sábado, 23 de janeiro de 2016

A MORTE DO MAGNÍFICO ATOR ANTÔNIO POMPÊO

Dei um tempinho. Fiquei calado só pra ver se alguém iria fazer algum comentário. Fiquei esperando as citações de homenagens e/ou reportagens especiais nos programas de televisão, aqueles, horríveis, em formato de revista eletrônica exibidos aos domingos. Fiquei aguardando uma grande repercussão midiática, com a exibição de atores e atrizes dando depoimentos sobre tão grande perda, links diretos do velório... Que nada! Ficou mesmo só em algumas notinhas dos grandes sites e uma ou outra rápida menção em redes sociais de grupos de movimentos raciais. Mas, enfim, quero falar não somente sobre a perda desse ilustre brasileiro - um ator de talento inquestionável, com um absoluto poder de interpretação que atuava até com gestos e olhares, que não foi protagonista de nenhuma novela da Globo, não era galã, não exibia corpo esculpido em academia e nem era cheio de tatuagens, mas tinha o talento pulsando nas veias - mas também de mais uma constatação que, apesar de priscos avanços, ainda há sim, muito RACISMO nesse Brasil nosso de todas as raças. 

O fato


Foi encontrado morto no dia 05 deste mês (janeiro, 2016), em seu apartamento em Guratiba, zona oeste do Rio de Janeiro, aos 62 anos, o ator Antônio Pompêo. A causa da morte ainda não foi constatada pelos peritos do Instituto Médico Legal, mas vizinhos supõem que o ator perdeu a vida no domingo, 03, em decorrência de causas naturais.

Quem foi


Militante do Movimento Negro e um dos atores negros de maior visibilidade na TV aberta e no cinema do País, Pompêo foi diretor de Promoção, Estudos, Pesquisas e Divulgação da Cultura Afro Brasileira da Fundação Palmares e participou de filmes importantes como "Se Segura, Malandro", de Hugo Carvana, "Quilombo" e "Xica da Silva", ambos de Cacá Diegues, e de novelas de sucesso como "Pedra Sobre Pedra" (1992), "Mulheres de Areia" (1993), "Pedra Sobre Pedra" e "O Rei do Gado" (1996/97), todas exibidas pela Rede Globo. Seu último trabalho televisivo, o folhetim "Balacobaco", da Rede Record, foi ao ar em 2012.

Os fatos


A ausência de perspectivas profissionais em veículos de comunicação de grande visibilidade é sintomática do racismo velado que existe nas grandes emissoras de TV do Brasil, também visível no âmbito da propaganda. Segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010, 50,7% da população do País é preta ou parda. No entanto, em pleno ano de 2016, essa condição demográfica majoritária é praticamente invisível nas produções televisivas e nas peças publicitárias que circulam na TV e nos veículos da mídia impressa.

Em entrevista recente ao site Brasileiros , o ator Lázaro Ramos atribuiu ao seriado "Mister Brau" - que teve sua primeira temporada exibida pela Rede Globo entre setembro e dezembro de 2015 -, do qual foi protagonista, um papel divisor na história da TV brasileira. Na entrevista, o ator disse:
“A maneira como eles se vestem (Brau e sua mulher, Michelle, interpretada pela atriz e esposa de Lázaro, Taís Araújo), por exemplo, é uma releitura do que a moda africana mostrou e tem mostrado para o mundo. São pessoas de origem popular, mas que tem conhecimento da estética afro e fazem disso uma coisa pop. Acho um passo importante, porque também é uma atitude de afirmação racial. Os personagens sabem da sua origem, gostam da sua origem e não tem o menor problema em propagar essa origem. Isso vale para tudo: a cor da pele, o fato de eles virem do bairro de Madureira ou a maneira intensa com que eles festejam. Eles têm muita autoestima. Mister Brau tem o ineditismo de ser o primeiro seriado da TV brasileira protagonizado por dois negros que são ricos”. (Sic)

Constrangedor é perceber que na grade de atrações da mesma emissora carioca, a despeito do ineditismo de "Mister Brau", que abordou de maneira enfática e bem humorada como são vistos os negros que alcançam a alta sociedade, parece não haver espaço para talentos como os veteranos Ruth de Souza (certamente muitos jovens não sabem que é essa excelente atriz), Milton Gonçalves (de todos, ele, aliás, é um dos que mais aparecem na televisão, mas nunca foi protagonista em nenhuma produção televisiva) e Antônio Pitanga (ator talentosíssimo, pai da Camila Pitanga que, assim como a Tais Araújo, é uma das poucas atrizes negras com o status de estrela na teledramaturgia). 

Conforme citado em matéria no site Brasileiros, a atual novela das 21h, "A Regra do Jogo", perceba, os negros ali representados são estereotipados como empregados domésticos, objeto sexual ou funkeiros acéfalos. Toni Tornado, que outrora cantou em "Sou Negro, Sim" "...o meu caráter não está na minha cor", aos 85 anos, tem de dispensar seu enorme talento dramático em papeis secundários do Zorra Total, humorístico semanal célebre por não fazer rir.

Quem são


Mesmo alcançando a consagração como Xica da Silva - como foi o caso da excelente atriz e cantora Zezé Motta ou Zumbi dos Palmares - como foi o caso de Pompêo -, talvez a atriz ou o ator negro não experimente mais na vida, convites para compor personagens igualmente grandiosos. Isso pode tirar a vida de muitos, aos poucos. 

A morte quase sempre nos pega na curva, na volta da esquina. Na vivência do ordinário. Mesmo sendo um dos eventos mais seguros e aguardados da vida. Talvez por isso mereça o status de notícia se for violenta, dramática ou trágica. Ou, quem sabe se envolver algum astro precoce da música sertaneja, mesmo que o talento deste possa ser colocado em xeque.

Antonio Pompêo, reconhecido ator de 62 anos, morreu em casa. Aparentemente por razões naturais.

Reconhecido por quem? Pelos seus, provavelmente, para os quais o brilho do personagem Zumbi dos Palmares, de Cacá Diegues, foi a interpretação mais marcante. Jamais esquecida pelos que o amaram e presenciaram tristeza, angústia devido aos parcos papeis relevantes interpretados ao longo da carreira. Sem abordar as dificuldades materiais decorrentes. Pelos poucos convites para trabalhos grandes e representativos.

Reconhecido também pelos colegas de profissão. Pelos que o conheceram como artista plástico e como gestor de cultura.

Ora, dirão alguns, são inúmeros os artistas talentosos a sofrer por não serem suficientemente aproveitados. É verdade, responderíamos. Mas o artista negro vive coisas específicas que vão minando suas forças e levam muitos deles a desistir da carreira precocemente.

A veterana e combativa Zezé Motta, por exemplo, conseguiu construir uma narrativa vitoriosa em cenário adverso. Nem todos conseguem. Muitos sucumbem. Manteve-se em cena, mas precisou sobreviver a um tempo em que só uma atriz negra por vez atuava em novela. Não havia espaço para a performance paralela de outra. Como se o público só suportasse uma cara de mulher negra por vez, de acordo com a leitura dos programadores de TV.

Sobreviveu ao primeiro convite depois do sucesso estrondoso de sua interpretação de Xica da Silva: uma empregada doméstica, que entrava e saía muda de cena, servindo cafezinho e recolhendo xícaras.

Tem sido assim para atores e atrizes negros. Precisam dar tudo em um papel, pois já sabem que existem poucos papeis para negros fora dos produtos audiovisuais que tratem de escravismo colonial, massacres urbanos, violência, miséria (papeis secundários e figurações) ou situações históricas específicas.

Conclusão

E do lado de lá?


Surpresa para muitos, a situação não é tão diferente para artistas negros estadunidenses, como alertou Viola Davis, no momento de recepção do Emmy 2015. Faltam oportunidades de destaque para atrizes negras.

E mesmo alcançando a consagração como Xica da Silva ou Zumbi dos Palmares, talvez a atriz ou o ator negro não experimente mais na vida, convites para compor personagens igualmente grandiosos. Isso pode tirar a vida de muitos, aos poucos. Em movimentos lentos e perceptíveis apenas a quem vive a dor do ostracismo e aos amigos e companheiros de destino. Até o dia em que as luzes do set se apaguem por banzo definitivo. Descanse em paz, Antônio Pompêo!

[Fonte: Site Brasileiros e Revista Raça Brasil]

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