Um experimento laboratorial constatou algo impressionante sobre os sapos. Como eles não têm uma temperatura corporal definida, mas sim flutuante, conforme o ambiente, eles correm um grande risco. Descobriu-se que um sapo imerso em uma água sendo aquecida a 36 milésimos de grau por segundo, na escala Fahrenheit, não é capaz de notar esse aumento de temperatura.
Nessa taxa de aquecimento, o sapo estará em uma água perigosamente quente sem perceber o risco que corre. Quando chega a perceber, já é tarde demais para tentar escapar e ele, inevitavelmente, morre na água fervente. Essa experiência científica há muito serve de ilustração sobre o modo como a tentação e as pressões do mundo atingem os cristãos. Longe de sucumbirem às grandes tentações logo de cara, os servos de Deus passam a se acostumar com pequenos desvios, um de cada vez, e vão se tornando insensíveis até o ponto de cometerem loucuras das quais fugiram a princípio.
Salmo 137
Vencendo as tentações do mundo
O Salmo 137, um cântico de Sião, também é um salmo imprecatório especialmente inflamado. Embora não se identifique o seu autor (devido as características linguísticas, é tido como sendo um dos salmos compostos por Davi) o salmo partilha o desespero do livro de Lamentações, desespero dos que sofreram a destruição de Jerusalém pelos babilônios em 586 a.C. Este salmo perturbador aborda uma emoção muito profunda.
Seu padrão é o seguinte:
- 1) lamentação na Babilônia à lembrança da destruição de Sião (vs. 1-3);
- 2) desejo de rever Jerusalém e voltar a cantar em louvor a Deus (vs. 4-6);
- 3) desejo de represálias contra Edom e Babilônia por sua destruição de Jerusalém (vs. 7-9).
137:1-4
Babilônia foi um dos grandes impérios da história do mundo. Quando este salmo foi escrito, os judeus viviam ali, em exílio involuntário. "Choramos" — As emoções do salmo estão claramente marcadas. A lembrança de Sião era dolorosa para quem estava cativo no estrangeiro (Sl 42.1-3).
"Penduramos as nossas harpas" — Tocar música alegre para o Senhor em terra estrangeira era tão difícil que os cativos se recusaram a tocar qualquer tipo de música. Tomavam as palavras de seus captores como insultos.
137:5,6
"Se eu me esquecer de ti." — É difícil para o leitor moderno aquilatar o amor por Sião entre as pessoas de fé do Antigo Testamento. Como observamos muitas vezes nos Salmos, este amor não era apenas pelo lugar, mas por sua função em sua vida. Era em Jerusalém que o templo tinha sido construído. O lugar era sagrado devido à presença de Deus (Sl 2:6).
137:7
"Lembra-te, Senhor!" — Depois de falar apaixonadamente de sua lembrança e esquecimento (vs. 4-6), o salmista invoca o Senhor a lembrar-Se dos atos abomináveis do povo de Edom na época das tribulações de Jerusalém (veja no Sl 129 um sentimento similar). "Arrasai-a!" — Os homens de Edom zombavam e ironizavam, enquanto a cidade era lamentavelmente queimada e arrasada.
137:8
"Ah! Filha de Babilônia" — Já assinalamos que a expressão correspondente a filha de Babilônia seria melhor traduzida por filha de Sião. Ou seja, Sião não tinha filha; ela era, em si, a filha de Deus, termo carregado de afetividade. Será possível então que neste local as palavras filha de Babilônia estejam sendo usadas com sarcasmo? Sião é filha do Senhor, não a Babilônia. Ela pode ser descendente de um deus qualquer, mas não do Senhor.
137:9
"Feliz" é o mesmo termo de "bem-aventurado", que inicia o primeiro salmo (1:1; 146:5). A bênção viria na forma do exército persa, que destruiria a maligna cidade de Babilônia, usado como instrumento do juízo nas mãos de Deus Todo-poderoso (Hebreus 1:12-17).
O Salmo 137 mostra que o povo de Israel foi submetido a uma situação assim quando estava exilado de suas terras. Cativos na Babilônia (v.1), eles foram tentados a esquecer e desprezar sua pátria e as esperanças de vê-la restaurada e reabilitada pela fidelidade de Deus no cumprimento das suas promessas.
O tom saudosista do salmo (vv.4,5) indica que ele foi escrito um bom tempo depois do início do exílio (605 a.C.) — alguns comentaristas sugerem que sua composição se deu próximo do final do cativeiro babilônico (539 a.C.). A fim de preservar a fidelidade a Deus, sua identidade nacional e as esperanças de retornar à terra da promessa, vendo se cumprir tudo que o Senhor anteviu, o salmista assume uma postura de resistência às pressões. Para isso, ele leva adiante três ações que o tornaram constante diante da tristeza e da decepção do momento.
A primeira ação foi lamentar a condição adversa (vv.1-3)
Em situações ruins, um mecanismo de defesa que as pessoas possuem é a aceitação. Normalmente, é preciso se conformar com as contingências da vida e esperar um futuro melhor. Entretanto, quando as contingências são frutos de erro, aceitar e se conformar com as consequências é o mesmo que aceitar o próprio erro. Esse era o caso dos israelitas, pois estavam exilados por causa do próprio pecado.
Eles não podiam culpar ninguém, além deles mesmos. Por isso, olhar para o exílio e não lamentar significava relevar o pecado que cometeram e deixar de buscar a restauração. Mas o salmista e seus pares não agiram desse modo. Eles lamentaram sua condição olhando para a pátria com saudades (v.1):
"Ali, ao lado dos rios da Babilônia, nós nos sentamos e choramos ao lembrar de Sião ('al naharôt babel sham yashavnû gam-bakînû bezokrenû ’et-tsîyôn)".
Diante disso, vê-se que para tais judeus a ideia de se tornarem babilônicos não era aceitável, nem aprazível. Seu desejo era nunca ter deixado Israel e o fato de ter acontecido exatamente isso era, para eles, motivo de tristeza.
Surpreendentemente, a iniciativa do povo da Babilônia era no sentido oposto. Em vez de fazerem os judeus sofrer como escravos indesejados em sua terra, os babilônicos os convidavam a se alegrar (v.3):
"Pois ali os nossos captores nos pediram para entoar canções e os nossos opressões, para sermos alegres, dizendo: 'Cantai para nós um dos cânticos de Sião (kî sham she’elûnû shôvênû divrê-shir wetôlalênû simhâ lanû mishîr tsîyôn)".
Isso, obviamente, pode ser visto como uma afronta humilhante da parte dos opressores. Entretanto, a negativa dos israelitas e suas razões (vv. 2,4) demonstram que eles não estavam sendo obrigados a isso, mas, sim, incentivados.
Parece que a ideia era que eles aceitassem sua condição e se alegrassem nela. "Adaptação" (e/ou "conformidade") seria a palavra chave nessa situação, principalmente depois de tanto tempo de cativeiro. É como se os babilônicos lhes dissessem:
"Não está na hora de se conformar e de tocar a vida? Não está na hora de ser feliz longe da sua terra?".
A sugestão era bastante tentadora, mas o salmista e seus irmãos a rejeitaram. Em vez de cantarem alegremente, eles deixaram de lado seus instrumentos musicais para manter seu lamento (v.2):
"Nós penduramos nossas harpas nos salgueiros que há entre eles (‘al-‘aravîm betôkah talînû kinnorôtênû)".
Essa ação expressa não apenas o desejo de não se satisfazer com o fruto do erro e do pecado, como também de demonstrar publicamente o lamento e o anseio de retornar à situação original.
A segunda ação foi resistir às pressões do mundo (vv.4-6)
Diante das sugestões que, aos olhos humanos, pareciam boas e agradáveis, o salmista mantém os princípios da separação do mundo e da santidade do nome do Senhor (v.4):
"Como entoaríamos o cântico do Senhor sobre solo estrangeiro? (‘êk nashîr ’et-shîr-yhwh ‘al ’admat nokar)".
Assim, os cantos que serviam para cultuar a Deus no Templo, em Jerusalém, jamais seriam tratados com descaso, nem serviriam para promover a desonra do nome do Senhor.
É claro que a vida seria bem mais fácil para eles se sucumbissem à pressão de aceitar sua condição e de tirar proveito dela. Mas tal ideia é tão inaceitável que o salmista roga uma maldição sobre si caso se deixe levar pelo mundo colocando de lado a esperança de retornar a Jerusalém (v.5):
"Que minha mão direita fique esquecida se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém (’im-’eshkahek yerûshalaim tishkah yemînî)."
A mão ficar esquecida é o mesmo que ficar aleijada, sem movimentos, inútil (mãos na Bíblia tem o simbolismo de "ações" [no entendimento do contexto = obras, exercício ministerial]).
Não satisfeito, o escritor afirma que sua alegria só poderia vir de Jerusalém e de tudo que a cidade representava em termos de adoração a Deus e de esperança futura (v.6):
"Que a minha língua fique presa no céu da boca se eu não me lembrar de ti e se eu não elevar Jerusalém ao patamar de 'minha alegria suprema' (tidbaq-leshônî lehikkî ’im-lo’ ’ezkerekî ’im-lo’ ’a‘aleh ’et- yerûshalaim ‘al ro’sh simhatî)".
Não importa quanto tempo tenha se passado, nem quanto o mundo o tenha convidado a se acomodar em seu meio: os valores e os princípios do Deus eterno prevalecem para seus servos.
A última ação foi esperar a justiça de Deus (vv.7-9)
A última seção do salmo é bastante dura e de natureza imprecatória. O salmista clama por punição para seus captores e para quem os auxiliou e se alegrou com a queda de Jerusalém e da nação. Entretanto, o clamor por punição dos inimigos é, ao mesmo tempo, o rogo pelo restabelecimento de Israel.
Assim, a ampla justiça de Deus — juízo do pecador e justificação do servo — é o objetivo do salmista nos versículos finais do salmo. É perceptível sua confiança em Deus para a reversão da situação e para o tratamento do mal.
O primeiro alvo do julgamento divino, nas palavras do escritor, é Edom. Os edomitas, descendentes de Esaú e, por isso, aparentados dos israelitas, rebelaram-se e se alegraram com os sofrimentos dos seus parentes desde os dias do profeta Obadias e do rei Jeorão (2 Reis 8:20-22; Ob 10). Nos dias da queda de Jerusalém, não foi diferente (v.7):
"Lembra-te, ó Senhor, dos filhos de Edom no dia [em que caiu] Jerusalém, quando disseram: 'Desnudai-a, desnudai-a até [chegar] aos seus fundamentos' (zekor yhwh livnê ’edôm ’et yôm yerûshalaim ha’omrîm ‘arû ‘arû ‘ad haysôd bah)".
O outro alvo é a própria Babilônia, cuja queda o salmista considera garantida e iminente (v.8):
"Ó filha da Babilônia que está prestes a ser destruída: feliz aquele que retribuir a ti o que tu mereces pelo que fizeste a nós (bat-babel hashdûdâ ’ashrê sheyshallem-lak ’et-gemûlek sheggamalt lanû)".
A linguagem usada nesse texto é interessante e traz a ideia de que a Babilônia foi instrumento da punição do pecado de Israel e que, de modo semelhante, provaria do mesmo remédio. Entretanto, sobre ela o escritor prevê cair a mão punitiva do Senhor em um grau avassalador que não pouparia ninguém (v.9):
"Feliz aquele que segurar e despedaçar as tuas crianças contra a rocha (’ashrê sheyyo’hez weniffets ’et-‘olalayik ’el-hassala‘)".
Apesar das palavras duras, o salmista certamente tem em mente a associação profética entre a punição das nações e a restauração de Israel (Ob 15-17; Joel 3:1-3; Zacarias 14:1-8), pondo sua esperança no dia da justiça de Deus.
O contexto atual
Não é coincidência a grande semelhança entre o clamor da Babilônia aos israelitas cativos e o clamor do mundo àqueles que creem em Cristo. O mundo perdido também convida cada servo de Deus a se adaptar ao mundanismo, a trivializar a adoração divina e a buscar alegria nos caminhos distantes do Senhor.
E o pior de tudo é que isso muitas vezes acontece, tornando os servos de Deus muito parecidos com os perdidos. Por isso, nós também temos de lamentar o fato de sermos pecadores e de nos afastarmos dos santos caminhos do Senhor (1 Coríntios 5:2; 1 Timóteo 1:15). Somos encorajados a resistir bravamente ao mundo e ao diabo para não tomarmos a forma do que é mau e perverso (Romanos 12:1,2; Hb 12:4; Tiago 4:7). E somos ensinados, pelas Escrituras, a aguardar a vinda do Senhor para julgar o mundo e nos dar a vida eterna (Daniel 12:2; Mateus 25:31-46).
Algo do que não restam dúvidas é quanto à tristeza presente e ao lamento pelo pecado: eles se tornam alegria na presença do nosso Senhor, o salvador Jesus Cristo:
"Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará" (Tg 4:8-10).
Conclusão
"E se eu cantar quiserEm Babilônia sujeito,Jerusalém, sem te ver,A voz, quando a mover,Se me congele no peito;..."
(Luis de Camões)
Ao longo de séculos de hermenêutica, de mimésis e criatividade poética (Camões ou San Juan de la Cruz) sobre o Salmo 137 — na Septuaginta indicado como da autoria de David —, não chegamos a descobrir a verdadeira razão que está diante dos nos nossos olhos no verso imortal
"Nos salgueiros que lá havia [na Babilónia] pendurávamos as nossas harpas..."
Porquê?
Levou-se tanto tempo a pensar que as harpas nos salgueiros eram como frutos que estiveram sempre lá, ou porque os hebreus perderam a inspiração, a Fé, a religiosidade judaica, a destreza da criatividade musical, ou por uma razão meramente cultural e social, porque estavam fazendo greve de zelo contra os opressores.
Mas as harpas estavam penduradas quando eram preciso que estivessem.
Não vou me delongar na discussão sintática do tempo verbal — o pretérito imperfeito —, mas sim, na atitude resultante do pedido profano dos babilônios. A expressão de uma consequência inevitável.
A razão está no próprio texto poético do salmo:
"...pendurávamos nossas harpas (…) pois [ou porque] os que nos levaram cativos nos pediam canções..."
Do ponto de vista da teologia do Velho Testamento, está aqui espelhado o exclusivismo judaico, a rejeição da mistura, da aculturação no plano religioso.
No campo da sintaxe, quer nas versões em português, quer no grego (óti, no início do verso 3 da referida Septuaginta) ou no hebraico, a conjunção "porque" está ligando a frase e justificando a ação precedente.
Mas os cânticos de Sião eram sagrados, e se entoados, seriam o canto do Senhor em terra estranha. Seria uma profanação de algo divino. E o respeito pelas coisas sagradas, jamais poderia conduzir os hebreus a conspurcar o Nome de Deus nas terras do exílio.
Em última análise, poderemos aceitar que se tratou sim de uma "greve de zelo espiritual", por causa da beleza santificada dos Cânticos. E você, está disposto também a aderir a esta "greve"?
[Fonte: Biblioteca Bíblica, Bíblia.org]
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.
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