sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

"HALLELUJAH", A MÚSICA NADA SANTA QUE CAIU NO GOSTO DOS ARTISTAS GOSPEL

Confesso que me surpreendi quando fui pesquisar a origem da música "Hallelujah" quando vi o alvoroço que a crentaiada faz em torno dela. Na verdade, eu vim a conhecer essa música quando ela compôs a trilha sonora da minissérie "Justiça", exibida entre 22 de agosto 23 de setembro, no horário das 22 horas, pela Rede Globo.

Depois fiquei sabendo que a tal de Jamily, aquela mocinha que começou a carreira como caloura no programa do Raul Gil e que até hoje faz parte do cast musical da gravadora Line Records, braço fonográfico da Iurd, também gravou "Hallelujah". Bom, já comecei a torcer o meu nariz.

Essa menina é um arremedo de cantora que desde o início tenta, sem sucesso, imitar a Whitney Houston, tanto que no seu primeiro disco fez uma versão gospel para a belíssima canção de Whitney, "All The Man That I Need", que ela "batizou" de  "Tempo  de Vencer" e fez dueto com o tal de Robinson Monteiro, mais uma cria de Raul Gil (Cruz credo!).

Essa mesma Jamily alguns discos depois, fez um outro cover. Dessa vez estragando a romântica e clássica canção "Whitout You", sucesso do ano ano de 1972, na voz de Harry Nilsson. Essa ela chamou de "Usei a Fé"

E tome "Hallelujah"


Pois é. E não foi só a Jamily que gravou "Hallelujah". Meu interesse pela origem da tal música me fez encontrar uma outra cantora gospel da atualidade, uma tal de Gabriela Rocha (dessa, aliás, eu não sei absolutamente nada e nem de onde surgiu). E, ainda na seara gospel encontrei outra cria de Raul Gil cantando "Hallelujah": o inominável Jota A.

E saindo do gospel, eis que eu encontro quem cantando "Hallelujah"? Ninguém menos que o Jon Bon Jovi! E ainda tem aquela dona escocesa que virou fenômeno depois de sua primeira apresentação em um show de calouros no Reino Unido, o Britaisn's Got Talent, em 2009, a Susan Boyle cantando "Hallelujah". 

Ufa! Parei por aí. Já estava tendo uma overdose de "Hallelujah". Pois bem, mas, afinal. Qual a origem dessa música tão cantado por todos? Seria alguma composição do gospel norte americano?


"Hallelujah" NÃO É, NUNCA FOI E NUNCA SERÁ uma música gospel


Ainda bem que tive esta precaução de fazer minha pesquisa, "Hallelujah", sob um viés sacro, é uma verdadeira profanação criada por Leonard Cohen (✯1934-✟2016), escritor canadense, convertido ao budismo e consagrado a monge.

Tirando a letra, uma bela combinação de acordes perfeitos que emocionam qualquer humano sensível à música. "Halleluajah" nada mais é do que uma cilada - das grandes! Creio que os próprios artistas mirins que a interpretaram no Raul Gil, o fizeram na inocência. Talvez até mesmo as tais Jamily e Gabriela Rocha. Obviamente sempre vale lembrar que esta música também está na trilha sonora de "Shrek 1".

Analisando o contexto


O que estaria passando pela cabeça desta criatura quando compôs estes versos que zombam da queda do Rei Davi? Vejam a tradução abaixo (preste atenção nos meus grifos):
"Aleluia"  
Eu ouvi que havia um acorde secretoQue Davi tocou e louvou ao SenhorMas você não se interessa mesmo por música, não é?É assim - a quarta, a quintaA menor cai, a maior ascende
O rei perplexo compondo aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia.

Sua fé era forte, mas você precisou de provasVocê a viu se banhando do telhadoA beleza dela sob a luz do luar te arruinouEla te amarrou numa cadeira da cozinhaEla destruiu seu trono, cortou teu cabeloE dos seus lábios ela extraiu a aleluia
Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia.

Talvez eu já tenha estado aqui antesEu conheço este quarto, eu andei neste chão,Eu costumava viver sozinho antes de conhecer você.Eu vi sua bandeira no arco de mármoreO amor não é uma marcha vitoriosaÉ um frio e triste aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia.

Houve uma época em que você me deixou saberO que realmente acontecia lá embaixoMas agora você nunca me mostra isso, não é?E lembra de quando eu me aproximei de vocêA escuridão sagrada foi junto tambémE cada suspiro que déssemos era aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, o aleluia.

Talvez lá haja um Deus acimaE tudo que eu sempre aprendi sobre o amorFoi como atirar em alguém que te desarmouE isso não é um choro que você pode ouvir à noiteNão é alguém que vê a luzÉ um frio e triste aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia,

Aleluia

"Frio e triste aleluia"? "Escuridão sagrada"? Como assim? Aleluia significa "Louvem Deus Javé" ou "Adorem Deus Javé". É um termo de origem hebraica "Halleluyah", formado pela junção de 'Hallelu', que significa Louvar, mais 'Yah' que significa Deus, Javé. Portanto Aleluia é um elogio ao Deus, Javé. Como pode ser frio e triste? E como pode haver alguma escuridão sagrada, se o Senhor é luz?

A história da música


A música foi lançada originalmente em 'Various Positions' (1984), sétimo álbum do músico e poeta canadense. Na época, Cohen estava tão em baixa com a sua gravadora, a Columbia, que o disco não ganhou sequer uma edição americana, sendo lançado apenas na Europa. A obra, assim como a maioria de seus trabalhos, não fez muito sucesso comercial.

Cohen nunca se importou em explicar o significado da letra, cheia de imagens do Velho Testamento (Cohen era neto de rabino e, portanto, profundo conhecedor do judaísmo). Reza a lenda que uma vez Bob Dylan perguntou a Cohen quanto tempo ele levou para compor a canção. "Quatro ou cinco anos", disse o canadense. Quando Cohen perguntou ao americano quanto tempo ele levou para escrever "I And I", um dos clássicos do veterano Dylan, ele respondeu: "quinze minutos".

O primeiro artista a gravar uma versão de "Hallelujah" foi o ex-Velvet Undergound John Cale (mas Bob Dylan já andava cantando a música ao vivo no final dos anos 1980). O cover apareceu no tributo 'I'm Your Fan' (1991), organizado pela revista francesa Les Inrockuptibles, que reunia gente como Pixies, Nick Cave e REM (nenhum desses, absolutamente nada a ver com o gospel) interpretando clássicos de Cohen.

O jovem Jeff Buckley (1966-1997) conheceu a música pelo tributo e resolveu gravá-la em seu aclamado disco de estreia, Grace (1994). Buckley acabou morrendo afogado três anos depois, aumentando ainda mais a mística em cima do seu único álbum. Bono, o arroz-de-festa do U2, também gravou a música (de forma horrorosa) para outro tributo, Tower of Song, em 1995.

A música já havia aparecido em alguns filmes, mas ganhou uma popularidade maior depois que a versão de Cale foi usada em Shrek (2001). Por um conflito de gravadora, no disco da trilha sonora foi incluída a interpretação de Rufus Wainwright (que futuramente se tornaria pai de uma neta de Cohen - aliás, a versão de Rufus é foi trilha sonora na minissérie da Globo). Depois disso, "Hallelujah" virou figura carimbada no cinema (Edukators, Watchmen) e séries de TV (West Wing, The O.C, House).

Entre os artistas que interpretaram as mais de 300 versões da música, ainda estão Regina Spektor, Kd. Lang, Willie Nelson e até as "nossas" Sandy e - segure o queixo - Anitta. A trajetória surpreendente da canção virou até livro, The Holy or the Broken: Leonard Cohen, Jeff Buckley, and the Unlikely Ascent of "Hallelujah", de Alan Light (2012).

Carreira inusitada


De certa forma, a música espelha a carreira inusitada de Cohen. O artista foi aclamado ainda na juventude como um dos poetas mais promissores do Canadá. Ele só enveredou profissionalmente na música após os 30 anos, quando lançou o primeiro disco, em 1967, embarcando na onda folk de Bob Dylan. O motivo da mudança na carreira foi pragmático: apesar do sucesso de crítica, ele simplesmente não conseguia se sustentar com a venda de seus livros.

Apesar de também nunca ter sido um grande vendedor de discos, ele conquistou um público fiel e devoto. Entre os anos 70 e 90 ele gravou pouco, mas regularmente. Cohen nunca foi um entusiasta de apresentações ao vivo, mas mesmo a contragosto embarcava em turnês. Em paralelo, o músico obcecado pela nudez seguia a carreira de mulherengo profissional, colecionando musas e casamentos.

Nos anos 80, ele deixou o folk de lado e experimentou timbres mais modernos, com toques eletrônicos e sintetizadores. Em 1994, Cohen partiu para um retiro espiritual de cinco anos em um monastério budista, onde chegou a ser ordenado monge em 96.

No começo dos anos 2000 ele lançou mais dois álbuns e descobriu que estava sendo roubado por sua empresária (com quem ele também chegou a manter um relacionamento amoroso). Cohen perdeu todas as suas economias e a partir de 2008 foi obrigado a embarcar em uma extensa turnê mundial para se recuperar do prejuízo. A ex-empresária acabou na cadeia.

O reencontro com o público fez Cohen pegar gosto pelos palcos. De lá para cá, ele vinha se apresentando regularmente. Mesmo aos 79 anos, ele segurava um show por três horas e dizia que não tinha apetite pela aposentadoria. Um dos planos dele para o futuro próximo era voltar a fumar quando completasse 80 anos, hábito que abandonou no começo do milênio. Se cumpriu o plano eu não sei, só sei que morreu aos 82 anos em 07 de novembro do ano passado.

Conclusão


Eis minha odisseia pela história de "Hallelujah" que de gospel, sacra ou santa só tem mesmo o nome.

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