sábado, 16 de julho de 2016

O SERMÃO DO MONTE - 1ª. BEM AVENTURANÇA

Agora vamos começar o entendimento sobre cada uma das boas aventuranças (ou beatitudes) ministradas por Jesus no célebre Sermão do monte.
"Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus." - Mateus 5:3 (grifo meu)

Aplicação no contexto social


Vivemos numa sociedade marcada pelo pragmatismo, sucesso como sinal da interferência de Deus e progresso econômico como referencial de bênção. E as denominações que disseminam a teologia da prosperidade e da confissão positiva sabem fazer isso como ninguém. Contudo, as Escrituras são nossa base e nelas encontramos o equilíbrio necessário para nos livrar do perigo dos excessos.


De um lado a outro


Há uma tendência de se super espiritualizar a interpretação da palavra "pobre" nas Escrituras. É evidente que a Bíblia não fala de pobre dando somente uma conotação econômica e social. A pobreza é apresentada também como uma disposição interior ou atitude de alma, em que a pessoa se coloca sob a total dependência de Deus.

Mesmo assim, a maioria das palavras hebraicas usadas no original da Bíblia para designar "pobre" tem em seu conteúdo literário a ideia de "pobre" como pessoa desprovida de bens materiais ou oprimida pelos ricos e poderosos. Nestes casos, em geral, os documentos, principalmente dos profetas, falam muito mais do juízo de Deus em relação aos que provocam a injustiça do que da situação dos que a sofrem. 

A parcialidade de Deus, que está sempre do lado do pobre injustiçado, é evidente, mas não se pode perceber em nenhum momento que ele seja feliz porque foi injustiçado. Aliás, sob a lógica da sobrevivência, é necessário um milagre tremendo para alguém estar feliz por causa da pobreza. Além de outros males, a pobreza gera revolta, indignação e, às vezes, blasfêmia, na mesma proporção em que a riqueza gera indiferença e materialismo idólatra.

Nos manuscritos mais antigos do texto de Mateus, não se encontra o complemento "de espírito", que a maioria dos tradutores preferiu acrescentar. E tudo nos faz crer que não houve equívoco. Deram ao texto o sentido mais próximo daquele a quem Jesus está chamando de pobre. Pobre não é apenas o economicamente desprovido, o socialmente marginalizado, o psicologicamente oprimido. 

No novo conceito de Jesus, pobreza implica uma condição de alma, um estado de espírito, uma nova atitude em relação a Deus. Jesus está falando de pessoas que confiam exclusivamente em Deus, sendo que a razão dessa confiança é a incapacidade de confiar em si mesmas, pois não dispõem de prestígio, influência social nem poder. Quem são, geralmente, as pessoas com essas características, senão principalmente as pobres?

Portanto, os pobres, para quem Jesus foi ungido a evangelizar (Lucas 4:18), para quem são dadas as bem-aventuranças (Mt 5.1-12), para quem o evangelho é revelado (Mt 11:28), são os indigentes, os carentes, os fracos, os humilhados. São os que trabalham dignamente e possuem apenas o trivial, e os que vivem em condição de miséria absoluta. São ainda os cidadãos do Reino de Deus, que, desprovidos de socorro humano e material, recorrem exclusivamente ao socorro de Deus e, por isso, são felizes.

Não se trata de apologia à pobreza ou à miséria, mas sim uma compensação superior, elevada que independe de das circunstâncias dessa vida: 
  • São felizes conforme o Sermão do Monte, por não acumularem tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem. 
  • São felizes porque foram cativados a servir, em adoração a Deus e amor ao próximo, independente das circunstâncias.
  • São felizes por terem encontrado a alegria do 'ser', em detrimento do 'ter' — a fonte onde a infelicidade não existe. Na escolha entre Deus e as riquezas, preferiram Deus, pois, segundo Jesus Cristo, não é possível servir aos dois ao mesmo tempo.
Em geral, as riquezas escravizam, tornam as pessoas devotas do ídolo do mercado. Muitos perdem a sensibilidade humana, tornando-se pessoas avarentas, egoístas, enfim, longe da felicidade que está no ser, e não no ter. 

Do mesmo modo, podemos ter pobres — economicamente pobres — cuja esperança está prepotentemente enraizada na possibilidade de sua aceitação pelo mercado, e não na esperança em Deus. Alguns, por terem a riqueza, adoram-na como a um ídolo; outros não a tem, mas nela põem toda a sua esperança. E tanto estes quanto aqueles são miseráveis, pobres mesmo, cegos e nus — são infelizes.


A maior mensagem registrada do Senhor Jesus abre as portas do Reino de Deus aos seus ouvintes. Nesse momento precisamos descobrir o que significa ser “pobre, ou humilde de espírito”.

Aplicação no contexto espiritual


Sob este entendimento, o humilde de espírito reconhece a sua condição de pecador e anseia por alguém que possa livrá-lo. Ele concede a Deus um lugar privilegiado em sua vida. Veja essa citação do profeta Isaías: 
"Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade e cujo nome é Santo: 'Em um alto e santo lugar habito e também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e para vivificar o coração dos contritos'" (57:15, grifos meus). 
E ainda o salmista Davi: "Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus" (Salmo 51:17, grifos meus).

O pobre de espírito decide deixar de guiar a sua vida baseado em desejos ambiciosos e mesquinhos, que conduzem por um caminho de morte. E passa a ser conduzido pelos ensinamentos da Palavra de Deus, que levam ao Reino de vida abundante. Essas pessoas se tornam bem-aventurados por que rejeitam o orgulho e a falsa ideia de autossuficiência e permitem que Deus faça morada em seu coração.

Com contexto e sem controvérsias 


"Pobreza de espírito" não está ligada a condição financeira. Existem pessoas com baixo poder aquisitivo que possuem um coração de pedra para o evangelho. A Bíblia nos dá exemplos de homens poderosos que reconheceram a necessidade de um encontro com Deus.

  • Zaqueu, o publicano: Mesmo todos os bens adquiridos com negócios ilícitos não proporcionavam a paz de espírito desejada. No dia em que Jesus passava por sua cidade, ele decidiu fazer de tudo para ver o bom Mestre. Bastaram poucos momentos com Jesus para ele reconhecer a necessidade de livrar-se das suas más obras. O resultado dessa atitude está registrado em Lucas 19:9, 10.
  • O centurião de Carfanaum: Mesmo sendo um homem rico e influente, este militar soube reconhecer a autoridade espiritual de Jesus. Humildemente ele demonstrou ser pobre de espírito diante de uma necessidade espiritual. Jesus elogiou a fé desse estrangeiro (Lucas 7:9).

A mensagem do sermão do monte já começou com a maior das advertências: "Você deseja alcançar o Reino de Deus? Então reconheça os seus pecados e busque com toda a sua alma o perdão divino, somente assim você terá uma vida feliz".

Existe algum conselho bíblico para se alcançar essa virtude? Claro que sim! Confira um exemplo em Tiago 4:7-10:
"Sujeitai-vos, pois, a Deus; resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Limpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai o coração. Senti as vossas misérias, e lamentai, e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo, em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará" (grifos meus).
Converter o riso em pranto? O gozo em tristeza? Como assim? 

O pensamento mais longe da maioria hoje é de se afligir. Todo mundo quer festa, alegria, gozo, e qualquer coisa menos aflição e tristeza. No entanto a aflição na vida de um crente é um bem de valor, algo benéfico. Os ouvintes no Dia de Pentecostes sentiam afligidos, compungidos de coração, pois foram obrigados de encarar seus pecados. Isto resultou no seu arrependimento e seu acréscimo a Igreja do Senhor. Esta conflitante passagem é um dos princípios do Reino e nos adverte a nos chegar a Deus. 

A passagem indica que que isto pode ser feito por purificar as mãos do mau que elas cometiam, limpar os corações, pois deles procedem o mal que contamina o homem. Qual é o resumo de tudo isto? Que é melhor viver afligido, triste com os acontecimentos do mundo, com o pecado e devassidão dele, e procurar purificar as mãos, limpar os corações e de modo geral se preparar, viver preparado para o arrebatamento da Igreja, do que gozar os supostos prazeres desta vida.
"A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda. Melhor é ser humilde de espírito com os mansos do que repartir o despojo com os soberbos" (Provérbios 16:18,19)
Essa é uma linguagem do Reino de Deus que só os pobres de espírito podem entender!

Conclusão


É importante saber que esta afirmação não confere nenhuma bênção especial aos economicamente pobres! Há a impressão de que a pobreza, por si mesma, é uma bênção, e que ser economicamente pobre automaticamente significa que se é acarinhado e protegido por Deus, abençoado por ele em boas graças. 

Este equívoco faz com que alguns citem erradamente a passagem: "Bem-aventurados os pobres, pois deles é o reino dos céus". Isso não é o que o Senhor disse, conforme está escrito em Mateus 5:3. Ele disse esta boa palavra para os"humildes de espírito". Em Lucas 6:20; lê-se "bem-aventurados vós, os pobres" e no mesmo contexto o Senhor fala condenação aos ricos. Em Marcos 12:37 diz que "e a grande multidão o ouvia com prazer". Mas era necessário ouvi-lO e corresponder para ser abençoado. E nosso foco, em Mateus 5:3, tem que ser sobre uma qualidade espiritual e não sobre uma condição econômica.

O que significa ser "pobre de espírito"? É ter aquela característica fundamental de perceber que se é espiritualmente vazio, e que somente confiando em Deus se pode preencher esse vazio. Reconhecendo que é espiritualmente pobre, a pessoa humilde de espírito conhece a sua própria necessidade.

Ajuda pensar sobre o oposto de "pobre de espírito". O contraste seria "orgulhoso de espírito", auto-suficiente, arrogantemente independente - e, novamente enfatizamos, isto nada tem a ver com circunstâncias. Há indivíduos com a atitude que diz "não preciso que ninguém me dê qualquer direção na vida. Eu posso passar muito bem sem qualquer padrão moral de uma fonte divina". Este é o espírito moderno do humanismo. 

No Glossário do Humanismo o conceito é definido deste modo: 
"... uma visão da vida que é centrada no homem e sua capacidade de construir uma vida que vale a pena para si mesmo e seus parceiros, aqui e agora. A ênfase é colocada nos próprios recursos intelectuais e morais do homem, e a noção de religião sobrenatural é rejeitada."
O humanismo diz que o homem não precisa de um Salvador, não deverá confiar no evangelho, e não precisa de qualquer bênção espiritual. Isto é o oposto de "pobre de espírito". E esta arrogância e rebeldia contra Deus são ilustradas pelo rei babilônio descrito em Isaías 14 (veja Isaías 14:12-15). Esta mesma perspectiva é ilustrada na atitude daqueles que tentaram construir a torre de Babel (veja Gênesis 11:4). O motivo principal era a glória do homem. Eles eram pobres de espírito, mas ricos em orgulho humano.

Ser pobre de espírito é ter a disposição descrita em Isaías 66:2 (em sintonia com Tiago 4): "... mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra".

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