segunda-feira, 15 de agosto de 2016

ACONTECIMENTOS - LIANA, FELIPE E CHAMPINHA: MUDAM-SE OS PERSONAGENS, MAS NÃO O ENREDO

Dando sequência a Série Especial Acontecimentos, trago a vocês um texto que fala de um dos crimes mais marcantes do início dos anos 2000 aqui no Brasil. Falo do assassinato de Liana Bei Friedenbach e Felipe Silva Caffé. Na época o crime foi o pivô de uma intensa discussão a respeito da maioridade penal e sobre a ação dos Direitos Humanos, que defenderam o menor acusado de liderar o ataque que resultou na morte de Felipe e Liana, que foi torturada e diversas vezes estuprada enquanto esteve cativa dos criminosos.

Aventura adolescente que terminou em tragédia


Os estudantes Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 19, foram assassinados na região de Embu-Guaçu (Grande São Paulo), em novembro de 2003. Eles foram rendidos pelos criminosos enquanto acampavam em um sítio abandonado.

O casal mentiu sobre a viagem para os pais (na época falava-se que os pais de Liana eram contra o namoro dela com Felipe). Liana havia dito que iria para Ilhabela (litoral de São Paulo), com um grupo de jovens da comunidade israelita. A família de Felipe disse que sabia que o rapaz iria acampar, mas acreditava que ele estaria com amigos.

A barraca dos adolescentes
Os namorados teriam passado a madrugada do dia 31 de outubro de 2003 sob o vão livre do Masp, na avenida Paulista (centro de São Paulo). Teriam ficado no local até as 5h do dia 1º, quando chegaram ao terminal rodoviário do Tietê (zona norte de São Paulo).Liana e Felipe desembarcaram em Embu-Guaçu por volta das 9h. Na cidade, compraram macarrão instantâneo, água, biscoitos e leite em pó. De lá, pegaram um outro ônibus para Santa Rita, um lugarejo perto do sítio abandonado. Os estudantes ainda andaram 4,5 km a pé até o local em que acamparam, sob um telhado caindo aos pedaços.

O sítio onde o casal acampou
No local eles acabaram sendo alvos dos criminosos: Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, na época com 16 anos e Paulo César da Silva Marques, o Pernambuco. Champinha e Pernambuco seguiam para pescar na região quando viram o casal e tiveram a ideia de roubá-los.

O crime


Naquela mesma tarde, Pernambuco e Champinha abordaram os estudantes enquanto eles dormiam na barraca. A dupla, no entanto, ficou decepcionada ao não encontrar muito dinheiro. Assim, decidiram levar os namorados para a casa de Antonio Matias de Barros, 48, na mesma região.

O cativeiro
Com a ausência de Barros, os quatro seguiram para a residência de Antônio Caetano Silva, 50, que também estava vazia. O local foi usado como cativeiro. 

Durante o trajeto, Liana disse aos criminosos que sua família tinha dinheiro e sugeriu que a dupla pedisse resgate e, depois, a libertasse junto com o namorado. Segundo a polícia, naquele momento, Champinha decidiu matar Felipe e ficar somente com a garota. 

De acordo com informações da polícia, na noite do dia 1º, Pernambuco violentou Liana sexualmente, enquanto Felipe permanecia em outro quarto. A garota estava em estado de choque e não reagiu. 

Na manhã do dia 2, os namorados foram obrigados a caminhar no meio do mato. Pernambuco seguiu na frente com Felipe e matou o estudante com um tiro na nuca, de acordo com informações da promotoria. Liana, que estava com Champinha, ouviu o disparo, mas não teria visto a morte do rapaz. Depois, Champinha mentiu dizendo a ela que o rapaz havia sido libertado. 

Pernambuco fugiu para São Paulo e Liana permaneceu com o adolescente na casa de Silva. A jovem foi novamente estuprada, agora por Champinha. 

Neste mesmo dia, o pai de Liana, Ari Friedenbach, descobriu que a filha havia viajado com o namorado. Acreditando que os dois poderiam ter se perdido na mata, na manhã seguinte, o COE (Comando de Operações Especiais) iniciou as buscas pelo casal na região. Logo, a barraca, as roupas dos estudantes, a carteira e o celular de Liana foram localizados. 

Enquanto isso, Silva chegava em casa junto com Aguinaldo Pires, 41. Champinha apresentou a jovem como sua namorada e ainda a ofereceu para os colegas abusarem dela. Segundo a polícia, Pires também teria violentado Liana.

Champinha, no dia da prisão
No fim da tarde do dia 3, Champinha ainda recebeu a visita do irmão, que foi procurá-lo, e o encontrou pescando na companhia de Liana em um córrego próximo do cativeiro, para avisar que a mãe estava preocupada com o desaparecimento dele e também o alertou sobre a movimentação de policiais na região. Mais uma vez, o adolescente mentiu que Liana era sua namorada, mas informou que a garota estava indo embora e que a levaria até a rodoviária – na verdade, ele estava planejando matá-la.

Foi então que, na madrugada do dia 5, Champinha levou Liana até um matagal, onde tentou degolá-la. Depois, de acordo com a polícia, golpeou a cabeça da jovem com uma peixeira. Quando Liana caiu no chão, o adolescente ainda a apunhalou nas costas e no tórax e, depois, fugiu.

Champinha, em 20007 aos 20 anos
Os corpos das vítimas só foram encontrados pela polícia no dia 10 de novembro. Champinha, Antônio Caetano, Antonio Matias, Aguinaldo Pires e Pernambuco foram presos quatro dias depois. Menor de idade, Champinha foi internado em uma unidade da Febem (atual Fundação Casa), em São Paulo.

Condenação dos Envolvidos


Os criminosos, no dia da prisão
Em julho de 2006, três envolvidos no crime foram condenados por júri popular. Aguinaldo Pires foi sentenciado a 47 anos e três meses de reclusão por estupro. Antônio Caetano da Silva pegou 124 anos de prisão por vários estupros e Antonio Matias foi sentenciado a seis anos de reclusão e um ano, nove meses e 15 dias de detenção por crime de cárcere privado, favorecimento pessoal, ajuda à fuga dos outros acusados e ocultação da arma do crime.

Os criminosos
Champinha admitiu ter participado do crime e já cumpriu a pena prevista em lei, mas até o ano de 2012 ele permanecia sob guarda da justiça. Em maio de 2007, ele chegou a fugir da instituição, pulando um muro de seis metros de altura. Foi recapturado onze horas depois. Atualmente, ele é mantido em um hospital psiquiátrico em São Paulo, a pedido do Ministério Público, com base em laudos médicos que constataram que ele sofre de problemas mentais e não pode voltar a viver em sociedade. Em 2008, o pai de Liana, Ari Friedenbach, criticou o tratamento psiquiátrico de Champinha. Segundo ele, o rapaz estaria em "uma unidade cinco estrelas" e sem o devido acompanhamento.

Último a ser julgado, em novembro de 2007, Paulo César da Silva Marques, o Pernambuco, negou que tenha atirado em Felipe e que tenha estuprado Liana. Segundo a defesa do acusado, ele só teria confessado a autoria do tiro em Felipe e o estupro de Liana sob pressão da polícia. Em júri popular, ele foi condenado a 110 anos e 18 dias de prisão em regime fechado, por homicídio qualificado, sequestro, estupro e cárcere privado.

Cronologia


31/10/2003 - Escondidos, Liana e Felipe acampam numa área abandonada, entre Embu-Guaçu e Juquitiba; 

6/11/2003 - O casal não volta para casa. Começam as buscas;
10/11/2003 - Polícia prende três suspeitos, inclusive Champinha - que confessa o crime. No mesmo dia, os corpos de Liana e Felipe são achados;

20/7/2006 - Os três dos cinco suspeitos são julgados e condenados. Champinha pega 124 anos, Agnaldo 47 anos e Matias, 6 anos;

22/7/2006 - Champinha passa pela sexta avaliação psiquiátrica para saber se fica ou não na Febem. Até então, os laudos emitidos insistiam 
que Champinha não tinha desvio de conduta; 

29/9/2006 - Laudo do Instituto Médico-Legal (IML) conclui que Champinha, de 19 anos, internado na Febem, não tem condições de viver em liberdade

26/10/2006 - Juiz do Departamento de Execução da Infância e da Juventude (Deij) determina que Champinha vá para um manicômio;

9/11/2006 - Justiça mantém Champinha na Febem;

2/5/2007 - Champinha escapa da Febem;

3/5/2007 - Horas após a fuga, o menor foi recapturado e voltou para a Febem;

30/11/2007 - Champinha é interditado;

4/1/2008 - Polícia descobre que Champinha matou 2 homens antes do assassinato de Liana e Felippe em 2003. 

A polêmica da Hospedaria


No dia 16 de dezembro de 2007, uma emissora de TV filmou Champinha numa casa confortável, decorada em alto padrão, com sofá, TV de 29 polegadas e se alimentando com 5 refeições diárias recomendadas por nutricionistas. O vídeo gerou grande revolta e críticas ao governo. O então governador José Serra defendeu a situação de Champinha dizendo que ele estaria melhor ali do que nas ruas cometendo delitos. O secretário da Justiça de SP também repudiou a imprensa, dizendo que queriam linchar moralmente o Estado. Foi informado que Champinha custaria R$ 12.000,00 (doze mil reais) mensais ao Estado estando hospedado no local.

Conclusão


Independente dos debates, das polêmicas e até mesmo da comoção pública que esse caso causou, o homicídio dos adolescentes Liana e Felipe tão alardeado pela mídia durante a semana dos acontecimentos não passaria de uma tragédia particular como tantas outras registradas cotidianamente em nossas delegacias de polícia, não fossem as circunstâncias nas quais ocorreu. 

Não me refiro ao grau de crueldade na execução do crime, pois dezenas de Marias e Joões são mortos todo dia em situações tão ou mais bárbaras e não são objeto nem sequer de uma nota nos jornais de primeiro escalão. O que difere este homicídio daqueles que já não vendem mais jornais é a posição ocupada pelas vítimas na sociedade. Na balança da mídia e de seus consumidores de tragédias pessoais, a vida de um adolescente de classe média vale muito mais do que a de um João e Maria... 

O que choca nas mortes de Liana e Felipe, não são as circunstâncias da execução, mas a transferência que o leitor-telespectador-consumidor faz, colocando seus próprios filhos na situação das vítimas de fato. As mortes das Marias e Joões não chocam, pois se dão nas favelas, na periferia, em suma, em lugares demasiadamente "distantes" e "perigosos" (as aspas aqui são imprescindíveis) para a maioria dos filhos da classe média. 

Liana e Felipe, em sua sede de aventura, foram vítimas da desigualdade brutal que tanto os distanciavam de Champinha, seu algoz-confesso e uma personificação do demônio segundo a mídia-urubu que a cada dia infesta nossos noticiários. Liana e Felipe criam que sua passagem por aquelas terras se daria de forma quase imperceptível - como ocorreria em um shopping (inclusive, descobriu-se durante as investigações que em outra oportunidade, Felipe teria casualmente jogado futebol com Champinha, em uma de suas excursões com outros amigos no sítio abandonado) - esquecendo-se de que a desigualdade social é demasiadamente visível e cruel àqueles que olham de baixo. 

O trágico final da história todos conhecem, tal como foi contado pela mídia e relembrado acima em uma versão para adolescentes da velha fábula de João e Maria, que foram aprisionados pela perversa bruxa da floresta. 

E como em todo velho conto de fadas a mídia não podia deixar de buscar uma moral na história: os adolescentes rebeldes de classe média devem doravante obedecer a seus pais e os garotos pobres deverão ser encarcerados a partir dos 16 anos para a proteção dos primeiros. 

É válida a reminiscência 


Os debates e propostas para a revisão da maioridade penal se intensificaram há 13 anos, quando este crime bárbaro envolvendo um trio de adolescentes chocou o Brasil.

Se o garoto Champinha (hoje com 29 anos) tivesse estudado nos mesmos colégios de Liana e Felipe, teria se tornado tão "violento" Se o Estado tivesse proporcionado a Champinha um tratamento adequado às convulsões que passou a ter a partir dos 14 anos, teria ele tamanho desprezo pela vida humana e se transformado em um "monstro"? 

Violento é Champinha e não o Estado que lhe negou uma infância minimamente digna e a mídia que só enxerga as crianças e adolescentes miseráveis para mostrar a seus consumidores o quanto eles são "perigosos" e com que frieza eliminam uma vida. 

Quanto vale uma vida humana? As de Liana (que hoje estaria com 26 anos) e Felipe (que hoje estaria com 32 anos), certamente valiam muito, não só pelo amor de suas famílias, mas também de um ponto de vista exclusivamente econômico pelos investimentos que foram feitos em alimentação, educação, saúde e tantos outros. Valem tanto que vendem jornais e dão audiência. 

A de Champinha não valia nada (hoje vale muito menos ainda...)! Pouco ou quase nada foi investido nele: alimentação, educação, saúde e lazer, para ele, não são mais que palavras impressas em nossa Constituição Federal que ele dificilmente conseguiria ler. Como então exigir de Champinha que respeitasse a vida de Liana e Felipe, se o Estado e a sociedade nunca respeitou a sua? 

A mídia-urubu e seus consumidores de carniça impressa e gravada clamavam por "justiça", em nome de Liana e Felipe, que tiveram a infeliz ideia de acampar no lugar errado num misto de desafio e coragem. 

Reduzir a menoridade penal, é a forma mais simples e irracional de resolver um problema complexo: lugar de criança e de adolescente é na escola e não trabalhando como tantos de nossos jovens que perdem suas infâncias e adolescências para ajudar no sustento de seus lares. 

Antes de cogitarmos reduzir a menoridade penal - à qual sou favorável, diga-se -, temos a obrigação constitucionalmente consagrada de colocar todas as nossas crianças na escola e "principalmente" garantir-lhes que possam permanecer estudando, dando às suas famílias o mínimo de condições de subsistência. Assim fazendo certamente estaremos evitando tragédias como esta. 

Do contrário, a redução da menoridade penal será mais uma nova lei que marginalizará ainda mais os filhos da miséria com o fim único de amenizar os ânimos dos leitores-telespectadores indignados com a violência e calar o choro da mídia carpideira.

[Fonte: Wikipédia, Uol, Terra, Ig, R7, Acervo digital Estadão]

2 comentários:

  1. Realmente, não se deve reduzir a maioridade penal não, pois cada vez esses monstros estão mais jovens, o que deve se fazer é responsabilizar o menor pelos crimes que ele comete, independente da idade! Tem que pagar como um adulto! Até o próprio pai da Liana já disse isso!

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  2. Não tem a ver com desigualdade social, tem haver com psicopatia, ou falta de escrúpulos, posso citar casos de adolescentes ricos que cometeram crimes bárbaros, análogos a este, e você sabe de quem é a culpa, né? A culpa sempre será de todos e nunca é de quem cometeu. Vai Brasil. É revoltante.

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