"...disse João a todos: Eu, na verdade vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. A sua pá, ele a tem na mão, para limpar completamente a sua eira e recolher o trigo no seu celeiro; porém queimará a palha em fogo inextinguível" (Lucas 3:16,17).
Um irmão me fez uma pergunta suscitando uma dúvida que é muito comum no meio cristão. Afinal, o que é o batismo com fogo dito por João Batista e registrado por Lucas, no capítulo 3, versos 16, 17? Para responder com mais propriedade a este irmão, resolvi estudar um pouco mais sobre o assunto e cheguei à seguinte conclusão.
Este é um daqueles temas bíblicos que dão margem para um leque de interpretações. Então o que fazer nesses casos? Buscar equilíbrio nas Escrituras e fazer associação contextual com aquilo que o Espírito Santo alinhar à sua fé. Uma coisa é certa. A Bíblia não se contradiz e se sustenta do Gênesis ao Apocalipse, linha a linha, versículo a versículo. Então vejamos os três posicionamentos teológicos sobre o assunto.
Antes, porém, é salutar que entendamos qual o contexto bíblico para a palavra 'batismo' (do grego baptizo e do hebraico tevilah), que literalmente significa "lavar". Na Bíblia essa palavra é muito ligada à atividade do precursor de Cristo, João Batista, que batizava no Jordão (Mateus 3:11 e paralelos). É por isso que ele é chamado de "batista". Sobre a origem do batismo, há várias hipóteses. Alguns dizem que venha dos rituais de purificação existentes na tradição judaica. Esses rituais, repetidas em várias situações da vida quotidiana, permitiam ao judeu de purificar-se e realizar suas tarefas religiosas.
Outra hipótese defende que a sua origem esteja na Comunidade de Qumran, onde viviam os essênios. Certamente existe uma integração das duas realidades. Ou seja, o batismo de João pode ser entendido como uma adaptação dos trabalhos rituais dos judeus, sobre os quais a comunidade de Qumran exerceu uma certa influência. Jesus foi batizado por João e provavelmente também os apóstolos (João 1:35-42). E depois os cristãos continuaram a práxis de João, provavelmente já a partir do Pentecostes, graças ao mandamento de Jesus ressuscitado, como lemos em Mateus 28:19: "Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo."
O batismo de João era um batismo de penitência (Mateus 3,11; Marcos 1,4; Lucas 3,3; Atos dos Apóstolos 13,24). Quem era batizado por ele testemunhava o seu arrependimento e o desejo de receber o perdão. Era, no fundo, uma ação que preparava a pessoa à vinda do Messias. No início do cristianismo, o fato que Jesus tenha sido batizado por João não era fácil de ser aceitado. Mas nós precisamos ler esse evento como uma disposição de Jesus a aceitar a vontade divina. Depois do batismo de João, o Espírito Santo desceu sobre Cristo (Mateus 3,16). A partir daí, esse batismo de Jesus é visto como o protótipo do batismo cristão, o batismo com água e espírito.
O batismo com fogo: castigo eterno?
Esta vertente teológica explica que todos os relatos do evangelho incluem algum comentário feito por João sobre o poder superior de Jesus (Mateus 3:11-12; Marcos 1:7-8; Lucas 3:15-17; João 1:32-34). Sendo os relatos de Mateus e Lucas são os mais completos, e basicamente idênticos. O batismo com o Espírito Santo é identificado em outras passagens. Em Atos 1:4-5, Jesus o prometeu aos apóstolos. Ele cumpriu essa promessa em Atos 2:1-4. Outra vez, ele concedeu o batismo com o Espírito Santo à família de Cornélio (Atos 10:44-48; 11:15-17).
Mas, o que é o batismo com fogo? Alguns sugerem que o fogo se refere às "línguas, 'como de' fogo" que pousaram sobre os apóstolos em Atos 2:3. Mas, tal interpretação não explica adequadamente o comentário de João Batista. No contexto imediato (Lucas 3:17; Mateus 3:12), João explica que o fogo representa castigo em fogo inextinguível. Alguns de seus ouvintes - João falava a dois grupos distinto de pessoas: os pecadores arrependidos e os crentes arrogantes que continuavam a confiar nas suas tradições e rituais - seriam batizados com o Espírito Santo, e outros deles seriam imersos no fogo do castigo eterno.
Estes teólogos explicam que João mencionou esses batismos principalmente para ensinar a superioridade de Jesus . João, sendo mero homem, tinha autoridade para controlar as águas que ele usava nos batismos de milhares de judeus. Mas Jesus, sendo o Filho de Deus, mostraria seu poder ilimitado. Ele enviaria o Espírito Santo e, também, rejeitaria algumas pessoas eternamente. Ainda segundo esse entendimento, João e outros pregadores na Bíblia não falaram do inferno sem propósito. Não falaram desse assunto para assustar os ouvintes, nem para sugerir que Jesus fosse somente severo (veja Romanos 11:22).
Quando pregaram sobre o castigo eterno, eles estavam nos ajudando a entender a importância de obediência a Cristo. Se não aceitarmos a salvação que ele oferece, teremos o destino infeliz "em chama de fogo" (2 Tessalonicenses 1:7,8).
O batismo com fogo - as lutas?
Os defensores desse tese afirmam que há uma diferença grande entre essas duas expressões - batismo com o Espírito Santo e [batismo] com fogo -, que não podem ser confundidas. Eles entendem que o “batismo com o Espírito Santo” é algo especial e único na vida de uma pessoa. E está intimamente ligado à qualidade do relacionamento que a pessoa cultiva e desenvolve com Deus.
Já o “batismo de fogo” trata-se das provações que surgem em nossa vida depois que decidimos pela nossa entrega ao Senhor Jesus. É uma fase muito difícil para o convertido, porque ele deixa uma vida de erros para abraçar essa fé. Por causa disso os parentes se voltam contra ele, os antigos amigos zombam da decisão que ele tomou e as tentações continuam grandes. Por isso, há aqueles que persistem seguindo e nascem de Deus e há os que desistem no meio do caminho dessa conversão.
Essas duas expressões podem ser encontradas nessa passagem dita por João Batista - aqui, citando segundo o Evangelho de Mateus: “Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas Aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.” 3:11
O batismo com fogo - é análogo ao batismo com o Espírito Santo?
Por esta vertente teológica, fazendo uma analogia geral da Bíblia, entende-se que o batismo com o Espírito Santo e com fogo (Mt 3:11; Lc 3:16) é uma coisa só, não havendo base contextual suficiente para a criação de outro batismo de julgamento, distinto do batismo com o Espírito Santo.
Segue-se que o fogo, nas passagens sinóticas mencionadas, foi empregado tão-somente para ajudar-nos a compreender, pela sua riqueza simbólica, a multíplice manifestação do Espírito na igreja. Não foi por acaso que o apóstolo Paulo asseverou: “Não extingais [apagueis] o Espírito” (1 Ts 5:19). Paulo usou a figura do fogo para ilustrar a manifestação do Espírito no meio do povo de Deus. Isso porque o fogo alastra-se, comunica-se, purifica, ilumina, aquece, etc. Assim é a manifestação do Espírito como fogo.
Para muitos, a dificuldade em aceitar o batismo com o Espírito Santo e com fogo deve-se ao fato de a salvação em Cristo também ser descrita, figuradamente, como um batismo (1 Co 12:13, Gl 3:27; Ef 4:5). Todos os salvos, verdadeiramente, foram batizados pelo Espírito, imersos, feitos participantes do Corpo místico de Cristo, que é a sua Igreja (Hebreus 12:23; 1 Co 12:12). Nesse batismo da conversão, recebemos vida de Deus, mas o batismo com o Espírito e com fogo confere-nos poder de Deus (At 1:8).
Os discípulos que foram agraciados com o revestimento de poder no dia de Pentecostes já eram salvos! Observe a promessa que o Senhor havia feito a eles: “Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1:5) - note-se que o Mestre não faz qualquer menção ao batismo com fogo, como sendo algo distinto.
Quando o apóstolo Paulo passou por Éfeso, depois de Apolo, disse aos salvos que ali estavam: “Certamente João [Batista] batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo. E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam” (At 19:4-6).
Portanto, num sentido, todos os salvos foram batizados pelo Espírito Santo no Corpo de Cristo. Noutro, nem todos foram batizados com o Espírito Santo e com fogo, conquanto esse dom esteja à disposição de cada salvo em Cristo. Afinal, essa “promessa (...) diz respeito (...) a tantos quantos Deus, nosso Senhor, chamar” (At 2:39).
Conclusão
Analisemos os comentários de outros autores:
A Bíblia de Estudo Plenitude no texto de Lc 3:16 remete para um comentário de Mt 3:11 como segue: “O batismo de João é um tipo de experiência de salvação de ser batizado no Espírito. Como o batismo de João colocava o indivíduo dentro da água, o batismo de Jesus coloca o cristão no Espírito, identificando-o como totalmente ligado ao Senhor. O fogo purifica ou destrói. Portanto, a salvação em Jesus Cristo será purificadora para os verdadeiros judeus que o aceitarem como o Messias, e destruidora para aqueles que o rejeitarem.”
A Bíblia de Estudo Genebra comenta assim a questão do fogo em Lc 3:16: “O batismo com fogo aponta para o juízo (v.9 nota). A pá para limpar sua eira’ é outro símbolo para o juízo (v. 17)...”.
A Bíblia de Estudo NVI assim comenta o mesmo texto: “...e com fogo. Aqui, o fogo está associado ao juízo (v.17)...”.
A Bíblia de Estudo Shedd analisa o texto assim: “...Fogo. O contexto (17) parece exigir o sentido de prova, de julgamento (Lc 12:39-53; 1 Co 3:13).” Ainda a mesma Bíblia comenta Mt 3:11 assim: “Com o Espírito Santo e com fogo. Refere-se ao ministério espiritual de Cristo. Sua obra começou acompanhada pela energia sobrenatural do Espírito Santo, colhendo-se algum ‘trigo’ (os fiéis), e revelando-se quem seria ‘palha’ para julgamento. A doutrina do batismo no Espírito Santo não recebe luzes neste trecho, pois o assunto pertence à época posterior à ressurreição de Jesus (1 Co 12:13)".
R. N. Champlin, em sua obra “O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo”, relaciona o texto de Lc 3:16 com o comentário de Mt 3:11, como segue: “...Há várias interpretações dessas palavras: 1. Alguns acham que aqui temos dois batismos, um do Espírito e outro de fogo, e que esse último fala de juízo, provavelmente até de inferno. Assim interpretaram Origines e outros pais da igreja...alguns bons intérpretes reputam esse batismo de fogo como algo que se refere ao juízo."
Fogo como símbolo do Espírito Santo ‑ (Atos 2:3). O fogo, como símbolo do Espírito Santo, fala da sua grande força em relação às diversas maneiras de sua operação, para corrigir os defeitos da nossa natureza decaída e conduzir‑nos à perfeição que deve adornar os filhos de Deus. Mais do que isto, o fogo fala da ação purificadora do Espírito Santo. O Espírito Santo é comparado ao fogo que aquece, ilumina, espalha‑se e purifica.
Válido salientar que são posicionamentos, entendimentos pessoais - logo, não podem ser considerados como doutrinas - de estudiosos da Bíblia. Devemos tomar muito cuidado ao interpretar a Bíblia, pois muito embora o Senhor não tome em conta o tempo da ignorância (Atos 17:30), é Seu desejo que cresçamos em graça e conhecimento (Oseias 6:3; 2 Pe 3:18). É importante conhecer as regras de hermenêutica e, além de tudo, ter humildade para aprender do Senhor a cada dia. Só para lembrar, está escrito:
"Há um só corpo e um só Espírito, da mesma forma que a esperança para a qual fostes chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos." Efésio 4:4-6 (grifo meu).
Nenhum comentário:
Postar um comentário