domingo, 19 de fevereiro de 2017

DISCOS QUE EU OUVI - 27: U2, "THE JOSHUA TREE"

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Cá estou eu falando novamente do U2 nessa série especial de artigos. A primeira vez que escrevi sobre eles foi ⇨ aqui. E certamente não serão só essas duas vezes, pois sou fã confesso do trabalho de Bono Vox e cia. Em especial pelo que fizeram na década de 80 e também alguma coisa da década de 90, onde, na minha opinião, os quatro rapazes irlandesas começaram a degringolar. 

80's, a década de ouro 


Uma das coisas que o U2 conseguiu ao longo dos anos 1980 foi se tornar uma banda que lota estádios. Com o teor político de suas letras e as manifestações cada vez mais épicas de Bono no palco, os irlandeses angariaram uma legião de fãs gigantesca nos primeiros anos daquela década. E isso só aumentou quando eles participaram do Live Aid de 1985, mostrando a força de suas canções em um dos momentos mais importantes da história da música. 

Mas quem pensa que eles estavam satisfeitos com o trabalho em estúdio engana-se. O foco estava em explorar mais de outros tipos de gêneros e ritmos, principalmente ir mais fundo na música tradicional americana e irlandesa – a raiz de muito do que apareceu no mundo anos depois. Estimulado por alguns amigos, Bono sentou e começou a escrever letras unicamente para tentar melhorar como letrista. Aos 26 anos e vivendo um momento que poucos tiveram em suas carreiras, estava na hora de ele mostrar a que veio de verdade. 

Ao parar os trabalhos de gravação para uma turnê em outubro de 1986 e viagens à Nicarágua e San Salvador, o vocalista viu realidades diferentes, como o sofrimento e guerras civis. Esses momentos acabaram sendo fundamentais para composição de letras tocantes e que relatavam experiências que não eram as dele. E ainda existia o fato de a banda como um todo ter amadurecido, no palco e no estúdio, então as influências e o momento pessoal acabaram ajudando a construir "The Joshua Tree", quinto álbum do U2. 

O álbum 

Produção 


Previsto para o final de 1986, o disco acabou sofrendo atraso por conta do trabalho que todos empenharam no processo de gravação. Cada detalhe era visto e revisto inúmeras vezes até que todos ficassem satisfeitos com o resultado obtido. Mas tudo acabou bem, como quase sempre. 

Mesmo com o disco pronto, o U2 voltou ao estúdio para regravar algumas coisas que, segundo eles, ainda estavam fora de lugar desde a pausa em outubro. Quando tudo ficou pronto, pela primeira vez em quase uma década de carreira, Bono se deu por satisfeito inteiramente com um registro. E segundo o próprio vocalista à época, era o melhor álbum que ele havia gravado em sua vida. 

Capa 


As ideias da capa e do título eram representar o deserto como o lugar base do início da civilização. Depois de três dias circulando pelo Mojave, na Califórnia, eles fizeram algumas fotos que teriam potencial para entrar no encarte. Quando eles conheceram as Joshua trees (Árvore de Josué, em português; Yucca brevifolia, nome científico), Bono soube da história da chegada dos Mórmons na região que, quando viram a árvore, lembraram da história do patriarca Josué no momento em que ele ergueu as mãos e pediu ajuda a Deus durante a Batalha de Gibeom. Foi sabendo disso que o trabalho ganhou o nome da tal árvore. 

Repercussão 


Colocado no mercado em 9 de março de 1987, "The Joshua Tree" foi muito elogiado por público e crítica, e atingiu a primeira colocação em 20 países, ainda ganhou o Grammy de Melhor Álbum e virou o disco do U2 mais vendido de todos os tempos. Recentemente, entrou nos arquivos do Registro Nacional de Gravações dos Estados Unidos por ser considerado "histórico e importante na cultura americana". Válido, muito válido, pois o disco é realmente antológico. 

Faixa a faixa 


Uma banda que consegue ter em sua discografia uma canção como - 01) 'Where the Streets Have No Name' já merece estar entre as melhores do mundo. A canção saiu de uma demo gravada por The Edge, que gravou todas as partes antes de apresentar aos companheiros do U2. Gravada em takes e de jeitos diferentes até chegar ao ponto ideal, a letra fala de como as pessoas vivem na Irlanda do Norte, em que a religião e a renda das pessoas estão em suas caras, enquanto isso fica menos evidente em países pobres da África. 

Outra que saiu de uma demo, esta gravada pelo baterista Larry Mullen Jr., foi 02) 'I Still Haven't Found What I'm Looking For'. Outra de tirar o fôlego. Aliás, a bateria é uma das coisas para se elogiar nessa música, porque foi um negócio muito diferente do que as pessoas estavam acostumadas – e veio de um grupo que não fazia esse tipo de coisa. É possível afirmar que afirmar que é a canção em que o U2 mais se aproximou do gospel, tanto na letra quanto na melodia. Aliás, a banda Catedral, algum tempo depois, na sua fase gospel, tratou de fazer uma versão dessa canção: 'Eu Ainda Não Vi o Que Eu Sempre Quis', faixa do álbum "Catedral III", o terceiro da carreira, lançado em 1991.

Desta vez em conjunto, todos os quatro membros trabalharam na icônica, deliciosa, maravilhosa balada 03) 'With or Without You' desde o início. A letra era uma sobra do disco passado, mas logo virou o que todos conhecemos quando Bono a viu e resolveu escrever o refrão chiclete que embalou os corações oitentistas apaixonados (dentre os quais, o deste que vos escreve). Canta comigo: 
"With or without you / With or without you/ I can't live / With or without you... ("Com ou sem você / Com ou sem você / Não posso viver / Com ou sem você...")". 
Uma coisa marcante é o efeito na guitarra de The Edge, algo que alguém criou do nada e levou até os estúdios de gravação. Essa música é faixa cativa em qualquer coletânea de flash backs dos anos 80. Eu tenho ela em vários cartões de memória. 
  • Nota de fã✍
O interessante nesse início do disco é ter três canções que viraram clássicos com o passar dos anos. E também não é difícil ver que o U2 estava aliando elementos como bateria eletrônica, overdubs e outras coisas que fizeram muito sucesso nos estúdios nos anos 1980, mas ainda havia aquela alma da banda irlandesa que se fez contando os dramas de seu lugar de origem. 

Continuando... 


Depois de um início um tanto lírico e cheio de experimentações, o U2 volta com os temas políticos e mais pesados em 04) 'Bullet the Blue Sky', canção que Bono fez durante sua passagem por El Salvador, onde viu a intervenção americana acontecer durante uma das inúmeras guerras civis no país que aconteceram ao longo do século 20. Da bateria até a guitarra, a banda inteira parece cantar e tocar com muita raiva e indignação. 

A banda estava disposta a fazer algo mais na raiz da música americana, certo? Pois isso é feito em 05) 'Running to Stand Still', uma delicada faixa com sua melodia improvisada que fala sobre o aumento considerável do vício em heroína por parte dos jovens irlandeses – é considerada uma espécie de continuação de 'Bad', de "The Unforgettable Fire" (o outro disco do U2 sobre o qual já escrevi, link do artigo lá no início). 

Inspirada na greve dos mineradores em 1986, e incentivado por Bob Dylan, Bono escreveu 06) 'Red Hill Mining Town'. Como não sabia muito sobre o movimento em si, ele acabou focando mais nas relações pessoais dos grevistas, e isso gerou mais uma daquelas coisas épicas que só o U2 conseguia fazer sem parecer chato. Mas drama mesmo foi 07) 'In God's Country', música mais trabalhosa de todo álbum. Foi quando rolou a ideia de transformá-la em algo mais rock, ideia que ajudou The Edge e Adam Clayton a encontrarem o ritmo ideal. 

08) 'Trip Through Your Wires' pende mais para o country, algo que eles também estavam buscando fazer neste álbum. E, ao contrário das outras, a melodia é mais simples e não é carregada de efeitos, e é possível dizer que é a mais crua das 11 que compõe o disco. 

Em um dos seus melhores momentos como letrista, Bono homenageou seu amigo Greg Carroll, morto em um acidente de moto em Dublin, em 09) 'One Tree Hill' (nome de um local montanhoso na Nova Zelândia, terra natal de Carroll). Devido ao tema e a voracidade emocional da letra, a canção foi gravada em apenas um take porque o Bono não teve condições emocionais de continuar (estas informações constam nos créditos do disco). 

As duas últimas canções reservam coisas distintas. Enquanto 10) 'Exit' foi inspirada no livro de Norman Mailer chamado "The Executioner's Song" e traz versos como 
"A hand in the pocket / Fingering the steel / The pistol weighed heavy / And his heart he could feel was beating ("Uma mão no bolso / Sentindo o aço / A pistola pesava pesado / E seu coração ele podia sentir estava batendo")...", 
11) "Mothers of the Disappeared", última canção, fala sobre a situação vivida pela população de Nicarágua, El Salvador e Argentina, vítimas de ditaduras cruéis que tiraram a vida de milhares de pessoas. A banda consegue criar um clima triste e, ao mesmo tempo, contestador. É um encerramento tocante e um belo tributo àqueles que perderam alguém. 

Conclusão 


Mais maduro e com cancha suficiente para buscar novos horizontes, o U2 uniu o velho, blues e folk, ao novo, elementos eletrônicos e distorção, em "The Joshua Tree". Se ainda havia algum tipo de dúvida sobre a capacidade musical dessa banda, dissipou-se rapidamente com esse disco, talvez o grande lançamento dos anos 1980. 
Até o próximo artigo sobre outro disco do U2 ;-).

A Deus toda glória.
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        E nem 1% religioso.

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