sábado, 25 de março de 2017

O CULTO É RACIONAL... E PESSOAL

"Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional." 
Romanos 12:1 (grifo e ênfase acrescentados)
Muitas são as pessoas que estão nas igrejas como "fiscais de Deus". São aquelas pessoas que vão às reuniões de culto apenas como expectadoras ou avaliadoras. Essas tais se portam como se fossem "olheiras do Espírito", "fiscais do Céu". Ficam lá, inertes em seus lugares só observando e criticando.

Observam a decoração da igreja e analisam se esta tudo de acordo (com seus gostos pessoais, obviamente). Observam o louvor da igreja e analisam se as músicas cantadas estão de acordo (com suas preferências, claro). Observam se os músicos estão tocando direitinho ou não. Ficam de ouvidos atentos para ver se os cantores irão desafinar. Ficam olhando se os irmãos ao redor estão com olhos fechados e mãos levantadas. Se dançam ou não, se batem palmas ou não.

E não é só. Essas criaturas observam também o pregador. Se quem vai pregar a Palavra prega direitinho. Se o pregador fala errado. Se ele está bem vestido e com que roupa está vestido. Olham os sapatos, olham os cabelos... se pudessem pediriam para dar uma olhadinha até nas peças íntimas. 

Essas pessoas são as críticas de plantão. Elas criticam tudo. Mas não para ajudar é só pelo prazer azedo e amargo de perturbar mesmo. E para elas, geralmente nada está bom. Elas nunca terão uma palavra de elogio ou incentivo. Para elas, ou o som está muito alto, ou o som está muito baixo - de um jeito ou de outro, tais criaturas "nunca ouvem e nunca entendem nada". E se engana quem pense que essas preciosidades aparecem com alguma sugestão. Nunca sugerem nada. Aliás, nunca fazem nada. Estão ali, plantadas dentro da igreja só para ocupar lugar. 

Reclamam da postura dos outros irmãos, reclamam da postura dos obreiros, reclamam da postura do pastor... reclamam, reclamam e reclamam. Se o pastor fala sobre finanças, ele é ladrão, só pensa em dinheiro; se não fala é covarde, então as condições da igreja estão indo bem, não têm com que se preocupar, vai ver o pastor é cheio da grana. 

Se o pastor exorta contra o pecado; ele é duro, radical demais, assim ninguém aguenta, afinal ninguém é perfeito e será que ele tem mesmo autoridade para pregar sobre isso? Se ele não exorta contra o pecado, ele é omisso, permissivo, frouxo e por isso a igreja está do jeito que está, essa bagunça. Se o pastor cobra os compromissos, ele está querendo obrigar os outros a fazer as coisas e para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Se ele não cobra os compromissos, está fazendo a obra de Deus relaxadamente, deixando todo mundo fazer o que quer, por isso a igreja não desenvolve.

E o culto? Para ser bom o culto tem de ser do jeito que esses ilustres gostam. Se a pregação for muito grande, o culto foi frio. Ninguém aguenta tanta falação. Se a pregação for curta, não está dando prioridade à Palavra. Os que gostam do "fogo", se não tiver fogo (e aqui cada um tem sua concepção, seu entendimento e sua definição desse "tal fogo"), sai reclamando que o culto foi frio. Que faltou unção. 

Os que não gostam saem reclamando dos exageros, afinal tudo tem de ser com ordem e decência. Pra que tanta gritaria? Deus é surdo por acaso? Pra que pular tanto? Garanto que estava todo mundo na carne. Aliás, essas joias estão sempre com um medidor de unção nas mãos. Parece que são pós graduados em "unciologia sistemática avançada". 

Ah, e tem também os teólogos de plantão. Aqueles que fazem uma minuciosa análise da Palavra ministrada. Observam se o culto obedeceu todo o ritual ortodoxo. Se cumpriu todos os parâmetros da liturgia doutrinária. Analisam a exegese, a oratória, a homilética e a hermenêutica do sermão. Se faltar alguma coisa o culto não foi bom. 

Mas afinal, qual é o conceito bíblico de culto?


  • Breve conceito teológico
A palavra "culto" deriva do Latim, cultu, e significa adoração ou homenagem a Deus. Etimologicamente, o termo latino cultu envolve a raiz colo, colere, que indica "honrar", "cultivar", etc. Classicamente, os reformados ortodoxos definiram "religião" como recta Deum colendi ratio, "a maneira correta de honrar a Deus".  

Os principais termos que descrevem o ato/atitude de "culto" são o Hebraico, החָשָׁ (shachah) e o Grego, προσκυνέω (proskuneo). Essas duas palavras e seus derivados correspondem a 80% do uso cúltico bíblico. O primeiro vocábulo, shachah, significa "inclinar-se, prostrar-se", como, por exemplo: 
"E acontecerá que desde uma lua nova até a outra, e desde um sábado até o outro, virá toda a carne a adorar [lit. "prostar"] perante mim, diz o Senhor" (Isaías 66:22). 
A segunda palavra, proskuneo, indica originalmente "abaixar-se para beijar", vindo a indicar "prostrar-se para adorar", "reverenciar", "homenagear", etc. O exemplo clássico sai da boca de Jesus: 
"Deus é Espírito, e é necessário que os que o adoram [προσκυνοῦντας] o adorem [προσκυνεῖν] em espírito e em verdade" (João 4:24).
Há ainda dois importantes termos que expressam ideias de culto. O primeiro é דבַעָ (abad), "servir", "trabalhar". Por exemplo, Yaweh diz a Moisés: 
"Certamente eu serei contigo; e isto te será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado do Egito o meu povo, servireis a Deus neste monte" (Êxodo 3:12). 
A segunda palavra é λατρεία (latreia), "servir", como visto no "diálogo" de Cristo com o diabo: 
"Então ordenou-lhe Jesus: 'Vai-te, Satanás; porque está escrito: "Ao Senhor teu Deus adorarás [προσκυνήσεις], e só a ele servirás [λατρεύσεις]"'" (Mateus 4:10). 
É interessante notar que um dos locus classicus de adoração e culto utiliza este termo para descrever a entrega do corpo a Deus como "culto racional" [λογικὴν λατρείαν], em Romanos 12:1, o nosso texto em análise nesse artigo.

O que se pode concluir deste rápido estudo teológico e etimológico? "Cultuar" envolve tanto a 'homenagem' ou 'reverência' a Deus, quanto o 'serviço' a sua Pessoa!


Culto racional e pessoal


Apresentar os nossos corpos a Deus é o nosso "culto racional" (Romanos 12:1). Qual o significado desta expressão? Para entender o termo usado por Paulo, devemos compreender as duas palavras que ele empregou.

Culto traduz a palavra grega "latreia" que aparece cinco vezes no Novo Testamento. Na Bíblia, tradução Almeida Revista e Atualizada (ARA) 2ª Edição, é traduzida "culto" em João 16:2; Romanos 9:4, 12:1 e "serviço(s) sagrado(s)" em Hebreus 9:1,6. Significa serviço. Pode ser o serviço de obediência a Deus em geral, ou pode se referir, como nas duas citações em Hebreus 9, aos atos específicos de louvor dirigidos a Deus. 

Assim, a palavra culto, em nosso uso hoje, corretamente descreve o serviço dado ao Senhor quando cristãos o adoram. Mas, a mesma palavra pode abranger qualquer ato de obediência que honra o nome de Deus.

Racional vem da palavra grega logikos. Nesta palavra, não é difícil ver a ideia da lógica ou raciocínio. Este adjetivo aparece, no Novo Testamento, somente aqui e em 1 Pedro 2:2, onde descreve o leite espiritual. A forma do substantivo logos, porém, aparece mais de 300 vezes no NT, e é traduzida por termos como palavra, conta, ensinamento, modo, ditado, testemunho, verbo, etc. A ideia principal tem a ver com discurso e raciocínio.
  • O que é, então, o nosso culto racional? 
Uma vez que entendemos o que Deus tem feito por nós, faz sentido nos dedicar a Ele em obediência e serviço. O uso da palavra "pois" em Romanos 12:1 mostra que este serviço razoável se baseia nas coisas ditas anteriores. Paulo acabou de falar sobre a profundidade da riqueza de Deus, que nos criou e nos deu a salvação de graça (Romanos 11:33-36). Por isso, devemos nos dedicar ao Senhor.


Conclusão


Nenhuma outra resposta faz sentido. Rejeitar o Deus que nos deu a vida – duas vezes! – seria loucura. Não amar aquele que nos ama tanto não seria sensato. Rebelar-se contra o soberano que tem demonstrado sua bondade e severidade (Romanos 11:22) seria totalmente ilógico.

Romanos 12:1 frisa um fato importante no estudo da palavra de Deus. Nosso estudo nunca deve se reduzir a um exercício acadêmico – aprendendo só para saber. O conhecimento da palavra de Deus exige uma aplicação prática. A maioria das cartas do NT, como é o caso de Romanos, contém uma série de aplicações práticas no final, depois de estabelecer a base doutrinária. Tiago disse: 
"Tornai-vos, pois, praticantes da palavra, e não somente ouvintes" (Tiago 1:22). 
Como conforto e garantia de vitória, temos as palavras do Mestre que nos assegurou sua presença onde estivessem dois ou três reunidos em Seu Nome (Mt 18:20); nos assegurou Sua presença no estabelecimento da nova aliança e comunhão de Seu Corpo e Sangue (Mt 26:26-29); e, finalmente, nos assegurou sua presença 
"até a consumação do século" (Mt 28:20). 
Nem anjos, nem principados, nem coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura, poderá nos separar da presença [amor] de Deus e de Cristo Jesus. 

Finalmente, sendo esta presença uma verdade irrefutável, cultuemos, 
"...àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos ante a sua glória imaculados e jubilosos, ao único Deus, nosso Salvador, por Jesus Cristo nosso Senhor, glória, majestade, império e poder, antes de todos os séculos, e agora, e para todo o sempre. Amém" (Jd 24-25).
Este é o nosso culto racional! Espero em Deus que todos tenham entendido.

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