quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

DISCOS QUE EU OUVI - 24: MADONNA - "EROTICA"


Eu já tive a oportunidade de dizer que nos meus dias de adolescência e juventude "transviadas" eu era super fã da rainha, diva, musa pop Madonna Louise Ciccone. Fui fã mesmo. Do tipo que colecionava álbuns de fotografias, discos, revistas, tinha cadernos com capas da Madonna, posteres nas paredes do quarto, nas portas do guarda-roupas, sabia cantar todos os hits, ensaiava todas as coreografias (dei "show" nas pistas dançando a coreografia de 'Vogue') e até me aventurei a ir sozinho assistir ao primeiro show que ela deu aqui no Brasil.

Eu - que nessa época já era um pouco mais que um adolescente - e um grupo de outros fãs tão "transviados" quanto, fomos de carona em carona até o Rio de Janeiro. Quando Madonna veio pela primeira vez ao Brasil em 1993, os tempos eram outros. Ela tinha acabado de lançar o polêmico disco "Erotica" junto com o tórrido livro "Sex", uma coleção de fotos quase pornográficas em que mostrava suas vontades sexuais reprimidas.

O livro foi lançado um dia depois do álbum, em um combo de couro. A capa, metalizada e lacrada, não desvendava seu conteúdo, mas isso não foi o bastante para impedir que diversos conselhos, entre eles de algumas igrejas, como a Católica e a protestante, declarassem que Madonna era uma "pervertida sem valores, cujo trabalho era feito apenas para acabar com a constituição da família"

Primeiro, o show


Ignorada pela poderosa indústria fonográfica americana - mesmo depois de ter contagiado as paradas com hits como 'Like a Virgin', 'Like a Prayer' e 'Vogue' -, Madonna resolveu dar as costas ao país mais rico do mundo e criou uma turnê inspirada nos cabarés e prostíbulos da alta sociedade para percorrer os países de terceiro mundo. 

Em uma de suas formas mais criativas, ignorou seus grandes sucessos e fez um espetáculo repleto de polêmicas, entre eles uma orgia reproduzida no palco com 'Deeper & Deeper' - com direito a bailarinas nuas - e uma crítica ferrenha à homofobia em 'Why It´s So Hard' e 'The Beast Within'. Em uma época onde a AIDS ainda era conhecida como um símbolo absoluto da promiscuidade e ainda uma iminente sentença de morte, Madonna mostrou que não estava nem aí para os padrões morais da sociedade.

A turnê The Girlie Show passou pelo Brasil no início de novembro, trazendo junto da trupe da cantora - um total de 110 pessoas, metade da estrutura da Sticky & Sweet, sua segunda turnê no Brasil (nessa eu não fui, já tinha me convertido) - um frenesi talvez muito maior do que o que se vivencia nos dias de hoje. Distante da realidade de ser mãe e muito alheia aos problemas sociais do mundo - exceto o alerta da AIDS e da repressão religiosa, que ela fazia questão de difundir -, Madonna fez um show histórico no Morumbi e no Maracanã. 

Na época, conseguimos entrar no estádio algumas horas antes do show e para a surpresa de todo mundo, ela apareceu no palco e começou a passar o som. Tinham milhares de pessoas no estádio antes da apresentação oficial. Ela parou para conversar com a gente. Ficamos encantados. Para os jovenzinhos sem muito o que fazer da vida, valeu a pena ter ficado acampado dois dias na fila - comendo pão com salame e tomando suco de caixinha - para ver o The Girlie Show. A Madonna de 93, porém, deve passar distante da mãe responsável aficionada pelos conceitos da cabala de atualmente.

Agora sim, vamos ao disco



O que restava para Madonna após uma grande sequência de escandalosos sucessos dos anos anteriores? A resposta é "Erotica".

Nesse álbum Madonna busca um som diferente do que havia feito até então e trabalha com os novos produtores Shep Pettibone e Andre Betts. Esse som cheio de batidas remete à algo anos 70, soul music e uma pitada de hip hop, ou seja, algo exótico e diferente, principalmente para a época, mas totalmente pop.

Em 1992, o mundo passava por transformações e o maior crédito de "Erotica" é justamente falar sobre liberdade sexual numa época pós-AIDS onde a barreira da hipocrisia, do preconceito e da falta de informação era enorme. O álbum não somente fala de sexo, tem letras sobre desencontros, brigas, aceitação, mentiras e, acredite, amor!

Lado A, Lado B


Na faixa de abertura, [01] 'Erotica', Madonna encarna a personagem Dita que com voz sussurrante, fala sobre os prazeres (e dores) do sexo e de se deixar levar por esse prazer. Essa personagem não é somente uma coincidência, Madonna provavelmente não praticou o tanto de sexo que descreve nessa música, mais uma vez, a polêmica é mais interessante que o fato.

[02] 'Fever', cover da música de Eddie Cooley e Otis Blackwell, linda versão! , escalou as tabelas e chegou ao sexto lugar no Reino Unido.

[03] 'Bye Bye Baby' foi lançada em alguns países como single, incluindo o Brasil, e teve seu clipe retirado da performance ao vivo na turnê The Girlie Show. A música fala sobre uma Madonna que coloca fim em um relacionamento no qual não pode mais esperar uma atitude de seu parceiro.

[04] 'Deeper and Deeper' é um dos momentos animados do álbum. Com um som disco misturado com batidas de música espanhola no meio da canção a faixa é uma declaração de liberdade sobre se deixar apaixonar e viver o amor. 

[05] 'Where Life Begins' é bem ao estilo do que se propõe o álbum. Entre sussurros e arranjos jazzistas com pegada bem pop a música "passou batida".

Em [06] 'Bad Girl', uma das letras mais tristes do disco, Madonna retrata uma mulher incapaz de se relacionar com seu amor e infeliz temendo machucá-lo. A música ganhou um dos clipes mais bem produzidos da carreira de Madonna no qual ela morre no final.

Sobre fim de relacionamentos temos também [07] 'Waiting', onde Madonna descreve o sentimento de perceber que a espera por uma pessoa que não a ama, não a levara a lugar algum.

Outras faixas indispensáveis são: [08] 'Thief Of Hearts' em que Madonna age como uma mulher numa posição dominante, [09] 'Words' que também é muito boa, e é legal porque segue um princípio meio próprio, com a batida que se repete no fundo, 

[10] 'Rain', uma belíssima balada, é dedicada à mãe de Madonna mas se encaixa perfeitamente para qualquer pessoa de coração partido. 

A dupla [11] 'Why´s It So Hard / [12] 'In This Life' se completam perfeitamente. Na primeira Madonna fala sobre a dificuldade de se aceitar as diferenças e, principalmente, em se aceitar diferente. Uma letra direta, prega o amor e aponta o dedo para o preconceito e hipocrisia. 

Se na primeira música ela fala "cante seu amor, use seu amor, compartilhe seu amo", na segunda Madonna tem a consciência e coragem de falar sobre dois amigos - o dançarino Martin Burgoyne e o coreógrafo Christopher Flynn - mortos recentemente vítimas da AIDS quando o assunto era mais tabu do que é atualmente. Outra mensagem de respeito e contra o preconceito.

Enquanto esperava Madonna chegar no estúdio um dia, Betts gravou um rap seu sobre um instrumental que havia produzido com Madonna, para a música 'Waiting'. Quando ela chegou no estúdio, o encontrou fazendo o rap e ficou muito impressionada, pedindo para que ele chamasse alguém para regravar aquilo. Betts chamou dois amigos seus e a música foi rebatizada [13] 'Did You Do It?', entrando na versão final do álbum. 

Para finalizar o álbum com toque de mestre (Madonna é expert nisso) ouvimos [14] 'Secret Garden', mais uma canção cheia de mistérios e duplo sentidos onde podemos sugerir uma Madonna celebrando ter "sobrevivido" a tudo que tinha feito e dito até então e que revela um de seus grandes desejos... Um verdadeiro amor. 

Conclusão 


Bom, para o tipo de fã que eu fui, não foi nada fácil escolher um álbum da Madonna sobre o qual falar nesta série (provavelmente ainda falarei de outros). Mas nesse, são incríveis 14 músicas e apenas 5 singles. Nunca entendi a conta, mas Madonna - só pelo nome do disco - já começou com polêmica. Um mês depois do lançamento, ela começou a vender um livro de 128 páginas chamado "Sex", cujo conteúdo dispensa explicações. 

Segundo a Madonna, o público subestimou o disco - que é considerado seu primeiro grande fracasso, segundo a crítica especializada - em decorrência do lançamento do livro, o que por si só já é meio que uma desculpa em torno de toda a atenção indevida na época... Não que Madonna seja do tipo que pede desculpas por coisas assim, mas de qualquer forma, músicas que poderiam ter sido aproveitadas não receberam atenção. 

Apesar de toda a controvérsia proposital em torno do álbum, "Erotica" entra facilmente na lista de melhores da carreira: um som diferente e envolvente, um álbum com algo a dizer, letras muito bem trabalhadas e ótimos clipes. 

Talvez, por te sido lançado simultaneamente com o livro "Sex", este, ainda a maior polêmica na história de Madonna, o álbum teve seu brilho e mérito ofuscados o que, inevitavelmente, refletiu em suas vendas que foram baixíssimas. 

Se você fosse capaz de ouvi-lo cuidadosamente sem conceitos pré concebidos e de mente aberta, com certeza irá se espantar com o resultado. 
» Ano: 1992
» Lançamento: 20/10/1992
» Produtores: Madonna, Shep Pettibone e Andre Betts
» Vendas: 7 milhões (+)  
» 01. Erotica
» 02. Fever
» 03. Bye Bye Baby
» 04. Deeper and Deeper
» 05. Where Life Begins
» 06. Bad Girl
» 07. Waiting
» 08. Thief of Hearts
» 09. Words
» 10. Rain
» 11. Why's it so Hard
» 12. In This Life
» 13. Did You Do It?
» 14. Secret Garden

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