domingo, 15 de outubro de 2017

A IGREJA EVANGÉLICA E O DESAFIO DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Falar, ouvir ou escrever sobre a problemática do abuso sexual à criança e ao adolescente é uma tarefa espinhosa. E a igreja? O que tem feito para protegê-los contra essa mazela dentro do seu próprio ambiente? Como ela pode se transformar num espaço seguro para os mais jovens? De fato, a Igreja Evangélica tem feito muitas vezes vistas grossas na questão do abuso, limitando-se a desligar o abusador. Isto faz com que a oportunidade exista para a mesma pessoa repetir seu comportamento em outra instituição. 

Sabemos também que a prisão não cura ninguém e ainda estigmatiza a família. Eu acredito na importância do processo de cura de uma família que se veja envolvida em uma situação dessas, mas também acredito na importância da denúncia e punição do abusador. Por isto, a ênfase na prevenção e no tratamento das famílias me parece prioridade. 

E a igreja evangélica não pode continuar agindo como se esse fosse um problema distante dela. Infelizmente, os casos de pastores e/ou líderes que se aproveitam de sua influência, para cometer abusos sexuais contra crianças e adolescentes, são mais comuns do que podemos imaginar. Já se perguntou como pode levar a temática da violência sexual para 'dentro da igreja'? E principalmente, o que fazer para prevenir e enfrentar as questões? Antes de tentar responder essas perguntas, vamos entender o perfil desses indivíduos.

Quem é quem

Nem todo pedófilo é um abusador sexual


Ilustração de Michele Iacocca para a cartilha 
Navegar com Segurança da Childhood Brasil


Com o aumento da divulgação de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, no Brasil ou no exterior, a mídia tem usado indiscriminadamente o termo "pedófilo" ao se referir a um abusador sexual.

Embora devamos entender que todos eles estão cometendo uma violência e uma violação de direitos contra uma criança ou um adolescente, a ausência dessa distinção prejudica uma compreensão mais objetiva do fenômeno, ao mesmo tempo em que simplifica as análises e as políticas de intervenção ao incluir, em um mesmo grupo, indivíduos com motivações e características psíquicas bem diferentes,  conforme afirmam os pesquisadores e psicólogos.

Assim, é preciso que entendamos que, nem todo pedófilo é abusador. E nem todo abusador sexual é um pedófilo. Entenda, a seguir, as diferentes categorias de agressores:

  • Pedófilo

Para a Psiquiatria, o pedófilo é um indivíduo que apresenta um transtorno sexual caracterizado por fantasias sexuais excessivas e repetitivas envolvendo crianças. Tem, portanto, uma parafilia – definida, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), como a recorrência de impulsos sexuais muito intensos e por fantasias e comportamentos não-convencionais de caráter compulsivo. 

Segundo os especialistas, a motivação que está por trás da busca pelos corpos infantis é o desejo sexual que o pedófilo nutre pela criança por se e o prazer obtido por meio dela. Dificilmente um pedófilo sente atração sexual por uma pessoa adulta. Segundo a psiquiatria especialista em pedofilia, os pedófilos provavelmente não tiveram um desenvolvimento psicossexual satisfatório. 

Revelam uma sexualidade imatura e pouco elaborada, o que os leva a temer a aproximação com parceiros adultos, já que esses podem resistir às suas investidas afetivo-sexuais. Por serem sexualmente inibidos, escolhem como parceiros as crianças (são mais vulneráveis e com menor capacidade de resistência), com as quais se identificam.

Ainda conforme os especialistas, o pedófilo não consegue estabelecer um controle racional ou objetivo diante de sua demanda erótica. Por isso, pode se tornar um abusador. E, se evita o contato com uma criança ou um adolescente, é provável que busque imagens de pessoas naquela faixa etária ou textos que correspondam a suas fantasias para se satisfazer.

  • Abusador

Longe do estereótipo de "monstro", atribuído muitas vezes pela mídia, o abusador geralmente não apresenta comportamento condenável social ou legalmente. Pode pertencer a qualquer classe social e, na maioria dos casos, está próximo da criança e conta com a confiança dela. 

Aproveita-se da relação assimétrica de poder que mantém com a vítima. O abuso do poder para fins de gratificação e satisfação sexual pode acontecer através de mecanismos de chantagem, ameaça ou violência explícita, mas pode configurar-se também por meio de um jogo emocional onde os desejos e conflitos não são explícitos e a vítima torna-se refém da trama de seus sentimentos, afirmam os especialistas.

Conforme a publicação Reconstrução de Vidas (2008), do Centro de Referência às Vítimas de Violência, do Instituto Sedes Sapientiae, o agressor sabe que seus atos abusivos são errados, ilegais e prejudicais à criança, mas mesmo assim os mantém. 
"O abuso não provoca uma experiência primária de prazer, e sim alívio de tensão. A excitação e a gratificação sexual levam à dependência psicológica e à negação dessa realidade", 
diz o texto. Ainda de acordo com a obra, nas famílias onde ocorrem práticas abusivas, há com frequência a presença de condições que favorecem esse tipo de interação, como fronteiras frágeis entre as gerações; estrutura familiar simbiótica, rígida ou caótica e vínculos disfuncionais que superprotegem ou excluem um ou outro de seus membros.

Conhecida as diferenças que podem parecer sutis, mas são de considerável relevância na abordagem do tema em questão, voltemos então à análise sobre a como tem sido a atuação da Igreja Evangélica nesse drama social.

Encarando o problema de frente


Para que a Igreja inicie um processo de discussão e compreensão dessa temática deverá levar em conta aspectos muito importantes, tais como:
  • a) Abordagem positiva da sexualidade, rompendo os limites dos aspectos biológicos da educação sexual. Conhecer os aspectos físicos, biológicos, psicológicos e relacionais (afetos, vínculos e valores) de cada etapa do desenvolvimento da sexualidade da criança e do adolescente é a melhor maneira de vivenciar experiências saudáveis, protetoras e positivas.
  • b) Promoção de bons tratos como um aspecto da justiça do Reino de Deus. A tarefa profética de denúncia do pecado – com vistas à responsabilização daqueles que cometem algum tipo de violência – e anúncio da restauração e cura às vítimas, deve combater ainda os sistemas sociais e culturais que favorecem a existência e manutenção da violência.
  • c) A Igreja como comunidade sanadora. Capacitar-se para acolher, acompanhar e responder às vítimas, mas também aos vitimizadores, ou seja, os autores de violência, incluindo quando possível os encaminhamentos técnicos devidos (psicólogos, assistentes sociais, médicos, etc.) Todos devem saber que a graça de Deus está disponível para a superação de traumas e tentações, e que as igrejas podem ser refúgios de segurança de cura de todas as vítimas de violência doméstica, independentemente da idade.
  • d) Tomar consciência da universalidade do Abuso Sexual e da existência de vítimas e agressores, de crenças e sistemas sociais que favorecem e mantém as situações de abuso sexual, dentro e fora do ambiente eclesiástico.
  • e) Ser um espaço de segurança e confiança que garanta o desenvolvimento pleno de seus membros, sendo modelo das relações saudáveis do Reino de Deus, baseadas no amor e no respeito mútuo, e não no poder. Todas as crianças dependem pais ou responsáveis para protegê-las. Quando a proteção não está disponível em seus lares e quando um dano ou algum tipo de rejeição é vivenciada, devem contar com o apoio de sua comunidade de fé, como foi efetivamente demonstrado por Jesus (Mateus 18:5,6).

Esvaziando os porões


O grande problema da igreja evangélica, é a mania que ela tem de espiritualizar tudo, "jogar a culpa no diabo" e, assim, se omitindo, lotando os porões da negligência e da inércia com os assuntos que não tem a coragem de enfrentar. Como poderia então a igreja atuar mais efetivamente no combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes? Segue algumas sugestões:

1 – Aceite a ideia de que esse problema apresenta grandes possibilidades de fazer parte da igreja.


O primeiro passo para agirmos nesse campo de batalha é aceitar que, possivelmente, há pessoas e famílias que estejam lutando silenciosamente contra esse problema. Isso não deveria nos surpreender, pois vivemos numa sociedade – da qual as famílias fazem parte dela – decaída e marcada pelo pecado.

2 – Procure conhecer, através da literatura, mais sobre a problemática do abuso sexual.


Muitos livros, seculares e cristãos, estão disponíveis no mercado. Artigos científicos encontram-se disponíveis na internet. Urge os pastores e líderes de crianças e adolescentes, especialmente, conhecerem os aspectos que envolvem a questão.

3 – Leve os líderes de sua igreja a se capacitarem a respeito do tema.


Pastores e líderes precisam ser capacitados sobre o assunto. Psicólogos, policiais podem ser chamados para falarem aos líderes sobre essa pauta.

4 – Procure saber mais sobre como a igreja e a família podem ser um lugar de proteção.


A igreja precisa tornar suas dependências um lugar seguro para crianças e adolescentes. Abusos sexuais podem acontecer nas dependências do templo. Para que isso não aconteça, é preciso formular um código de condutas de segurança para evitar o abuso.

5 – Ajude as famílias a se prevenirem.


Abuso sexual pode ser evitado. Brasileiros geralmente não valorizam, como deveriam, os aspectos preventivos. Esclareça aos pais sobre temas que envolvem o problema. Crianças e adolescentes que frequentam nossas igrejas precisam se ouvir e serem ouvidas nesse sentido.

6 – Faça da igreja um lugar de cura, um espaço terapêutico.


Em nossas igrejas há pessoas (vítimas e abusadores) que precisam ser tratadas com a graça curativa de Jesus Cristo. O abuso sexual é, em sua gênese, uma consequência da queda humana (Gênesis 3).

7 – Faça da sua igreja uma bênção nesta área.


Deus tem levantado pessoas e instituições para ser uma resposta ao desafio do abuso sexual. Movimentos como o "Bola na Rede" (bolanarede.org) vêm se destacando no Brasil para ajudar a Igreja a ser bênção para a sociedade brasileira. Peça apoio às organizações que trabalham com famílias (Ministério Oikos e outros) a fim de que auxiliem no trabalho de se pensar sobre o tema.

8 – Esteja atento e conheça os líderes que trabalham com crianças e adolescentes.


Não é paranoia, mas um cuidado. Procure conhecer o perfil psicológico dos líderes que trabalham com crianças e adolescentes para que não tenha surpresas nessa área.

A partir dessas orientações gerais uma série de atividades poderão ser estimuladas:
  • Promover debates, palestras, cursos, seminários, etc., com pessoas especializadas que possam oferecer uma visão mais abrangente e esclarecedora. Esta prática visa fornecer aos programas realizados pela igreja instrumentos que favoreçam fatores protetores em seus membros, especialmente nas crianças e adolescentes.
  • Aprofundar a reflexão bíblico-teológica entre seus membros sobre a questão violência. Analisar criticamente os textos bíblicos relacionados à temática, observando os aspectos históricos e culturais que os permeiam.
  • Inserir o tema o tema de forma permanente nos motivos de oração.
  • Desenvolver o papel protetor das famílias e da comunidade.
  • Criar ou fortalecer a prática do aconselhamento cristão, capacitando seus membros e líderes.
  • Desenvolver políticas próprias de proteção infantil na Igreja e em seus programas (escolas bíblicas, retiros, acampamentos, passeios, etc.) ou suas instituições dependentes (creche, escolas). Compõem como itens básicos de uma política de prevenção: Código de Conduta; Diretrizes para contratação de funcionários e voluntários [Baixe gratuitamente a cartilha: Manual de Orientações Práticas de Proteção a Criança na Igreja]. 
  • Desenvolver ações de acompanhamento de famílias de alto risco e vulnerabilidade.
  • Aprender a trabalhar em redes sociais cristãs e não-cristãs, privadas e estatais, ligadas ao tema, pois é uma maneira efetiva de enfrentar a multifatorialidade e complexidade do tema.
  • Manter a esperança e o compromisso, apesar dos fracassos, confiando em tudo o que Deus pode fazer, apesar de suas limitações.


Conclusão


Um programa amplo poderá também proteger o pessoal que lida diariamente com crianças e adolescentes de eventuais falsas acusações de abuso. Embora casos como estes sejam a minoria (menos de 5% das acusações) a criança deve ser acreditada e a situação investigada. Esta preocupação demonstra o reconhecimento do trabalho das pessoas dentro das igrejas e em seus programas.

Nenhum plano será completo, infalível, ou o melhor para qualquer situação, mas cada vida deve ser valorizada, e todo esforço para discuti-lo, redigi-lo, colocá-lo em prática e monitorá-lo revela uma profunda consideração por aqueles que são as maiores vítimas da violência, as quais não podem defender-se sozinhas e carecem, portanto, da proteção dos adultos comprometidos com um evangelho de paz, justiça e restauração.

[Fonte: Teologizar]
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