sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

A UTOPIA DA FÉ E A REALIDADE DO REINO

Escrevo esse texto incomodado, entristecido, reflexivo e até escandalizado. Esse conjunto de sentimento me vem à tona devido as inúmeras demonstrações de ódio que repercutem nas redes/mídias sociais em período de pleito eleitoral. Principalmente porque a maioria dessas manifestações vem do meio do qual faço parte, que deveria propagar amor: os cristãos. 

São enxurradas de insultos como burro, idiota, herege, ladrão, desonesto, tudo para desqualificar o sujeito que votou diferente e/ou esse ou aquele candidato do partido oponente, que possui outra opinião. A guerrilha entre direitistas e esquerdistas, muitas vezes capitaneada por personalidades do segmento cristão, é algo tão deprimente que nos leva a questionar o nível de fé desses irmãos.

É triste ver pessoas que se declaram como irmãs em Cristo, que congregam na mesma igreja - e não me refiro aqui a denominação -, trocando ofensas apenas pelo fato de não saberem discordar opiniões. Aliás os cristãos são reconhecidos pela intolerância com opiniões contrárias, ou seja, te amo se você pensar como eu, te admiro se tua opinião for a mesma que a minha ou a do meu líder: isso é uma lástima. 

Nossa luta não é contra carne ou sangue... ou é?


Claro que entendo que quando o assunto são os alicerces da nossa fé, as instruções de nosso Mestre, as bases do Seu Evangelho, devemos lutar fortemente contra interpretações heréticas, combater todo sorte de ensino falso e blasfemo, além de nos distanciarmos dos apóstatas. 

Mas o que se vê manifestado nas redes-mídias sociais não tem nada a ver com isso, o que vemos não são manifestações inflamadas em prol de Cristo e seu Evangelho, as manifestações que vemos são comentários intolerantes em prol de um(a) candidato(a) e/ou um partido que em nada representa princípios instituídos por Cristo. 

Deus nos abençoou com a autonomia de escolhermos nossos governantes, e pasmem esses militantes religiosos, Deus colocou cada governante em seu lugar, ou seja, Deus nos deu a possibilidade de usar nosso intelecto e fazermos nossas escolhas, embora Ele já tivesse escolhido todas as coisas. Ele é Soberano e não minha escolha!

"Meu reino não é desse mundo..."


Todo esse movimento surgido, no Facebook principalmente, me fez refletir sobre um tema que entendo ser interessante para discussão na comunidade cristã atual: A utopia necessária para todo o cristão. O quão importante é que tenhamos a utopia que a Palavra nos orienta, pois a vida cristã é utópica, vivemos uma utopia que se realizará na eternidade. Para me fazer claro entendo ser importante explicar o que quero dizer com utopia.

A utopia fé, não a fé da utopia


O conceito básico de utopia é sistema ou plano que parece irrealizável, uma fantasia, ou ainda, o que se imagina como sendo perfeito, ideal, porém imaginário, que não se sabe ao certo se é possível alcançar ou realizar. Quando penso nesse conceito de utopia penso no que está escrito em Romanos 8:29 
"Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos", 
não parece uma utopia nos imaginar como à imagem de Cristo? Esse é um dos objetivos que temos como cristãos, sermos como Ele, Deus tem como propósito que sejamos como Jesus Cristo. 

Confesso que quando penso nisso, quando penso em Cristo e penso em mim vejo esse objetivo como um plano irrealizável. Mas porque Deus nos atribuiria objetivos impossíveis, utópicos?

Para essa reflexão quero me ater ao conceito do escritor Eduardo Galeano sobre utopia, ele define que: 
"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.  
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar" (grifo acrescentado).
É exatamente assim que vejo alguns conceitos utópicos estabelecidos por Deus, Ele quer que, apesar de existir a impossibilidade de alcançar esse horizonte, não paremos de caminhar em busca desse horizonte. 

No entanto o que posso notar na comunidade cristã nos debates políticos é o contrário disso, ao invés de darmos dois passos em direção ao horizonte da eternidade, demos cinco passos na direção contrária. 

Um bom exemplo dessa minha afirmação foi uma frase difundida amplamente, talvez não com os mesmos termos, mas com a mesma ideia, que afirmava: "Povo Burro!", fazendo alusão a reeleição da então presidenta Dilma Rousseff, tendo o mesmo ocorrido quando o presidente Michel Temer assumiu o governo. 

Em 1 Tessalonicenses 5:15 diz 
"Tenham cuidado para que ninguém retribua o mal com o mal, mas sejam sempre bondosos uns para com os outros e para com todos (grifo meu)" 
talvez esse texto também seja uma utopia, mas temos que buscá-la. Sei que é difícil retribuir o bem a alguém que julgamos nos fazer mal, mas é o que Cristo quer que façamos, então tentemos. Porém não vi nos meus irmãos uma tentativa de caminhar ao horizonte, ao nosso alvo que é Cristo, vi o caminhar para uma direção contrária.

Há um versículo que amo ler que representa bem essa relação, de tentativa de alcançarmos algo que parece inalcançável. Esse versículo lê-se pouco em nossos púlpitos, talvez pela dificuldade de praticá-lo, o texto está em Filipenses 2:3 e diz: 
"Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo (grifo meu)."
Que extraordinário: a Palavra de Deus me instrui a considerar o outro superior a mim, mas como vou considerar alguém superior a mim se eu o julgo "burro", existe algo inferior a "burro"? Será que o fato de pensar ser minha opinião melhor, ou mais inteligente, a do meu irmão estou me postando com humildade ou vanglória? De que modo esse posicionamento me faz chegar cada vez mais perto de Cristo? 

Livre expressão ou soberana expressão?


Outro engano que cometemos é pensar que sou livre para tecer minha opinião, pois é minha opinião e ela é soberana, se alguém não gostar ou se ofender viva com isso. Talvez esse pensamento esteja encravado em nossa mente por uma mistura de conceitos não muito bem trabalhados ou mal compreendidos de liberdade de expressão e livre arbítrio (isso caberia outro grande texto então não irei desenvolver tal ideia agora). 

O que é importante para nós cristãos é entendermos que não temos soberania em nada, muito menos de opinião! Deus me fez um agente autônomo, mas não soberano, somente Deus e a opinião de Deus é soberana. Deus me deu a capacidade de independência moral e intelectual, Deus me deu a capacidade de escolher o curso que quero fazer na faculdade, os livros que vou ler nas férias e até mesmo o candidato(a) que irei votar, embora Ele já conheça todas as minhas escolhas. 

Porém em nenhum momento Deus me deu soberania, pois por soberania entendo ser a qualidade de deter o poder sem restrições (no caso de opiniões seria o poder de me expressar sem restrição) e isso nós não temos. Por exemplo: eu até posso achar que separar um dia na semana para o Senhor seja desnecessário, posso entender que todos os dias são do Senhor, porém não posso declarar que os que separam um dia ao Senhor sejam "burros". 

Minha restrição na opinião é o meu irmão, é o possível mal que posso causá-lo. Paulo fala sobre isso em Romanos, ele escreve:
"Aceitem o que é fraco na fé, sem discutir assuntos controvertidos. Um crê que pode comer de tudo; já outro, cuja fé é fraca, come apenas alimentos vegetais. 
Aquele que come de tudo não deve desprezar o que não come, e aquele que não come de tudo não deve condenar aquele que come, pois Deus o aceitou. Quem é você para julgar o servo alheio? É para o seu senhor que ele está de pé ou cai. E ficará de pé, pois o Senhor é capaz de o sustentar. 
Há quem considere um dia mais sagrado que outro; há quem considere iguais todos os dias. Cada um deve estar plenamente convicto em sua própria mente. Aquele que considera um dia como especial, para o Senhor assim o faz. 
Aquele que come carne, come para o Senhor, pois dá graças a Deus; e aquele que se abstém, para o Senhor se abstém, e dá graças a Deus. Pois nenhum de nós vive apenas para si, e nenhum de nós morre apenas para si. 
Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor" (Romanos 14:1-8, grifo meu),
Por isso entendo ser um engano pensarmos que como cristãos temos soberania em nossas opiniões. Na prática as opiniões que tenho devem ter em primeiro lugar a orientação da Bíblia, ou seja, minha restrição são os ensinos da Palavra, e em segundo lugar minhas opiniões devem sempre levar em consideração o outro. Assim como está exposto em 1 Coríntios 8:10-13:
"Porque, se alguém te vir a ti, que és dotado de saber, à mesa, em templo de ídolo, não será a consciência do que é fraco induzida a participar de comidas sacrificadas a ídolos? 
E assim, por causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu. 
E deste modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca, é contra Cristo que pecais.E, por isso, se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a escandaliza-lo"
Que prova linda de amor para com meu irmão. O apóstolo Paulo afirma aqui que nossa opinião não é soberana, pois se minha atitude faz perecer meu irmão eu estou pecando contra ele, e ao pecar contra meu irmão por qual Cristo foi crucificado estou pecado contra Cristo. Isso é forte!!! Será que vale a pena lutarmos tanto por nossa soberania de opinião em detrimento ao que pode causar ao nosso irmão?


Paz! Paz! Paz!


Outra questão que parece utópica, mas que é orientação de nosso Mestre é a necessidade de respondermos ao chamado para sermos pacificadores. Vejo muitas publicações em redes-mídias sociais nesses meses de campanha eleitoral, mas nada que lembrasse, nem de longe, um ambiente de paz. 

Ser pacificador não é insultar, ser pacificador não é condenar irmãos ao inferno, ser pacificador não é colocar em prova a honestidade do outro, apenas porque o outro diverge de minha opinião. Ser pacificador, como uma bem-aventurança descrita no Evangelho de Mateus é ter paz com Deus e semear a paz para com todos: 
"Bem-aventurado os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus" (5:9).
É assustador verificar que irmãos podem passar anos congregando juntos, podem cantar os hinos da igreja abraçados, trocar os cálices na hora da ceia a pedido do pastor, olhar no olho do irmão e dizer o quão ele é importante e até orar em grupo pelo bem do outro, mas no primeiro sinal de confronto, uma simples campanha eleitoral, uma escolha diferente, e tudo se esquece. 

Não sou mais o irmão que comungo a mesa depois da reunião, não sou mais o irmão importante na hora de um evento, não sou mais o amado que compartilha o cálice da Ceia do Senhor e que viverá na eternidade com todos os santos pela graça de Deus: votei no X (ou no Y) não sou nada mais do que um BURRO!

Conclusão


Que possamos seguir discutindo política, faz bem, mas que possamos entender que muito mais sublime é o que nos une do que o que nos separa. Podemos divergir em opiniões políticas, podemos não torcer para o mesmo time, podemos ser pós ou pré milenista, mas o amor de Cristo nos une, o sangue dEle nos libertou de toda a condenação e a Sua vontade é soberana em nossa vida, independente de quem sejam nossos governantes. Que a Palavra de Deus seja nossa orientação e que a vontade Dele o nosso horizonte, mesmo que pareça uma utopia!
"E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos" (Tiago 1:22).
 A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso.

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