma boa, não deixou de ser uma experiência marcante.
  • 80's e a cultura – A década de 1980, embora chamada de "década perdida" pelos economistas brasileiros por causa da estagnação econômica e da inflação descontrolada, não foi, de forma alguma, um período de retrocesso em outros campos. Pode não ter tido o charme dos anos 1960, com a bossa nova, que fez a cabeça do Primeiro Mundo. Ou a intensidade dos anos 1970, com a música e o teatro de protesto e com a irreverente Tropicália. 
  • 80's e a música – Mas, musicalmente, é a década da consolidação do rock nacional, de grupos como Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Blitz, Titãs, Legião Urbana, Engenheiros do Havaii, Capital Inicial. É também a década de Madonna, Michael Jackson, Cindy Lauper, Xuxa, segundo o livro Almanaque dos anos 80, de Luiz André Alzer e Mariana Claudino. 
  • 80's e o comportamento – Na TV faziam sucesso as novelas "Vale Tudo" e "Que Rei Sou Eu?", o seriado "Chaves" – ainda com muitos episódios inéditos –, o humorístico "TV Pirata" e o infantil "Balão Mágico". As crianças e os adolescentes brincavam com o Atari e o Genius. Para os mais descolados, foi também a década dos patins e do walkman. 
  • 80's e a política – Também foram nos anos 80 que ouve um verdadeiro turbilhão no cenário político, com a campanha das Diretas Já, que trouxe de volta a democracia e colocou fim ao ainda controverso período da Ditadura Militar. Alegria, alegria, as lágrimas de muitas "Marias" e "Clarisses", foram, enfim, enxugadas e o irmão do Henfil pode voltar às terras onde cantam os sabiás. Chegava o momento de provar que quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Mas, este preâmbulo é para falar de uma das muitas músicas de protestos que marcaram os anos 80 e que são como se tivesse sido escrita hoje, de tão contextual que é.

'Desordem'

(Sérgio Britto / Marcelo Fromer [✩1961–✞2001] / Charles Gavin)

Os presos fogem do presídio,
Imagens na televisão
Mais uma briga de torcidas,
Acaba tudo em confusão
A multidão enfurecida,
Queimou os carros da polícia
Os presos fogem do controle
Mas que loucura esta nação
Não é tentar o suicídio
Querer andar na contramão?

Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?

Não sei se existe mais justiça,
Nem quando é pelas próprias mãos
População enlouquecida
Começa então o linchamento
Não sei se tudo vai arder
Como algo líquido inflamável
O que mais pode acontecer
Num país pobre e miserável
E ainda pode se encontrar
Quem acredite no futuro

Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?

É seu dever manter a ordem,
É seu dever de cidadão,
Mas o que é criar desordem,
Quem é que diz o que é ou não?
São sempre os mesmos governantes,
Os mesmos que lucraram antes
Os sindicatos fazem greve
Porque ninguém é consultado
Pois tudo tem que virar óleo
Pra por na máquina do estado

Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?

O álbum "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas", é do ano de 1987,  e reflete o momento vivido nessa plaga logo após o período de redemocratização, quando as instituições ainda não apresentavam solidez, com efeitos sentidos no cotidiano nacional. Passados mais de 30 anos, a impressão que se tem é de que, em termos estruturais, pouca coisa mudou.

Análise contextual da letra


A letra de 'Desordem' suscita um número grande de ataques segundo as formas e manifestações das ações descritas em seu conteúdo.

Mesmo levando-se em conta os diversos conceitos de moral (conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes e valores que norteiam as condutas do indivíduo no seu grupo social) a atual sociedade brasileira se baseia em um padrão firmado por um consenso sócio-cultural que regula  – a ideologia não por força de lei mas por costumes em benefício do indivíduo e da coletividade, a ética (Ciência que estuda a moral e se as ações/manifestações do indivíduo e a sociedade são corretas/boas).

A população ao nosso ver e baseando-se nos estudos até então tomados, fere não só a moral e a ética, agindo de forma tão hostil, mediante certas ações a elas postas através das reações do Poder. Acreditamos que todos os homens devem cumprir suas penas determinadas, preservar a paz e o bem público.

Tenho um vago entendimento sobre moral e ética, porém tentarei com poucas palavras apontar onde há falta de ética e moral, nas reações provindas da população, mediante decisões do governo tendo como base a letra da música 'Desordem'. Ética esta que repudia, ou seja, trata como anti-ética atitudes descritas na letra e aqui exemplificados:
"...Mais uma briga de torcidas...","...Queimou carros da polícia...","...Começa então o linchamento...",

"...São sempre os mesmos governantes. Os mesmos que lucraram antes..." 
 governantes estes que não correspondem aos anseios do povo ao depositarem sua esperanças através do voto, afrontando a ética, socialmente repudiada para as atitudes dos "governantes".
"...Porque ninguém é consultado..."   (sindicato e greve)
Ao invés de priorizarem os interesses da classe, dos trabalhadores, usam o poder para seus próprios interesses, minoritários.
"...Num país pobre e miserável..." 
Igualdade e equidade, tratando dos iguais como iguais e os desiguais como desiguais.

A letra sob o contexto social e político


É sabido que ao Poder Legislativo cabe o dever e obrigação de criar as leis que irão nortear e pacificar o entendimento sobre a conduta, os direitos e os deveres dos cidadãos inseridos sobre sua guarda. E que por filosofia buscam o bem maior social, conceito de Generalidade, e de convivência sendo por elas estabelecida (leis), pois, em contrapartida, cabe a própria sociedade observar e se manter por estas leis, que normatizam a conduta, observando valores éticos e morais ou não em seu conteúdo, são a base guia da sociedade.

Ao Poder Executivo cabe as primeiras ações nas formas de repressão tais como a Polícia nos casos como: fugas de presídio, brigas de torcidas, vandalismos, autotutela (justiça pelas próprias mãos), linchamentos e outros inúmeros casos descritos pela letra da música. É ele quem deve manter a ordem pois a população não pode nem deve criar a desordem. 

Ao mesmo tempo o Poder Executivo possui a obrigação de "cuidar" dos aspectos administrativos, típicos, da sociedade, gerando condições que minimizem a pobreza e as desigualdades sociais, observando as regras de conduta social e de responsabilidade dos próprios "Governantes", os atos de improbidade administrativa incriminados são os que importam vantagem ilícita, ou que causam prejuízo ao erário, ou que atentam contra os princípios da administração pública. 

E no estado moderno de Direito cabe somente ao Poder Judiciário resolver as questões explicitadas pela letra, as desordens criadas, criminais, sociais, trabalhistas e etc. Através da observância, aplicação e interpretação das leis em cada caso levantado.  
"...Não sei se existe mais justiça...",
sim ela existe e cabe ao poder judiciário executá-la. 

Mas pelo fator inerte ele deve ser provocado pelo Poder Executivo ou, por omissão ou não, pela própria população e, assim então poderá entrar em ação. O que levanta também importante questão quanto ao fato da responsabilidade do Poder Legislativo em organizar um código afinado com o bem maior, a própria sociedade e, que a abarque sem sombra de dúvidas não deixando brechas a especulações arbitrárias. Definindo até mesmo as obrigações do Estado, articulando da melhor maneira a ação dos três Poderes.

"...Não sei se existe mais justiçaNem quando é pelas próprias mãos População enlouquecida Começa então o linchamento..." 
Tais versos, da música citada, lembram também o tratamento que foi dispensado a Lula na caravana que realizou pelo país, especialmente na Região Sul. A sensação de impunidade após a decisão liminar dada pelo STF em 22 de março de 2019, concedendo liberdade ao ex-presidente, acirrou ainda mais os ânimos da população, tendo em vista a raridade da medida adotada pela suprema corte. É extremamente preocupante a percepção de que a sociedade não confia em suas instituições. Sem elas, não há civilização, escancarando-se as portas para a barbárie.

"...É seu dever manter a ordemÉ seu dever de cidadãoMas o que é criar desordemQuem é que diz o que é ou não?..." 
Em resposta a essa outra parte da canção, saliente-se que cabe ao STF a interpretação definitiva da Constituição e, no caso sob análise, decidir a extensão a ser conferida ao princípio da presunção de inocência, ponderado em contraposição ao princípio da efetividade da jurisdição. 

Decidir que alguém só deve ir para a prisão após o trânsito em julgado da decisão de última instância é visão que não encontra paralelo nas principais democracias ocidentais, as quais optam por prisão após decisões de primeiro ou, sobretudo, segundo grau. 

Os princípios, diferentemente das regras, devem ser sopesados e não são regidos pela lógica do tudo ou nada, em que a opção por um deles exclui a observância do outro, dada a ductilidade do direito, na expressão de Zagrebelsky. Assim, a presunção de inocência perde gradualmente sua força conforme a condenação é afirmada e reafirmada, nas duas primeiras instâncias, locais em que a análise da matéria de fato é esgotada. A partir daí, prevalece a efetividade da jurisdição, como historicamente se observou no Brasil, exceto no curto interregno compreendido entre 2009 e 2016.

Conclusão


O dever de manter a ordem é do Estado, mas também do cidadão. O cidadão tem o direito de cobrar que as leis e obrigações sociais sejam cumpridas pelo Estado e a este cabe fiscalizar-se, e também ao cidadão, quanto a observância das Leis. A Justiça deverá estar pronta e preparada quando o peso da sociedade e dos demais poderes estiverem sobre sua balança, esperando uma medida e uma resposta para que ela seja a mais satisfatória possível.

Trinta anos se foram desde o lançamento do álbum dos Titãs do qual 'Desordem' é faixa e a democracia brasileira ainda não viceja com a solidez desejada pela população. A segurança jurídica não é um princípio valorizado socialmente e no bojo de várias instituições, com efeitos sensivelmente deletérios.  Enfim,
"...Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?..." 
Com a palavra, o Supremo Tribunal Federal."

A música, por todo o seu contexto tão bem delineado e, mais do que nunca, atual, vai levar o meu seleto carimbo de
[Fonte: Gazeta do Povo, por Elton Duarte Batalha é advogado, doutor em Direito e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie] 

A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso.

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