quinta-feira, 25 de maio de 2017

A DIFERENÇA ENTRE IGREJA EM CÉLULA E IGREJA COM CÉLULA

Algumas igrejas consideram a possibilidade de implantar grupos pequenos, familiares ou células, mas a explosão de movimentos heterodoxos divide opiniões. Além disso, a implementação desses grupos é relativamente simples em igrejas pequenas, mas complexo em igrejas com estruturas consolidadas. Seriam os grupos pequenos uma estratégica bíblica ou mero modismo?


Igreja com células e igreja em células


Há uma diferença entre igrejas com células e igrejas em células. No primeiro caso, os grupos pequenos são estabelecidos como uma opção de ministério que funciona conjuntamente com os outros departamentos, ou seja, continuam existindo as sociedades internas e a escola dominical, por exemplo.

Nas igrejas em células as estruturas fundamentais da igreja passam a ser a reunião da grande congregação (o culto dominical) e as células. Em alguns casos, isso leva ao desmonte das forças de integração, departamentos e escola dominical.

Algumas objeções ao trabalho com células


O trabalho com células é às vezes rejeitado por causa de sua ênfase pragmática; pela possibilidade de descentralização indevida do ministério da Palavra e dos sacramentos; pela probabilidade de liderança imatura e, finalmente, pelo perigo de desmonte das forças de integração e departamentos da igreja.

  • O perigo do pragmatismo

Basta tecermos a definição de Pragmatismo segundo o dicionário Aurélio para que entendamos que pragmatismo aliado a religiosidade não gera nada que nos seja útil, quando temos em mente como útil, aquilo que defende a causa cristã. Segundo o Aurélio, pragmatismo pode ser conceituado como tese fundamental de que a verdade de uma doutrina consiste no fato de que ela seja útil e propicie alguma espécie de êxito ou satisfação. 

Logo, o pragmatismo religioso cristão estaria ligado à crença de que a doutrina cristã consiste na necessidade dela ser útil, propiciando êxito e satisfação aos seus ouvintes. Que êxito? Que satisfação? Segundo os pensamentos vigentes de nossa sociedade, todas essas coisas estão ligadas às necessidades físicas, aliás, aos interesses do ego, pois já não há ninguém que busque necessidades e sim interesses. 

Dentro da ótica pragmática, tudo aquilo que não for útil ou relevante, àquilo que desejo e anseio, deve ser descartado. Daí, surge a linha interpretativa da teologia da prosperidade, do evangelho positivista, da libertação, que descarta partes das Escrituras que contradizem àquilo que quer crer e fica com aquilo que convém.

Ao assumir um trabalho com células, as igrejas precisam cuidar para não abraçar uma estratégia mais empresarial do que bíblica. Isso acontece quando os grupos são focados no alcance de metas numéricas de crescimento.

Exige-se e verifica-se a produtividade de cada grupo. Os crentes são motivados a cumprir sua cota no crescimento da igreja e a multiplicação de "discípulos" é encaminhada de maneira muito similar aos alvos de expansão de vendas de uma empresa. Além disso, estabelecem-se cronogramas: uma célula tem de alcançar determinado número de membros em certo número de meses; se ela não crescer segundo as expectativas, deve ser reorganizada ou deixar de existir.

O fundamento de todo trabalho cristão deve ser genuinamente bíblico. Infelizmente, por detrás da argumentação pretensamente comprometida com a simplicidade e o cumprimento da missão de Jesus de alguns modelos de igreja em células, há um paradigma mais empresarial do que cristão.
  • O perigo da descentralização excessiva do governo da Palavra
Em algumas igrejas em células, o ideal de aplicação da doutrina do sacerdócio universal é levado a extremos. Não apenas a administração da Palavra e dos sacramentos, mas até a prática da disciplina eclesiástica ocorre, não mais na reunião geral da igreja, e sim no âmbito das células. Há modelos em que cada líder de célula é imbuído de autoridade pastoral.

Essa prática fere o ensino da Bíblia. No livro de Atos, ainda que a igreja se reunisse nas casas, o ministério da Palavra e dos sacramentos, bem como a aplicação pública da disciplina, ocorriam sob a liderança dos apóstolos e sob as vistas da assembleia reunida (4:33; 5:5;9-11; 6:3,4). O governo da igreja pela Palavra foi dado aos oficiais devidamente instituídos por Deus para o pastoreio dos crentes (Efésios 4:11-16; At 20:17-35; 1 Timóteo 3:1-7 e Tito 1:5-9). Esse ensino carrega três implicações:
  1. A doutrinação formal dos crentes é uma responsabilidade dos pastores e presbíteros.
  2. Os sacramentos são unidos ao ministério da Palavra e, por conseguinte, sua administração é restrita aos pastores ordenados.
  3. A administração da disciplina eclesiástica, pelo menos a partir de seu terceiro estágio (Mateus 18:15-17), é atribuição exclusiva da Liderança da igreja.
E não apenas isso; determinados modelos de igrejas em células pecam pela abertura ao exercício imaturo de liderança.
  • O perigo da liderança imatura
Em algumas igrejas em células, pessoas assumem a liderança de grupos com pouco tempo de conversão, sem sequer conhecerem as doutrinas fundamentais do cristianismo.

O modelo verdadeiramente bíblico dos "doze" ensina o contrário. O Senhor Jesus só liberou seus discípulos para liderar a igreja após três anos de treinamento profundo e intenso. Um novo convertido não está pronto para liderar o trabalho de Deus (1 Tm 3:6). Líderes devem ser conhecedores da doutrina e previamente testados e aprovados no caráter, na vida familiar e no serviço cristão (3:8-13).

Considerando que o governo da igreja foi dado por Cristo aos pastores e mestres, o ideal é que os grupos familiares sejam dirigidos pelos presbíteros docentes e regentes, auxiliados por irmãos cujo conhecimento doutrinário, maturidade e testemunho sejam conhecidos e aprovados pelo Conselho.

Uma base adequada para o trabalho com células


Para a implantação correta de células, grupos familiares ou grupos pequenos, apresentamos quatro blocos de informações da Escritura Sagrada.

A igreja é mais do que uma instituição formal


A igreja é, ao mesmo tempo, "família de Deus" e "corpo de Cristo" (Ef 2:19; Romanos 12:4,5). Isso aponta para dois fatos importantes. Primeiro, apesar do cuidado legítimo com estruturas físicas e organizacionais, a igreja não pode ser identificada meramente com um prédio ou instituição jurídica. Como grupo social organizado, ela possui personalidade jurídica, um patrimônio e lugar no qual se reúne para articular os serviços orientados pela Escritura. No entanto, todas essas coisas não são propriamente "a igreja". A palavra grega mais usada no Novo Testamento e traduzida por "igreja" significa, literalmente, uma assembleia convocada, um grupo de pessoas agregadas para adorar, testemunhar e servir.

Em segundo lugar, os cristãos se integram à igreja para servir no poder do Espírito Santo. A igreja cresce ao se esforçar pela unidade, reconhecendo o oficialato como dom de Cristo para o exercício do governo pela Palavra, amadurecendo pelo desfrute da sã doutrina, seguindo a verdade em amor, com cada crente desempenhando seu serviço para o benefício dos demais (Ef 4:1-16).

Deus dispensa graça na comunhão cristã


A verdadeira igreja de Cristo possui três marcas inconfundíveis:
  1. Pregação e ensino fiéis das Escrituras.
  2. Administração correta dos sacramentos.
  3. Exercício bíblico da disciplina.
A disciplina capacita para a obediência ao Senhor e compreende toda admoestação, exortação (estímulo) e ação corretiva em amor. Ela é administrada num contexto de pessoalidade leiga, antes de ser levada à liderança da igreja (Mt 18:15-20). Trata-se de uma função de manutenção cotidiana da saúde de um organismo vivo e não apenas um procedimento de penalização daqueles que infringem regras sociais ou religiosas.

Isso é chamado de reciprocidade ou mutualidade do corpo. Os cristãos são responsáveis uns pelos outros e devem se amar, acolher-se, perdoar-se e cuidar-se mutuamente (Mt 28:20; João 15:7, 14; Rm 15:7; Gálatas 5:15,22,23, 6:1,2; Ef 4:25,5:2; Filipenses 2:1-8; Colossenses 3:12-17; Hebreus 10:23-25, 12:4-13). Existem, no Novo Testamento, dezenas de mandamentos de reciprocidade. A expressão "uns aos outros" ocorre 53 vezes na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA). A intenção do Senhor é estabelecer uma comunidade de ministração mútua. Igreja, então, é uma família que se relaciona (Jo 17:21-23).

Sobre a união dos irmãos, Deus ordena "a sua bênção e a vida para sempre" (Salmo 133:3). Assim sendo, a prática da mutualidade produz uma malha de relacionamentos fraternos permeada pela graça de Deus, que inspira e capacita os cristãos a darem de si mesmos em favor uns dos outros. Dito de outro modo:
  • A igreja é assumida como comunidade graciosa, cuja característica mais proeminente é o amor de Cristo demonstrado nos relacionamentos (Jo 13:35).
  • A vida da igreja proporciona provisão para o atendimento das necessidades integrais de seus membros e frequentadores (At 4:32-35). 
A prática da mutualidade, conforme descrevemos, implica nas seguintes mudanças:
  • De igreja centrada em programas para igreja centrada em relacionamentos.
  • De igreja de clientes ou expectadores de desempenhos para família de discípulos.
  • De igreja impessoal para corpo de voluntários para auxiliar na restauração e cura.
  • De igreja voltada para o encontro dominical descompromissado para igreja voltada para o envolvimento diário com Deus e o próximo. Em suma, o Novo Testamento convoca os crentes a desfrutar da comunhão da igreja como um meio de graça subjetivo, para glória de Deus.

A igreja apostólica reunia-se em grupos pequenos


Pelo menos até o período em que os discípulos eram considerados um segmento do judaísmo, eles se reuniam no templo de Jerusalém e nas sinagogas (At 2:46; 3:1). Depois os judeus perseguiram os crentes em Jesus, expulsando-os dos locais de adoração pública (At 8:1-4; 18:1,4,6; 21:27-34).

Os primeiros cristãos também se reuniam em residências (At 2:42-47; 5:42; 10:24-48; 12:12; 20:7-12; Rm 16:3-5,14,15). Mesmo antes das perseguições, eles alternavam entre as reuniões maiores e os grupos menores. Não encontramos, porém, nenhum mandamento para a organização da igreja local em grupos pequenos, tal como sugerem os defensores das igrejas em células. 

Não podemos dizer, com base nas Escrituras, que é vontade absoluta do Senhor que as igrejas desmontem suas estruturas tradicionais e assumam o modelo em células. É possível, orientados pela Bíblia, afirmar que os cristãos se reuniam tanto no templo quanto nos lares. Dizer mais do que isso é forçar as evidências.

Igrejas maiores exigem pastoreio compartilhado


O trabalho com células pode se beneficiar da prática de pastoreio registrada em Êxodo 18:13-27. Moisés não conseguia atender a todas as demandas de pastoreio dos israelitas. A multidão sob seus cuidados era enorme (12:37). A centralização do pastoreio esgotou tanto ele quanto o povo. Sendo assim, Moisés dividiu o trabalho (18:21,22). Isso permitiu que muito mais fosse feito com menos esforço, liberando-o para a intercessão e o ensino (18:17-23).

Algumas razões para trabalhar com células ou grupos familiares


Há igrejas que fazem bom uso do trabalho com células como canais para aprofundamento da comunhão e prática da mutualidade e evangelização. Isso se aplica especialmente às igrejas inseridas em cidades maiores. Nas comunidades rurais, um pastor cuida dos crentes sem muitos atropelos. 

Em uma comunidade urbana, as realidades são mais complexas. Há menos tempo para diálogos calmos, mais demandas de toda ordem e maior pressão na vida profissional e acadêmica. O trabalho com células ou grupos pequenos permite aos crentes amar, testemunhar e servir de forma diferenciada.

Nas células, cada membro pode ser acompanhado ao mesmo tempo em que cuida de outros. Imaginemos que um jovem chega a uma igreja com a vida totalmente pulverizada. É importante que alguém vá até ele para compartilhar o evangelho e, caso ocorra conversão, acompanhe-o no discipulado. Isso pode ocorrer em um grupo pequeno.

Pensemos ainda no Conselho de uma igreja de médio porte, composto por um presbítero docente e seis regentes, que descobre que setenta pessoas precisam urgentemente de visita. Cada oficial assume a responsabilidade de visitar dez pessoas, três pessoas por semana. Essa iniciativa, se levada a efeito sem interrupções, levaria um pouco mais de vinte e um dias. 

Uma vez que os presbíteros são responsáveis também por toda a gerência da igreja, é possível que, ao cabo dessas semanas, nem todas as pessoas seriam bem pastoreadas e daí, surgiria murmuração com o consequentemente esgotamento da liderança. 

Um bom trabalho de grupos familiares ou células permitiria distribuir a visitação entre os membros dos grupos, contatando todas as pessoas rapidamente. A liderança se concentraria nas visitas recomendadas pelos voluntários, lidando com uma carga menor de trabalho, com menos desgaste para a vida da igreja.

Repetindo, as células podem prover atendimento efetivo de necessidades com menor esforço. Elas abrem oportunidades para o pastoreio mútuo, permitindo acompanhar com mais zelo cada membro da igreja por meio de uma estrutura de pastoreio descentralizado.

Não há nada novo debaixo do sol


O sábio nos ensina que não há novidades "debaixo do sol"(Eclesiastes 1:9,10). Isso se aplica ao trabalho com células. O fato é que uma igreja não precisa necessariamente do trabalho com células para aprofundar comunhão e praticar a mutualidade ou evangelização. Igrejas com sociedades internas, por exemplo, podem suprir essas demandas se organizando em departamentos.

O desafio se encontra muito mais em fazer com que a igreja entenda seu chamado como família e corpo de Cristo, o modo com Deus dispensa graça por meio da comunhão cristã e o exemplo da igreja se reunindo em lares. Em seguida, devemos organizar nossas práticas à luz desta compreensão.

Conclusão


Seria o trabalho com células uma estratégica bíblica ou mero modismo? Sim, há base na Bíblia para esse trabalho. Os grupos podem contribuir para o desenvolvimento eclesiástico equilibrado. Isso deve ser feito compreendendo que tal modelo não garante crescimento automático. Plantamos e regamos a semente do evangelho, certos de que o crescimento numérico ocorre ou não, segundo a vontade do Senhor (1 Co 3:6,7).

Além disso, cada igreja é única. O pastor ou líder que deseja copiar um modelo de outra igreja certamente se frustrará, porque cada líder e comunidade são singulares.

Os grupos pequenos resgatam a igreja simples. Eles permitem o entrelaçamento pessoal e a possibilidade de os membros se visitarem e aprofundarem a experiência de comunhão. Participar desses grupos pode significar se encontrar com os irmãos, conhecê-los por seus nomes, tomar conhecimento de suas alegrias e tristezas, enfim, manter acesa uma chama de amizade condizente com a proposta do evangelho.

[Fonte: Revista Ultimato http://www.ultimato.com.br/revista/]

A Deus toda glória.
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