Você, certamente já ouviu uma célebre frase que diz que não devemos julgar um livro pela capa. Pois é, no caso desse livro sobre o qual escrevo, o correto é dizer não julgue um livro pelo título. Pode ser muito, mas muito perigoso mesmo.
Disse Jesus:
"E o Pai que me enviou, Ele mesmo testemunhou sobre mim. Jamais ouvistes a sua voz, nem contemplastes a sua face. Igualmente não tendes a sua Palavra habitando em vós, porque não credes naquele a quem Ele enviou. Vós examinais criteriosamente as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testemunham acerca de mim. Todavia, vós não quereis vir a mim para terdes a vida" (João 5:37-40, grifo meu).
É nessa verdade e somente nessa verdade que eu creio e sob a qual está alicerçada, fundamentada e equilibrada toda a essência da minha fé. Isto posto, vamos ao livro.
José Saramago, prêmio Nobel de literatura em língua portuguesa em 1998, faleceu no dia 18 de julho de 2010, contudo sua obra vive para propagar a todos os últimos suspiros do que uma literatura é capaz de alcançar.
José Saramago, prêmio Nobel de literatura em língua portuguesa em 1998, faleceu no dia 18 de julho de 2010, contudo sua obra vive para propagar a todos os últimos suspiros do que uma literatura é capaz de alcançar.
Com a obra que lhe deu a indicação e a premiação o escritor português vai longe e busca trazer um Cristo humano e místico. Sem qualquer intenção de fidelidade bíblica ou teológica, Saramago mostra sua opinião sobre o que significa ser o escolhido.
Como é história conhecida por todos (cristãos e não cristãos), Saramago não inicia pelo introito, mas pelo fim. No início do livro, o Cristo do imaginário de Saramago é crucificado aos pés de sua mãe, Maria, e como o autor mesmo descreve "uma outra Maria", a Madalena que vem seguida de uma descrição sarcástica de suas vestes "com decote" e "roupas mais presas ao corpo".
Muito antes de Dan Brown causar polêmica sugerindo uma relação entre Jesus e Maria de Madalena, o prêmio Nobel já o fizera sem nenhuma insinuação ou usando a história para contar outra história. Em "O Evangelho...", há várias passagens entre os personagens e uma das mais fascinantes, sob o aspecto literário, é como eles se encontraram e a primeira noite de amor dos dois que é relatada com simplicidade e beleza.
A verdade:
"Porque para isto sois chamados; pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas. O qual não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano."(1 Pedro 2:21,22 - grifo meu).
Polêmica para mais de metro
"'O Evangelho Segundo Jesus Cristo'",
dizia o próprio autor,
"é o romance que gerou mais polêmica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha.
É um livro que não projetei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição.
Enfim, sobre o filho de José e Maria disse-se de tudo, logo não seria necessário um livro mais, e ainda menos o que viria a escrever um ateu como eu. Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta."
E, sem sombra de dúvida, esta é a obra mais polêmica de José Saramago e aquela que, indiretamente, o levou a sair de Portugal e a refugiar-se na ilha espanhola de Lanzarote. Ficou para a história o desentendimento com o então subsecretário de estado da Cultura Sousa Lara, que considerou o livro ofensivo para a tradição católica portuguesa e o retirou da lista do Prêmio Europeu de Literatura.
Com um José destroçado por ter fugido e deixado as crianças de Belém nas mãos dos assassinos de Herodes; com uma Maria dobrada e descrita, logo no início do livro, em pleno ato de conhecer homem; com um Jesus temeroso, um Judas generoso, uma Madalena voluptuosa, um Deus vingativo e um diabo simpático, não era de esperar outra reação das almas mais sensíveis e mais devotas do catolicismo português.
E verdadeiramente viperinas são as várias páginas onde o escritor português se entretém a descrever minuciosamente os nomes e a forma como morreram os mártires dos primeiros séculos do cristianismo. Assim se escreveram os heréticos "Evangelhos segundo Saramago", para irritação de muitos e prazer de alguns. Como convém.
"Já que muitos empreenderam compor uma narração dos fatos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da palavra, resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expor-tos por escrito e pela sua ordem, ilustre Teófilo, afim de que reconheças a solidez da doutrina em que foste instruído" (Lucas 1:1-4, grifo meu).
Heresia para uns, sugestão para outros e nada mais do que ficção para quem tem sua fé equilibrada na veracidade inquestionável e imutável das Sagradas Escrituras
"E desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo.
Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra"(2 Timóteo 3:15-17, grifo meu).
A narrativa do Saramago é completamente incrível, do tipo que você precisa ser um amante de literatura para a leitura apreciar. Ele faz descrições das situações, dos locais, das paisagens naturais, do tempo, dos personagens, de praticamente tudo, de forma extremamente detalhista e sensível, transbordando delicadeza e sentimento.
Depois do choque inicial dos primeiros dois ou três capítulos, eu já me vi apaixonado pela escrita do autor e não senti a menor falta do português do Brasil ou dos travessões, tudo pareceu fazer muito mais sentido da forma que o Saramago fez. A narrativa é poética e simplesmente linda.
Saramago consegue emocionar o leitor em vários pequenos momentos. Jesus contesta o tempo todo seu futuro divino e o quanto isso realmente é algo bom para a humanidade. Chamo a atenção em especial para uma passagem que o leitor deve aguardar ansioso: um longo diálogo de várias páginas entre Deus, Jesus e o diabo. É um diálogo absurdo, herético mesmo sob o ponto de vista teológico e sem qualquer fundamento espiritual, mas sob o viés literário - que é o meu enfoque aqui - Saramago dá um show.
Heresia ou mera ousadia literária?
Na minha opinião, nada mais do que uma ousadia literária, uma vez que Saramago em momento algum quis que seu livro fosse considerado uma literatura sacra. O autor faz uma reinterpretação da história mais conhecida do mundo: a vida de Jesus Cristo.
Eu jamais pensei que uma das histórias mais lindas poderia ser recontada de uma forma tão diferenciada e igualmente bela como Saramago fez. A narrativa é em terceira pessoa e ele começa o livro descrevendo a vida de José e Maria bem antes da concepção de Jesus, o autor nos apresenta personagens completamente desmistificados e mundanos, repletos de falhas, medos, sentimentos e influências do meio.
A história de Jesus Cristo é a mesma de sempre, contada desde a concepção até a crucificação de Cristo, porém Saramago propositalmente distorce os evangelhos de forma a trazer a história o mais próximo possível da realidade do leitor mostrando um Jesus mais humano e passível de erros.
Ateu confesso e assumido, apesar de manter um olhar cético no livro, o autor teve todo o cuidado ao lidar com a crença religiosa, especialmente ao retratar Deus, preocupando-se em não ofender quaisquer crenças. Suas críticas são sutis e disfarçadas em forma de ironia, sempre levando a ideia de que é permitido ao leitor questionar-se, buscar respostas e refletir sobre a nossa condição existencial sem que isso interfira na sua fé.
Conclusão
Mesmo hoje, 26 anos após o seu lançamento, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" ainda é uma leitura surpreendente – para não dizer perturbadora. O livro conta a infância e a juventude de Jesus – a partir da livre interpretação dos textos canônicos por parte do escritor. Esse é um livro que você ama ou odeia.
"O Evangelho Segundo Jesus Cristo" é reconhecido como uma das grandes obras da literatura universal. Foi publicado pela primeira vez em 1991. Diferente de "Ensaio Sobre a Cegueira", acho quase impossível uma adaptação cinematográfica de "O evangelho Segundo Jesus Cristo", mas sonhar não é proibido. O livro vale a pena por cada página e cada palavra. É o que podemos chamar de obra-prima onde nada falta, mas cada informação se completa. Saramago morreu, contudo sua obra está eternizada nos cânones da literatura.
Advertência
O leitor precisa estar livre de amarras religiosas para ler "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", pois só assim poderá aprecia-lo como uma obra meramente fictícia de literatura como outra qualquer, independente de suas crenças. A história é linda, maravilhosamente bem escrita (sem comparação, gente) e o leitor termina o livro sentindo-se ainda mais próximo dos personagens, pois entende e compadece de suas dores, medos e dúvidas, de forma natural e humana.
Eu não senti que o livro ofendeu minhas crenças - muito antes pelo contrário, pois minha fé no Jesus segundo a Bíblia é inabalável -, admiro a audácia, sensibilidade e inteligência do autor para reescrever uma das histórias mais belas já escritas.
Não tenha receios de ler por esse motivo, pois fé nenhuma pode ser abalada por uma obra de ficção, caso contrário não é fé. Sei que tem pessoas que não o leriam apenas pelo fato de contar uma história religiosa, mas antes de mais nada, este é um livro maravilhoso independente de qualquer crença ou religião, e é ainda melhor para aqueles que gostam de pensar "outside the box", refletir sobre as possibilidades e questionar verdades universais. Recomendo fortemente a leitura para quem tenha sua fé firmada na rocha. Se esse não for o seu caso, passe longe do livro e esqueça que leu esse artigo.
"Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo.
E se alguém sobre este fundamento edificar ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; porque o dia a declarará, porquanto pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um.
Se a obra que alguém edificou permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, ele sofrerá detrimento; porém o tal será salvo, todavia como que pelo fogo" (1 Coríntios 3:10-15, grifos meus).
Título original: O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO
Capa: Hélio de Almeida
Páginas: 448
Formato: 14.00 x 21.00 cm
Peso: 0.530 kg
Acabamento: Brochura
Lançamento: 31/10/1991
ISBN: 9788571642096
Selo: Companhia das Letras
Capa: Hélio de Almeida
Páginas: 448
Formato: 14.00 x 21.00 cm
Peso: 0.530 kg
Acabamento: Brochura
Lançamento: 31/10/1991
ISBN: 9788571642096
Selo: Companhia das Letras
A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.
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