sexta-feira, 3 de março de 2017

DISCOS QUE EU OUVI - ESPECIAL: MAMONAS ASSASSINAS

Único álbum de estúdio oficial gravado pela banda, e até hoje muito aclamado. Espere para ouvir de tudo neste tape, desde sátiras de clássicos a até riffs de guitarra que imitam a risada do pica-pau. "Mamonas Assassinas" (o álbum) é um clássico do Pop Rock brasileiro e ganhou facilmente disco de diamante, vendendo mais de 2 milhões de cópias apenas no ano de laçamento. 

Dadas as devidas proporções, eu o considero um dos melhores álbuns já lançados nesse país, a alegria e a energia que a banda tinha é facilmente transmitida ao ouvinte durante a execução. Influências claras de heavy metal, sertanejo e pagode tomam conta das 14 músicas. Pode crer que essa é uma das resenhas mais imparciais (e talvez mais "filosófica") que farei nessa série especial.


A história do disco


Quem viveu nos anos 1990, mais precisamente no ano de 1995, certamente se lembra da passagem meteórica dos Mamonas Assassinas no cenário musical [leia mais ➫ aqui]. O grupo formado por Dinho, Samuel , Bento, Sergio e Júlio lançou uma das maiores pérolas da música brasileira. 

Depois de tentar emplacar sem sucesso como grupo Utopia, os integrantes criaram uma nova identidade fazendo a banda se chamar Mamonas Assassinas, mudou o repertório com músicas debochadas que provocaria muita polêmica se lançadas hoje em dia, nesses chatos tempos do politicamente correto e despertou o interesse de um dirigente da EMI. 

E, assim, o único álbum do grupo foi gravado em menos de dois meses, produzido por Rick Bonadio (o por eles apelidado de "Creuzebeck") e mixado por Jerry Napier, tudo tão meteórico quanto bem-feito.

Posso contestar? 

Um disco "filosoficamente profético"


Ainda está presente em nossas cabeças o modelo irreverente de um grupo musical que contestava todos os costumes do mundo moderno. Vejamos sua contestação e desejo de mudança.

A pergunta do subtítulo nos leva a indagar sobre o homem, o tempo hodierno e uma possível filosofia do sujeito humano, no limiar do milênio, quiçá escondida e propositadamente abafada sob a frenética aparência dos rapazes de Guarulhos. Eles cantavam já na abertura do disco em '1406 (Money)':
"Eu queria um apartamento no Guarujá. Mas o melhor que eu consegui foi um barraco no Itaquá. Eu sou cagado, veja só como é: se dá uma chuva de Xuxa no meu colo cai Pelé.É como aquele ditado que dizia: Pau que nasce torto, mija fora da bacia..."
Utopia, o primeiro nome da banda, foi logo abandonado. Fato casual? Claro que não. Utopia era palavra muito acariciada pelos "revolucionários" das décadas de 60-80. Indicava caminhos de libertação, crença em ideais hoje tidos como inatingíveis: justiça, bondade, beleza pura. A pós-modernidade instaura uma desconstrução desses temas. Ouçamos, de passagem, uma estrofe de 'Cabeça de Bagre II':
"A polícia é a justiça de um mundo cão. Mês de agosto sempre tem vacinação. Na política, o futuro de um país, cale a boca e tire o dedo do meu nariz".
Valores de um tempo já passado, dito moderno, não atraiam mais o homem pós-moderno. Elenco alguns, retomando o filósofo Jacques Derrida [1930-2004, filósofo franco-magrebino, que iniciou durante os anos 1960 a Desconstrução em filosofia], um dos "inventores" da pós-modernidade: Deus, Ser, Sujeito, Consciência, Estado, Revolução, Família. 

Também as grandes filosofias explicativas do Homem e do Universo caíram de moda. Textos salvacionistas, de librtação numa vida futura ou presente, ecoavam num vazio existencial. 

Vagar incerto, sem rumo, verdadeiro "walking in the dark"  -andando no escuro - (letra de 'Débil Mental'), o cosmo um jogo indefinido: eis a sensação do homem nessa derrocada de valores. Várias letras do CD apontam esse vazio da existência:
"Subiu a serra me deixou no Boqueirão. Arrombou meu coração depois desapareceu. Fiquei na merda nas areias do destino".
Em vez do planejamento produtivo e distributivo, imperava, no sistema vigente, a tecnociência dirigida para o consumo em massa, para o lucro sem nenhuma perspectiva social. Estrofes irreverentes e espetaculares denunciam essa doidice que reflete hoje em nossos dias: 
"Mas pior de todas é a minha mulher. Tudo o que ela olha, a desgraçada quer: Televisão, microondas, micro system, microscópio, limpa-vidro, limpa-chifre, facas ginsu... Ambervision, frigi-diet. Celular, Master-line, camisinha, Camisola e Kamikase..."
Em 'Pelados em Santos', o "grande sucesso" do disco, aparece o mesmo tema:
"Na Brasília amarela com roda gaúcha ela não quis entrar. Feijão com jabá a desgraçada não quer compartilhar".
E, ainda, em 'Chopis Center': 
"Quanta gente quanta alegria. A minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia".
O homem pós-moderno privilegia temas considerados marginais. O primeiro e mais explosivo, o sexo-prazer-desordem e o preconceito, que corre solto, desenfreado, desvairado. É o  " raio de suruba" da música 'Vira-Vira', na qual a mulher, Maria, sempre sai "arregaçada", arrebentada, mas o homem, Manoel, sempre pretende dar a volta por cima e levar vantagem:
"Oh Maria, essa suruba me excita..."
Mas declara:
'...Dei graças a Deus porque ela foi no meu lugar."
De novo, o sexo desenfreado em 'Robocop Gay': 
"O meu andar é erótico, com movimentos atômicos, sou amante robótico com direito a replay". 
Imagine isso sendo cantado hoje? O excelentíssimo e proeminente ex-BBB e parlamentar Jean Wyllys abria o galinheiro. A crítica debochada (e desbocada) vinha mais forte ainda em 'Bois Don’t Cry': 
"Sou um corno apaixonado. Sei que já fui chifrado, mas o que vale é tesão..." 
O jogo, a superficialidade, a banalidade, o quotidiano, o pragmatismo do agora, a vida vivida só no instante presente, o flutuar das experiências, sem nenhuma perspectiva de futuro, são marcas fundas do pós-moderno. Os Mamonas também vão nessa:
"Ser corno ou não ser eis a minha indagação"
Ou então em 'Uma Arlinda mulher': 
"Você foi agora a coisa mais importante
que já me aconteceu neste momento
em toda a minha vida.
Um paradoxo do pretérito imperfeito
complexo com a teoria da relatividade".
A diversidade das formas, a transitoriedade do homem-hoje não escaparam nas letras do CD:
"Hoje eu estou tão eufórico, com mil pedaços biônicos. Ontem eu era católico, ai, hoje eu sou gay!!! Você pode ser gótico ser punk ou skinhead tem gay que é Muhamed tentando camuflar..." 
Conformismo, pessimismo, passividade, ausência de força moral. O homem pós-moderno não enxerga nenhum horizonte. Notei tudo isso em quase todas as letras dos Mamonas. O som alegre e ruidoso, os gestos irreverentes, escondem uma profunda melancolia, retrato de um mundo sem rumo. 
"Fome, miséria, incompreensão, o Brasil é tetra campeãoHoje eu tô arrependido de ter feito migração. Volto para casa fudido com um monte de apelido..." 

Vale um faixa a faixa


Para comemorar os 21 anos do lançamento desse clássico do Rock nacional, nada mais justo que fazer um faixa-a-faixa do álbum que vendeu mais de 3 milhões de cópias em apenas 7 meses de divulgação, tempo em que a banda durou até o trágico acidente aéreo em 02 de março de 1996. Pois quem conheceu o grupo conhece todas as 14 faixas desse registro histórico.
  • (Lado A)
01) '1406', o rock que faz a abertura do disco é uma paródia ao número de telefone (11) 1406 sempre visto nos infomerciais do saudoso(?) Teleshop (lembra da faca Ginsu 2000, do aparelho auditivo Sonic 2000, etc, etc, etc...?). A letra faz uma crítica bem humorada ao consumismo, não mudou nada 21 anos depois e a frase "Money, que é good nóis naum have" continua muito atual.

Piadas prontas sobre portugueses não poderiam faltar no disco e a eleita para zoeira foi 02) 'Vira-Vira', a história do sr. Manuel da padaria que convidado "pra uma tal suruba". Não podendo ir sua adorável esposa Maria foi no seu lugar e se deu muito mal. Essa é uma das músicas que não deixa ninguém parado. 

Quem nunca dançou o vira português passando a mão no traseiro alheio nas festinhas em meados da década de 1990. Esse era o início da baixaria, ótima música de trabalho do grupo que foi executada a exaustão nos programas de TV. Afinal, estávamos nos anos 90, e tudo era permitido...

03) 'Pelados Em Santos' é sem dúvida o hino dos Mamonas e também, uma das composições mais leves do álbum, não apenas pelo ritmo mexicano, mas pela letra "inocente". O convite amoroso para curtir uma viagem para Santos feito para a "mina dos cabelos da hora e corpão violão" trouxe o maior símbolo do grupo, a Brasília amarela, tanto renegada pela "pitchula" ("Oxente ai, ai, ai!"). 

04) 'Chopis Centis', mais um rock, é um resumo de um dia no shopping center, com direito a lanche em fast food, crediário em loja de eletrodomésticos e móveis e um cineminha com filmes de ação. Isso te lembra algo?

05) 'Jumento Celestino', uma mistura de rock com repente e um pouco de 'Faroeste Caboclo', a saga do João de Santo Cristo, um dos clássicos da Legião Urbana, narra a história desastrada de um retirante que vai tentar a vida no "Sul". 

06) 'Sabão Crá-Crá' é a mais desaforada cantiga escolar que pode existir. Entre saber se os cabelos são do sapo ou de outro elemento dá pra imaginar muito trocadilho. Os professores (os pais e os pastores também, claro) ficavam loucos e muita criança já ficou de castigo por cantar isso...

07) 'Uma Arlinda Mulher' faz uma clara paródia à história do filme "Uma Linda Mulher", sucesso cinematográfico de 1990, estrelado por Julia Roberts e Richard Gere. A composição cheia de frases desconexas fecha muito bem a primeira metade do disco. 
  • (Lado B)
Frases desconexas continuam a aparecer no Rock 08) 'Cabeça de Bagre II' (não me pergunte sobre 'Cabeça de Bagre I', acho que nunca existiu), dessa vez com incidentais de 'Passo do Elefantinho' e 'Tema do Pica-pau' fazem uma paródia de 'Cabeça Dinossauro', clássico dos Titãs. 

09) 'Mundo Animal' é uma espécie narração de um documentário totalmente desaforado, onde os "bastidores" do reino animal é detalhado. Acho que essa até Noé aprovaria.

10) 'Robocop Gay' é outra composição atual, talvez uma das mais atuais da banda. Em tempos de intolerância sexual, a letra bem humorada sobre o rapaz que antes era católico e hoje é gay traz uma mensagem importantíssima para os dias atuais 'Abra a sua mente gay também é gente', além das antigas piadas sobre gaúchos. A faixa ainda tem um excelente solo de guitarra. 

11) 'Bois Don’t Cry' é a típica música de corno, uma mistura de ritmo brega estilo Reginaldo Rossi e Amado Batista com o rock dos Mamonas. A história de Dejair que é confundido com João do Caminhão pela sua própria mulher é uma das melhores do disco. Ouviu alguém imitando o Belchior!? 

12) 'Débil Mental' é a composição mais nonsense do disco. Feita literalmente para sacudir a cabeça, Dinho extrapola nos vocais ao melhor estilo Sepultura cantando coisas totalmente desconexas. 

13) 'Sábado de Sol' é a típica música de luau, acústica, a composição fala de larica e tem uma rima que arranca risos de quem ouve. E o trunfo dos anos 90 não poderia ficar de fora desse álbum que já misturou tantos ritmos até sua 13ª faixa, o pagode. 

E 14) 'Lá Vem o Alemão', versão da já bem humorada 'Lá Vem o Negão' do grupo Cravo e Canela, toda essa gama é homenageada com imitações das vozes do Luiz Carlos (Raça Negra) e Netinho de Paula (ex-Negritude Jr.), incluindo participações de músicos famosos da época, como os integrantes do Art Popular e do próprio Negritude Jr. Excelente para encerrar o disco brasileiro mais épico dos últimos 21 anos.


Conclusão


Todas as músicas desse álbum foram bem executadas nas rádios e programas de TV. O sucesso da banda se eternizou, mais pela carreira meteórica que a banda teve em apenas 7 meses de vida. E 21 anos depois o álbum "Mamonas Assassinas" continua tão bom, engraçado e desaforado quanto no seu dia de lançamento. Seja pelos seios da Mari Alexandre usando um símbolo da Volkswagen de cabeça para baixo na capa (sacada genial com as inicia tanto do nome da modelo, quanto da banda: MA), pela Brasília (veículo modelo da marca Volkswagen, entendeu a sacada?) amarela ou pelas inúmeras tardes com a presença da banda em algum programa de TV. Um álbum eterno para a música brasileira.

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