terça-feira, 29 de agosto de 2017

QUANDO ELES AINDA NÃO USAVAM BLACK-TIE

Guarnieri e Fernanda Montenegro em cena do filme de 1981
Enquanto eu fazia um estudo sobre as características do socialismo e do capitalismo para o meu curso de Administração em Empresas, me lembrei dessa obra que foi um marco na história do teatro nacional. É interessante ver a diferença dos cenários da época do lançamento da peça com o que vemos hoje, apesar de o tema da peça ainda permanecer tão atual 59 anos depois. 

Sobre a obra 


Primeira peça de Gianfrancesco Guarnieri, "Eles Não UsamBlack-Tie", de 1958, foi encenada pela primeira vez quando o movimento Cinema Novo começava a surgir e a convocar a arte ao neo-realismo. No lugar de cenários pomposos e figurinos luxuosos, ficaram apenas os elementos de cena indispensáveis. Ao invés de personagens ricos e nobres, operários e moradores do morro tomaram o palco. Ali, em plenos anos 50, negros eram cidadãos comuns. Pela primeira vez, os conflitos da realidade brasileira ganhavam espaço na caixa cênica. 

A peça ficou mais de um ano em cartaz em São Paulo, o que era inédito no teatro brasileiro. Ela aliou temas importantes como o movimento operário da década de 50 no Brasil e as difíceis condições de vida dos trabalhadores brasileiros, traçando um panorama realista das favelas dos grandes centros urbanos e apontando o cerne do abismo social entre dominantes e dominados. 

O Teatro de Arena foi fundado na cidade de São Paulo, em 1953, como o objetivo de se tornar uma alternativa à cena teatral da época. A intenção de seus idealizadores e fundadores era nacionalizar o palco brasileiro em contraposição ao tipo de teatro que se via praticado pelo TBC — Teatro Brasileiro de Comédia (um repertório exclusivamente internacional, com produções "sofisticadas" e que pouco ou nada retratavam a realidade nacional). 

Portanto, esse novo tipo de teatro, voltado para discussões sobre a realidade do país, chamou a atenção de vários segmentos da sociedade (e incomodou outros tantos), já que personagens como operários em greve e moradores das periferias, por exemplo, passaram a ser protagonistas de uma peça de teatro. 

Sobre o autor 


Em 1958, o Teatro Arena enfrentava sérias dificuldades econômicas e estava prestes a fechar suas portas quando ingressa no grupo o jovem ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri. Este jovem talento, que tinha sérias convicções sobre o teatro que deveria ser feito no Brasil, contribuiu enormemente para reerguer o grupo, que alcançou um estrondoso sucesso com "Eles Não Usam Black-Tie". 

Um teatro nacional é possível 


"Eles Não Usam Black-Tie" situa-se numa favela, nos anos 50, e tem como tema a greve, e ao lado da greve a peça tem como pano de fundo um debate sobre as grandes verdades eternas, reflexões universais sobre a frágil condição humana, sobre os homens e seus conflitos. É a história de um choque entre pai e filho com posições ideológicas e morais completamente opostas e divergentes, o que, por sinal, dá a tônica dramática ao texto. 

Escrita por Guarnieri e dirigida por José Renato, um dos fundadores do movimento do teatro de arena no Brasil, trata da greve operária, colocando em cena trabalhadores (moradores de uma favela) e seus problemas socioeconômicos. O TBC e a grande maioria das peças produzidas no país antes da década de 50 não tratavam da realidade vivida pelo nosso povo, ou seja, era o chamado teatro do entretenimento, muito presente ainda no cenário do teatro nacional. Ademais, esses textos tratavam da burguesia em peças geralmente cômicas, muito distantes da realidade brasileira. Daí o próprio nome "Eles Não Usam Black-Tie", uma clara provocação a este velho teatro engessado das classes reacionárias. 

A peça escrita por Guarnieri pode ser considerada precursora do movimento por um teatro realmente brasileiro. E por que não dizer, além de uma bandeira nacional, "Eles Não Usam Black-Tie" também desfraldou uma bandeira anti-imperialista e democrática, haja vista o ódio que despertou nos "Generais de 64" a temporada da peça em Salvador. 

Dramaturgia da vida operária 


Com trilha musical de Adoniran Barbosa, a primeira apresentação em público teve um "elenco de primeira": Eugênio Kusnet, ator experiente do teatro e cinema nacional, viveu o velho Otávio; Lélia Abramo, intelectual, politizada, vinda de experiências junto a grupos operários anarquistas, vive a mãe Romana; Miriam Mehler, recém-formada pela Escola de Arte Dramática, EAD, encarrega-se de Maria, amor de Tião, interpretado pelo autor da peça — o jovem Gianfrancesco Guarnieri. Outros papéis cabem a Flávio Migliaccio, Riva NimitzChico de Assis e Milton Gonçalves. 

A história de todos nós


A peça tem um roteiro consistente: o jovem operário Tião fura o movimento grevista, pois tendo engravidado a namorada teme perder o emprego na hora em que mais necessita de recursos. As consequências de sua atitude são dolorosas, enfrentando não apenas seu pai, o líder grevista, como sua própria namorada grávida, que o impele a frente da luta e o abandona no final. 

Tudo isso tendo como pano de fundo a São Paulo do final dos anos 50, o grande impulso industrial e com isso a carestia que passava o proletariado, o que exigia um movimento operário à altura. 

E mais do que isso, a peça é a história de um choque entre pai e filho com posições ideológicas e morais completamente opostas e divergentes, o que, por sinal, dá a tônica dramática ao texto. 

O pai, Otávio, operário de ideias progressistas, leitor de autores socialistas e, ao mesmo tempo um revolucionário por convicção e consciente de suas lutas. Forte e corajoso entre os seus companheiros, experimentou várias lutas, algumas prisões, com isso ganha destaque entre os seus transformando-se numa das principais lideranças da fábrica que trabalhava. 

O filho Tião, que, em razão das prisões do pai grevista, é criado praticamente na cidade, longe do morro, com os padrinhos, sem conviver com esse mundo de luta e reivindicação da classe operária. Já adulto e morando no morro com os pais, vive um dos maiores conflitos de sua vida. Em primeiro lugar não quer aderir à greve, pois acha que essa é uma luta inglória, sem maiores resultados para a classe. Em segundo lugar pretende se casar com Maria, moça simples, porém determinada e leal ao seu povo, e está esperando um filho seu. Desta forma, Tião está mais preocupado com o seu futuro do que com a luta de seus companheiros por melhores salários e pela transformação da realidade que viviam. 

Com diálogos emocionantes e o bom samba de Adoniran no fundo, todas as contradições vividas por aquela família operária são retratadas, apontando uma realidade que certamente era vivida por outras famílias de trabalhadores pelos outros cantos do país e do mundo. 

Riso e dor, alegrias e tristezas, conflitos e... reflexões! 


Foi quase uma década de sucesso em turnês por todo o Brasil. Assistida por milhares de pessoas, dentre estudantes, operários, intelectuais, pode-se dizer que os sessenta minutos de peça provocavam grandes reflexões. 

"Eles Não Usam Black-Tie" é um texto político e social, sempre atual, no qual Gianfracesco Guarnieri trouxe ao público uma peça forte e densa, revelando de maneira real os conflitos que atormentam personagens como Otávio, Romana, Tião, Maria e Bráulio. São tais encontros e são esses momentos alegres e comoventes que nos provocam o riso e a dor, alegria e tristeza. 

A qualidade da peça fez com que anos depois, em 1981, ela fosse adaptada para o cinema. Coube a Leon Hirszman produzir o roteiro e dirigir o filme. Ele convidou Guarnieri, 20 anos "mais vivido" para encarnar o velho Otávio. Fernanda Montenegro viveu a brava Romana. Carlos Alberto Riccelli e Bete Mendes interpretaram Tião e Maria respectivamente. 

O filme recebeu o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes e com certeza é um dos clássicos do cinema nacional. 

Conclusão 


Embora, na convencional teoria de dramaturgia teatral não se enquadre essa abordagem, o drama social é de natureza épica e por isso mesmo uma contradição em si mesma. Aqui, novamente Guarnieri quebrou também outra regra essencial, presente nos manuais do "bom drama": ao invés de trazer personagens "superiores" como protagonistas, ele se utilizou de gente humilde, trabalhadores comuns, para conduzir sua história. Mesmo as mais simples metáforas, foram pinçadas nos mais básicos valores de nossa cultura popular, como por exemplo, na metáfora do amor, o feijão, prato massivo na América do Sul, teria um "coração de mãe". 

A temática não é política, muito menos panfletária. O que discorre são relações de amor, solidariedade e esperança diante dos percalços de uma vida miserável. Assim, a peça alia temas como greve e vida operária com preocupações e reflexões universais do ser humano. Sob o olhar de Karl Marx, em um retrato iluminado por um feixe de luz na parede do cenário, o debate entre a coletividade e o individualismo, simultaneamente cru e sensível, vai crescendo. 

"Eles Não Usam Black-Tie" é um marco do teatro de temática social 


Foi com a encenação de "Eles Não Usam Black-Tie", que se iniciou uma produção sistemática e crítica de textos dispostos a representar as classes subalternas, com ênfase para a representação do proletariado. Nesse sentido, a peça de Guarnieri insere-se num quadro que se ampliou a partir da década de 1950, quando surgiu uma dramaturgia com preocupações ligadas à representação de uma camada específica da sociedade brasileira e, para além disso, em busca da construção de uma identidade nacional pautada em variedades culturais internas.

[Fonte: Passei Web; EBC]

A Deus toda glória.

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.E nem 1% religioso.

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