segunda-feira, 15 de abril de 2019

LIVROS QUE EU LI - "CAPITÃES DA AREIA", JORGE AMADO


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Capa da edição de 1983 - Record, a edição que eu li em 1990
A primeira vez que eu li este livro foi para fazer prova de Literatura. Eu estava cursando a 7ª série ginasial (atual ensino fundamental). Me lembro que tivemos 30 dias para fazer a leitura da obra. Já naquela época, o prazer pela leitura era um dos detalhes que me diferenciava dos demais colegas de turma e o que para a maioria era recebido como uma tortura, para mim era um verdadeiro deleite.

Eu, por conta própria, já havia lido outras obras do famoso escritor baiano Jorge Amado e quando tive a oportunidade de ler "Capitães de Areia", conclui a leitura em cinco dos trinta dias que tínhamos. Por isso, enquanto muitos colegas nem chegaram até a metade do livro, eu fiz três leituras e, consequentemente, uma excelente prova.

Sobre Jorge Amado


Jorge Amado nasceu em Itabuna (BA), em 10 de agosto de 1912, e passou a infância em Ilhéus. Aos 19 anos surpreendeu a crítica e o público com o lançamento do romance "O País do Carnaval". Desenvolveu uma literatura politicamente engajada e, nos anos seguintes, publicou "Cacau" (1933), "Suor" (1934), "Jubiabá" (1935) e "Capitães da Areia" (1937).

Fez os estudos universitários no Rio de Janeiro, formando-se bacharel em ciências jurídicas e sociais. Em 1945 foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo participado da Assembléia Constituinte de 1946 e da primeira Câmara Federal após o Estado Novo. Perdeu o mandato em 1948, depois que o PCB foi colocado na ilegalidade. Deixou o Brasil e viveu cinco anos na Europa e na Ásia.

Com "Gabriela, Cravo e Canela" (1958) iniciou nova fase literária, marcada por um estilo picaresco, de personagens malandros e bufões. Morreu em 6 de agosto de 2001, em Salvador. É o romancista brasileiro mais traduzido e conhecido em todo o mundo.

Suas principais obras são: "O país do carnaval" (1930), "Suor" (1934), "Mar Morto" (1936), "Capitães da areia" (1937), "Gabriela, cravo e canela" (1958), "A morte e a morte de Quincas Berro d'Água" (1961), "Dona Flor e seus dois maridos" (1966), "Tieta do agreste" (1977), "Farda, fardão, camisola de dormir" (1979) e muitas outras.

Parece que foi hoje


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O romance, que retrata o cotidiano de um grupo de meninos de rua, procura mostrar não apenas os assaltos e as atitudes violentas de sua vida bestializada, mas também as aspirações e os pensamentos ingênuos, comuns a qualquer criança. "Capitães da Areia" foi publicado por Jorge Amado em 1937 e narra a história de um grupo de garotos de rua que se unem para assaltar pessoas e residências em Salvador. 

Segundo o professor Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, Jorge Amado tem uma visão piedosa dessas crianças, destacando que elas cometem os crimes porque são abandonadas. Não que ele apoie o roubo, mas é simpático aos garotos e tenta retratar as causas da situação. O professor Couto destaca ainda que o texto de Amado está relacionado a problemas atuais de moradia.

Personagens


A obra não possui um personagem principal. Para indicar um protagonista, o mais apropriado seria apontar o conjunto do bando, ou seja, os Capitães da Areia como grupo. Isso porque as ações não giram em torno de um ou de outro personagem, mas ao redor de todos. Pedro Bala, o líder do bando, não é mais importante para o enredo do que o Sem-Pernas ou o Gato. 

Pode-se dizer que ele é o líder do bando, mas não lidera o eixo do romance. Daí a ideia de que o protagonista é o elemento coletivo, e cada membro do grupo funciona como uma parte da personalidade, uma faceta desse organismo maior que forma os Capitães da Areia. Vamos conhecê-los:
  • Pedro Bala: líder dos Capitães da Areia, tem o cabelo loiro e uma cicatriz de navalha no rosto, fruto da luta em que venceu o antigo comandante do bando. Seu pai, conhecido como Loiro, era estivador e liderara uma greve no porto, onde foi assassinado por policiais.
  • Sem-pernas: deficiente físico, possui uma perna coxa. Preso e humilhado por policiais bêbados, que o obrigaram a correr em volta de uma mesa na delegacia até cair extenuado, Sem-Pernas conserva as marcas psicológicas desse episódio, que provocou nele um ódio irrefreável contra tudo e todos, incluindo os próprios integrantes do bando.
  • Gato: é o galã dos Capitães da Areia. Bem-vestido, domina a arte da jogatina, trapaceando, com seu baralho marcado, todos os que se aventuram numa partida contra ele. Além dos furtos e do jogo, Gato consegue dinheiro como cafetão de uma prostituta chamada Dalva.
  • Professor: intelectual do grupo, deu início às leituras depois de um assalto em que roubara alguns livros. Além de entreter os garotos, narrando as aventuras que lê, o Professor ajuda decisivamente Pedro Bala, aconselhando-o no planejamento dos assaltos.
  • Pirulito: era o mais cruel do bando, até que, tocado pelos ensinamentos do padre José Pedro, converte-se à religião. Executa, com os demais, os roubos necessários à sobrevivência, sem jamais deixar de praticar a oração e sua fé em Deus.
  • Boa-vida: o apelido traduz seu caráter indolente e sossegado. Contenta-se com pequenos furtos, o suficiente para contribuir para o bem-estar do grupo, e com algumas mulheres que não interessam mais ao Gato.
  • João Grande: é respeitado pelo grupo em virtude de sua coragem e da grande estatura. Ajuda e protege os novatos do bando contra atos tiranos praticados pelos mais velhos.
  • Volta Seca: admirador do cangaceiro Lampião, a quem chama de padrinho, sonha um dia participar de seu bando.
  • Dora: seus pais morreram, vítimas da varíola, quando tinha apenas 13 anos. É encontrada com seu irmão mais novo, Zé Fuinha, pelo Professor e por João Grande. Ao chegar ao trapiche abandonado, onde os garotos dormem, Dora quase é violentada, mas, tendo sido protegida por João Grande, o grupo a aceita, primeiro como a mãe de que todos careciam, depois como a valente mulher de Pedro Bala.
  • Padre José Pedro: padre de origem humilde, só conseguiu entrar para o seminário por ter sido apadrinhado pelo dono do estabelecimento onde era operário. Discriminado por não possuir a cultura nem a erudição dos colegas, demonstra uma crença religiosa sincera. Por isso, assume a missão de levar conforto espiritual às crianças abandonadas da cidade, das quais os Capitães da Areia são o grande expoente.
  • Querido-de-Deus: grande capoeirista da Bahia, respeita o grupo liderado por Pedro Bala e é respeitado por ele. Ensina sua arte para alguns deles e exerce grande influência sobre os garotos.

Descaso social e o caráter jornalístico da obra


O romance "Capitães da Areia" começa com uma reportagem fictícia intitulada 'Crianças ladronas'. A matéria narra minuciosamente um assalto à casa de um rico negociante, o comendador José Ferreira. De acordo com o texto, o crime fora praticado pelos Capitães da Areia, descritos como 
"o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe".

Depois da reportagem, a introdução apresenta uma sequência de cartas de leitores do jornal. As duas primeiras são, respectivamente, do secretário do chefe de polícia (que atribui ao juiz de menores a responsabilidade pelos atos criminosos dos Capitães da Areia) e do juiz de menores (segundo o qual a tarefa de perseguir os menores é do chefe de polícia).

A carta de uma mulher, cujo filho estivera preso no reformatório, narra os horrores que eram praticados ali contra os menores infratores. Outra, do padre José Pedro (importante personagem e aliado dos garotos injustiçados), confirma a denúncia anterior, citando sua experiência no reformatório. O padre visitava o local para levar conforto espiritual aos meninos. A última carta – e a última palavra –, porém, é a do diretor do reformatório. Em seu texto, o diretor nega os maus-tratos dispensados aos menores na instituição que dirige, o que é uma hipocrisia, como se poderá observar no decorrer do livro.

Essa forma de início da obra é eloquente. Pode-se ver, na recriação literária de matérias jornalísticas, a tentativa de dar à história do grupo de meninos um caráter verídico e, ao mesmo tempo, demonstrar o que há de ficção nas reportagens publicadas. Ou seja, apesar de ser um romance, "Capitães da Areia" revela uma situação social real. De outro lado, as notícias veiculadas pela mídia, que muitas vezes atendem aos interesses das classes sociais mais ricas, podem estar permeadas de elementos mentirosos.

O descaso social com os meninos de rua é a tônica do romance. Em todos os capítulos, esse abandono é abordado, seja por meio da reflexão dos garotos ou da dos adultos que estão a seu lado, como o padre José Pedro e o capoeirista Querido-de-Deus, seja pelos sutis, mas mordazes, comentários do narrador.

O enredo, sobretudo no início, tem a função de caracterizar os personagens. Pode-se dizer que busca apresentar os Capitães da Areia, revelando a personalidade de cada integrante do grupo, suas ambições e frustrações.

Dos vários capítulos que compõem o romance, alguns são particularmente significativos. Em 'As Luzes do Carrossel', o bando, conhecido pela periculosidade, esbalda-se ao brincar em um decadente carrossel. Desde o líder, Pedro Bala, passando pelos seus mais destacados membros, a grande maioria se diverte de forma pueril no velho brinquedo.

Essa passagem é importante por fazer o contraponto à opinião vigente na alta sociedade baiana em relação aos Capitães da Areia. A visão de que os garotos eram bandidos sem recuperação, que deveriam ser tratados de forma desumana no reformatório, é confrontada com essa situação. Ao mostrar os garotos divertindo-se no "Grande Carrossel Japonês", o narrador mostra a essência dos personagens do livro. Pedro Bala e seus comandados são apenas crianças socialmente desamparadas.

Ausência da figura materna


Outro capítulo que merece destaque é 'Família'. Aqui, é mostrada a carência afetiva de um dos membros do grupo, o Sem-Pernas. O menino manco tinha grande talento para a dissimulação, por isso se especializara na tarefa de espião do bando. Ele se infiltrava na casa de famílias ricas, apresentando-se como pobre órfão que pedia um lugar para morar. Quando obtinha sucesso na empreitada, observava onde os moradores guardavam seus bens valiosos e informava o bando, que, dias depois, invadia a casa e a roubava.

Nesse capítulo, no entanto, Sem-Pernas é acolhido de forma sincera e amorosa pelos donos da casa, que o veem como o filho que havia morrido. Sem-Pernas vive então um conflito interno. Tratado como um verdadeiro filho, o garoto fica dividido entre a lealdade ao bando que o acolheu e os novos "pais" que lhe davam o carinho e o amor que nunca havia conhecido. Opta pela lealdade ao grupo, que invade e saqueia a casa.

Sem-Pernas é o personagem mais revoltado do bando, o integrante que menos demonstra capacidade de amar e de receber amor do próximo. Quando o narrador revela sua real necessidade de amor, acaba por transferir essa necessidade para todo o bando. Isso reforça a idéia de que são crianças para as quais falta a atenção das famílias e do Estado, e não simplesmente marginais que optaram por uma vida de crimes.

O capítulo 'Dora, Mãe' deixa claro que os meninos, precocemente atirados à vida adulta, sentiam falta de uma figura materna que os embalasse e os consolasse. Os Capitães da Areia conheciam o sexo, praticado em geral com as "negrinhas do areal". Por isso, quando Dora, uma menina de 13 anos, entra no trapiche em que vivem, todos a cercam com intenções libidinosas. 

Protegida pelo Professor, mas, sobretudo, por João Grande, Dora acabou conquistando o respeito dos meninos, que passaram a enxergar nela a figura materna havia muito ausente na vida deles. O primeiro a vivenciar esse sentimento é o Gato. Ao pedir a ela que costure um caro paletó de casimira, sente as unhas de Dora em suas costas e lembra-se de Dalva, sua amante, mas logo reflete sobre a distinção: enquanto Dalva arranhava suas costas para despertar-lhe a libido, Dora o fazia apenas com o instinto materno de vê-lo bem vestido. O mesmo sentimento acaba sendo despertado em Volta Seca, Pirulito e nos demais Capitães da Areia, exceto o Professor e Pedro Bala. Este último iria amá-la, no futuro, como esposa.

Conclusão


Além da religião retratada, a linguagem coloquial dos diálogos (condizentes com os personagens, pois alguns têm até um estilo particular de falar) também ressalta a característica modernista da obra.

Um aspecto que torna o romance bastante forte e impactante, é o fato de termos crianças fazendo coisas de adultos: roubando, fumando, bebendo, estuprando ("tombando as negrinhas na areia"), fazendo sexo e tendo muitos desejos sexuais. Essas características são bastante chocantes, mas em meio ao enredo, o autor consegue narrar naturalmente os eventos e fatos, por mais que nos cause muita estranheza e aversão.

O livro mostra e critica a realidade do povo pobre da Bahia na época da década de 30, ressaltando a injustiça que muitos sofriam, enquanto outros esbaldavam dinheiro. Essa "injustiça" inclui a pobreza, a fome, a miséria, o desemprego... É uma obra que mostra como era o Nordeste, uma área que sempre foi ignorada pelos brasileiros, que achavam que o Brasil era só São Paulo, Rio de Janeiro e região sul (isso acontece até hoje). Pessoas vivem e sofrem no nordeste, lutando para sobreviver como podem.

Em 2011, o livro ganhou sua versão para o cinema, com a direção de Cecília Amado, filha de Jorge Amado com a também romancista Zélia Gattai. O filme (completo abaixo) é bom, mas não se compara ao livro.

Considero a leitura desse livro fundamental para todos, é aquele tipo de história escrita por um brasileiro, retratando a realidade do Brasil e seus costumes. Precisamos ter conhecimento sobre essas informações, pois só assim deixaremos a ignorância de lado. A literatura está aqui para isso, aproveite!
[Fonte: Guia do Estudante]

A Deus, o Pai, toda glória! 

E nem 1% religioso.

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