Este assunto há tempos é motivo de acalorados debates teológicos: afinal, com quem Saul conversou? Há quem acredite - inclusive no meio evangélico - que tenha sido de fato com Samuel, que já havia morrido. Essa também é uma das passagens usadas pelos seguidores da doutrina espírita como "base bíblica" para defesa na crença e na prática da necromancia (suposta arte de adivinhar o futuro por meio de contato com os mortos).
Explicando o texto de acordo com o seu contexto
Preliminarmente, ressaltamos, que o capítulo 28 de 1 Samuel, a começar do seu versículo 7 até o 25, foi escrito por uma testemunha ocular; logo, por um dos servos de Saul que o acompanhou à necromante: vv.7,8. Frequentemente, esses servos eram estrangeiros e quase sempre supersticiosos, crentes no erro – razão por que o seu estilo é tão convincente.
Esta crônica que é parte da história de Israel, pela determinação divina, entrou no Cânon assim como os discursos dos amigos de Jó (42:7), as afirmações do autor de "debaixo do sol" (Eclesiastes 3:19) e a fala da mulher de Tecoa (2 Sm 12:2-21), que são palavras e conceitos meramente humanos.
A confusão gerada pelo assunto exposto no texto é porque foi analisado o ponto de vista do servo de Saul. Todavia, sobre a questão se Samuel falou ou não com Saul, a Bíblia é bem clara e tem argumentos definidos para desmentir todas e quaisquer afirmações hipotéticas e asseverações parapsicológicas a seu respeito. Examinaremos alguns desses argumentos e veremos a impossibilidade de ter sido Samuel a pessoa com quem falou Saul:
1. Argumento gramatical (v.6):
"…o Senhor… não lhe respondeu". O verbo hebraico é completo e categórico. Na condição que Saul estava, Deus não lhe responderia e não lhe respondeu. O fato é confirmado pela frase: "…Saul… interrogara e consultara uma necromante e não ao Senhor…" (1 Crônicas 10:13,14).
2. Argumento exegético (v.6):
"Nem por Urim" – revelação sacerdotal (vv.14,18), "nem por sonhos" – revelação pessoal, "nem por profetas" – revelação inspiracional da parte de Deus. Fosse Samuel o veículo transmissor, seria o próprio Deus respondendo, pois Samuel não podia falar senão por inspiração. E, se não foi o Senhor, não foi Samuel.
3. Argumento ontológico:
Deus se identifica como Deus dos vivos: de Abraão, de Isaque, de Jacó: Êxodo 3:15; Mateus 22:32. Nenhum deles perdeu a sua personalidade e sua integridade. Seria Samuel o único a poluir-se, contra a natureza do seu ser, contra Deus e contra a doutrina que ele mesmo pregara (1 Sm 15:23), quando em vida nunca o fez? Impossível.
4. Argumento escatológico:
O pecado de Samuel tomar-se-ia mais grave ainda, por ter ele estado no "seio de Abraão", tendo recebido uma revelação superior e conhecimento mais exato das coisas encobertas, e não tê-las considerado, nem obedecido às ordens de Deus: Lucas 16:27-31. Mas Samuel nunca desobedeceu a Deus (1 Sm 12:3,4).
5. Argumento doutrinário:
Consultar os "espíritos familiares" é condenado pela Bíblia inteira. Logo, aceitando a profecia do pseudo-Samuel, cria-se uma nova doutrina, que é a revelação divina mediante pessoas ímpias e polutas. E, além disso, para serem aceitas as afirmações proféticas como verdades divinas, é necessário que sejam de absoluta precisão; o que não acontece no caso presente.
6. Argumento profético:
Deuteronômio 18:22 – As profecias devem ser julgadas (1 Coríntios 14:29). E essas do pseudo-Samuel não resistem ao exame. São ambíguas, imprecisas e infundadas. Vejamos:
a) Saul não foi entregue nas mãos dos filisteus (1 Sm 28:19), mas se suicidou (31:4) e veio parar nas mãos dos homens de Jabes-Gileade (11,13). Infelizmente, o pseudo-Samuel não podia prever este detalhe;
- b) não morreram todos os filhos de Saul ("… tu e teus filhos", 28.19) como insinua essa outra profecia obscura. Ficaram vivos pelo menos três filhos de Saul: Isbosete (2 Sm 2:8-10), Armoni e Mefibosete (21:8). Apenas três morreram, como anotam clara e objetivamente as passagens seguintes: 1 Sm 31:6 e 1 Crônicas 10:2-6;
- c) Saul não morreu no dia seguinte ("…amanhã… estareis comigo", 1 Sm 28:19). Esta é uma profecia do tipo délfico, ambígua. Saul morreu cerca de dezoito dias depois (30:1,10,13,17; 2 Sm 1:13). Afirmar que a palavra hebraica "mahar" (amanhã), aqui, é de sentido indefinido, é torcer o hebraico e a sua exegese, pois todos vão morrer mesmo, em "algum dia" no futuro, isto não é novidade;
- d) Saul não foi para o mesmo lugar que Samuel ("…estareis comigo", 1 Sm 28:19). Outra profecia inverossímil: interpretar o "comigo" por simples "além" (Sheol), é tergiversar. Samuel estava no "seio de Abraão", sentia isso e sabia a diferença que existe entre um salvo e um perdido. Jesus também o sabia, e não disse ao ladrão que estava na cruz: "Hoje estarás comigo no além (Sheol)", mas sim no "Paraíso". Logo, Samuel não podia ter dito a Saul que este estaria no mesmo lugar que ele: no "seio de Abraão". Porque com o ato abominável e reprovado de Saul em consultar uma feiticeira e não ao Senhor, foi completamente anulada a sua possibilidade de ir para o mesmo lugar de Samuel – o "seio de Abraão".
Ainda notamos este absurdo, analisando a palavra "médium" (heb), que é traduzida em outras versões por "espírito adivinhador" ou "espírito familiar" e no texto grego (LXX - Septuaginta) por "engastrimuthos", que significa ventríloquo, isto é, um de fala diferente, palavra que indica a espécie de pessoa usada por um desses espíritos.
Assim concluímos que:
- Não foi Samuel quem apareceu e falou com Saul, mas sim um espírito demoníaco.
- Nenhum morto por invocação humana pode aparecer ou falar com alguém, e quanto mais Samuel.
- Todas as predições do pseudo-Samuel estavam deturpadas. Nada se cumpriu. Isto é um verdadeiro contra-senso, visto que, Samuel quando em vida, "nenhuma só das suas palavras caiu por terra" (1 Sm 3:19).
- Quem pratica tais coisas, a saber, invoca os mortos, consulta necromantes, está sendo logrado pelas artimanhas de Satanás.
- Deus é Deus dos vivos e não dos mortos (Mateus 22:32). Assim, aqueles que invocam os mortos estão indo de encontro a essa lei básica e bíblica.
- Não existe, portanto, neste trecho nenhuma similaridade ou abertura para supostos fundamentos de doutrinas heréticas. Ademais, todos esses argumentos provam categoricamente a impossibilidade de tais pensamentos. A Bíblia é a verdade.
[Fonte: Livro – “A Bíblia Responde” – Editora CPAD]
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