quarta-feira, 16 de outubro de 2019

LIVROS QUE EU LI - "MEIAS VERDADES, VELHAS MENTIRAS", ANATOLIY GOLITSYN

Publicado há mais de três décadas, esta obra já se tornou absolutamente indispensável para a bibliografia de estudos sérios sobre o comunismo e seus meios de atuação e infiltração no Ocidente. O livro trata primariamente do uso comunista da desinformação estratégica e tem o objetivo de explicar, com base em informações internas e numa nova metodologia de abordagem do assunto criada pelo autor, o papel do programa de desinformação e as técnicas nele empregadas. 

O autor, Anatoliy Golitsyn (com tradução de Nelson Dias Corrêa) ex-agente da KGB, tem a convicção de que o Ocidente está equivocado quanto à natureza das mudanças no mundo comunista, e por isso foi ardilosamente despistado e passado para trás. Qualquer semelhança com o atual cenário político nacional, não é mera coincidência.

A influência manipuladora das fakes news em seus propósito mais escusos 


O livro divide-se em duas partes as dificuldades relativas à precisão das informações obtidas nos países comunistas: 
  • a primeira — mais conhecida, relativa ao próprio fechamento desses países e investimentos em contra-espionagem, 
  • a segunda — foco do livro, se refere à desinformação propagada pelos países comunistas, e para mim pareceu mais interessante o padrão declínio-evolução descrito, como se o bloco comunista aos poucos estivesse cedendo.
Em síntese, a obra mostra o movimento de desestalinização ocorrido ainda quando o líder soviético Joseph Stalin (✩1878/✟1953) era vivo, onde não necessariamente se queria um anticomunismo. Aponta como Stalin foi tomado como "boi de piranha" por seus erros, tentando limpar a imagem do comunismo, como se Stalin tivesse errado, mas as teorias dele supostamente não seriam comunismo, falácia que continua viva hoje.

É mencionado a influência de Sun Tzu (✩545/✟470 a.C.) no pensamento de Lenin e de Mao Tse Tung (✩1893/✟1976) , e suas consequências para a desinformação. Fala sobre o ultrapassado método de análise de ocidentais, baseado no tal método Borkenau, que deixou de ser válido a partir de 1960 para avaliar o bloco comunista.

Prossegue com análise da política de Nikita Kruschev (✩1894/✟1971) , mais leninista, apontando contradições de seus discursos e atos públicos com as políticas de longo alcance do bloco comunista.

A estratégia do falso enfraquecimento da oposição


De forma mais concreta aponta fatos e indícios de cismas que seriam falsos, ente URSS, Iugoslavia e Albânia, com a chamada técnica das tesouras, onde os dois países simulam desunião, mas na prática estão juntos. Há longas explanações sobre os supostos falsos cismas, com detalhes históricos que eu não tenho o mínimo conhecimento para avaliar a legitimidade das proposições do autor. Contudo, diversas situações parecem ocorrer hoje, como o uso da intelligentsia para apoio às ideias do regime comunista, que seria moderado e benéfico para todos.

O autor descreve como houve apoio da URSS a movimentos terroristas na Europa e possivelmente no resto do globo


Minuciosamente, o autor mostra como o retorno da linha leninista em detrimento da stalinista, no sentido da "coexistência pacífica" e desinformação, desorientou a antiga metodologia ocidental, tirando proveito das confusões intencionais em prol do regime comunista.

Muitas previsões são feitas, surpreende que várias tenham se cumprido, ainda que muita coisa me pareça puramente conspiracionista. Livro importante para entender as estratégias comunistas.

"...Quando estou fraco, aí estou forte..."

O mau uso do princípio bíblico em benefício do comunismo


"Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte" (2 Coríntios 12:10).
Este é um dos princípios bíblicos mais conhecidos pelos cristãos. Mas, longe do contexto ao qual está inserido nas Sagradas Escrituras, esse princípio é usado de maneira imprópria como uma das estratégias de luta da militância esquerda, à exemplo do que feito na então União Soviética (1922/1991), no período da Guerra Fria (1947/1991).

Golitsyn começa descrevendo dois padrões fundamentais de ação da estratégia do movimento comunista internacional, ambos destinados a confundir suas vítimas no sentido de inibir suas ações de combate. Tratam-se dos padrões fachada-resistência e declínio-evolução. Resumidamente, ambos consistem em, respectivamente, parecer forte e invencível quando fraco e moribundo, e parecer fraco e moribundo quando em avanço de poder e em formulação e execução de longas ações. Os casos narrados no livro encaixam-se no segundo padrão, e é nesses casos que percebe-se a presença da Glasnost.

Terminada a Segunda Grande Guerra, o crescimento do poderio bélico-militar do Ocidente despistava o bloco comunista arrasadoramente. A diferença entre os poderes era visível aos olhos de uma criança. Essa diferença pressionou os líderes comunistas a mudarem seus métodos e sua máscara. Entre os anos de 1957 e 1959, o bloco comunista organizou o Congresso dos Oitenta e Um Partidos Comunistas. No empreendimento, foi traçada uma nova política de longo alcance, que visava uma aproximação com o Ocidente para fins de subversão e desinformação.

Baseada no empreendimento da NEP (Nova Política Econômica) de Lenin, a primeira ação de desinformação que desorientou o Ocidente, a política de longo alcance precisava ser protegida e impercebida. Para isso, o bloco aproveitou-se de seus erros e cismas do passado para poder, através do estudo de seus detalhes, forjar falsos cismas futuros, com o objetivo de passar a impressão de que a desintegração do movimento comunista estaria próxima; além, também, de aplicar a estratégia das tesouras.

No Congresso dos Oitenta e Um Partidos, portanto, com base nos detalhes dos cismas reais do passado, foram traçados falsos cismas. Entre eles, o cisma sino-soviético, o mais importante de todos; o soviético-albanês, que aproximaria a China de Hsiao-ping da Albânia de Hoxha, "contra" a União Soviética ; o cisma da Iugoslávia com todo o bloco, baseado no cisma real entre o marechal Tito (✩1892/✟1980) e Stalin; a "independência" da Romênia, a presença incontestável da glasnost; a liberalização da Tchecoslováquia; e a glasnost de Khrushchev.

O cisma sino-soviético


Muito além de reforçar a impressão de queda do bloco, este cisma, em particular, serviu para o bloco engrenar num estrondoso crescimento econômico, no qual encontra-se até hoje. Basicamente, China e União Soviética marcaram alguns desentendimentos; internacionalmente, ambos constantemente tomaram posições contrárias nos acontecimentos bélicos, políticos e econômicos  —  como nas guerras do Afeganistão e do Vietnã, por exemplo. Isso levou os Estados Unidos a atinarem para tal desavença, e sugeriu aos americanos um estreitamento de relações com os chineses. Então, coalisões, principalmente militares, entre americanos e chineses começaram a surgir.

Em determinado ponto, a traiçoeira confiança americana nos chineses era tanta que, aliada à iniciativa economicamente liberalizante da China, levou o então presidente Ronald Reagan (✩1911/✟2004) a fechar um acordo econômico com o país oriental. E então a China, um país maciçamente rural, é industrializado pelos Estados Unidos e passa por um boom econômico.

Tendo agora uma quantidade financeira monstruosa e crescente, bastou aos chineses dividirem com os colegas de bloco e incentivarem suas forças armadas. Hoje se sabe o tamanho da potência militar que da China.

O caso da China, entretanto, é fácil de ser desmascarado, posto que, a despeito de uma punjante economia de livre comércio, o país ainda se encontra debaixo de uma ditadura comunista oficial.

Khrushchev e sua glasnost

O uso de personalidades artísticas e órgãos de comunicação na manipulação das massas


O caso de Nikita Khrushchev muito se assemelha aos de Nicolae Ceauşescu (✩1918/✟1989) e Iogoslávia. Para passar sua imagem de líder moderado, jogou ao vento os crimes cometidos por Stalin e prometeu a desestalinização da Rússia. 

Além de ter abandonado coisas como o termo "ditadura do proletariado" e adotado o termo "estado de todo povo", deu uma certa liberdade de expressão aos artistas e à imprensa, enquanto que sua resolução do problema da sucessão dava dele a falsa impressão de alguém que repudiava o culto à personalidade. Contudo, o empreendimento se desmascara quando o stalinismo continuava em vigor àqueles que visassem forjar verdadeiros combates ao regime.

O ponto culminante dos falsos cismas e das falsas independências


Obviamente, todos os cismas que compuseram a execução do padrão declínio-evolução serviram também como ensaio de um falso declínio muito maior, da evolução de um embrião traçado no Congresso dos Oitenta e Um Partidos. Trata-se da "queda" da União Soviética. Foi nesta que vieram à tona os termos glasnost e perestroika, porém com distorções de interpretação. 

Tal queda, contudo, pode ser desmascarada se observarmos bem alguns fatos: a maioria das empresas russas continua estatal; todos os que compõe o governo da Federação Russa hoje trabalharam e trabalham para a KGB; oposições políticas são neutralizadas por falsas oposições lenientes, quando não, rechaçadas através da violência.

Conclusão


Sem a leitura deste livro, é impossível sequer começar a entender os papéis de cada um dos agentes geopolíticos da atualidade. Qualquer análise geopolítica que se faça sem considerar os avisos de Golitsyn incorrerá inevitavelmente em erros de percepção.

Quem leu outro livro fundamental, "Desinformação" (556 páginas, Editora Vide, 2015) , de Ion Pacepa e Ron Rychlak, sabe o real significado da palavra glasnost e a que sua execução se destina. Para quem não sabe, glasnost significa polimento, ou o ato de apagar o passado sujo de algum líder tirânico através da desinformação e da distorção, visando a convencer externos de que na verdade se trata de um líder humanista, democrático e moderado. Ao ler o livro de Anatoliy Golitsyn, ficará perceptível como os movimento comunista usou e abusou da glasnost, embora Golitsyn não a cite nominalmente nenhuma vez no livro.

Para concluir, Golitsyn recomenda uma profunda reavaliação às lideranças ocidentais, seus serviços de informação e inteligência, e uma minuciosa retirada de todos os caminhos errados os quais entraram. Cancelamentos de aproximações a membros do bloco, e coalizão com sociais-democratas europeus, no sentido de evitar o sucesso soviético de tornar, através dos partidos eurocomunistas, a Europa um território neutro, socialista e livre da OTAN.

Ficha Técnica

  • Título: Meias Verdades, Velhas Mentiras: Estratégia Comunista de Embuste e Desinformação
  • Idioma: Português
  • Páginas: 470
  • Ano de edição: 2018
  • Edição:
  • Autor: Anatoliy Golitsyn
  • Tradutor: Nelson Dias Correa
  • Editora: Vide Editorial
A Deus, toda glória. 
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