sábado, 20 de junho de 2015

A SÍNDROME DO SEMIDEUS

Thor (o deus do trovão, dos raios e dos relâmpagos), personagem semideus da mitologia nórdica. Aqui, retratado pelo ator Chris Hemsworth, para o filme "Os Vingadores", de 2012.

O título do artigo surgiu quando eu, enquanto fazia minha corrida, pensava sobre o comportamento de pessoas que, influenciadas por algum tipo de situação, adotam posturas acima do bem e do mal, consideram-se proprietárias da verdade e não se reconhecem sujeitas às mesmas fraquezas humanas. O absolutismo é tanto que agem com a maior naturalidade, pouco se importando com os resultados daí advindos.

Em nosso caso específico, o semideus é aquela pessoa que se "deifica" a partir do momento em que não aceita o questionamento de suas ações, não admite sua vulnerabilidade, assume sozinho o peso de decisões que deveriam ser compartilhadas, prefere ouvir os elogios da subserviência à crítica construtiva, chegando ao cúmulo de ultrapassa os limites da ética para satisfazer interesses pessoais.

Para alcançar os fins a que se propõe, o semideus não se constrange em articular tramas ardilosas, em nome da verdade, das quais até Maquiavel [Nicolau Maquiavel foi um importante historiador, diplomata, filósofo, estadista e político italiano da época do Renascimento. Nasceu na cidade italiana de Florença em 3 de maio de 1469 e morreu, na mesma cidade, em 21 de junho de 1527.] se envergonharia. Não é Deus, mas ai daquele que de forma sincera e humilde sugere-lhe a possibilidade de estar errado. A condenação às chamas do inferno vem a galope, com toda sorte de imprecações. Sem direito de defesa. Não é Deus, mas falta pouco para tentar derrubá-lO do trono e ocupar o seu lugar. Como quis fazer conhecido personagem da história bíblica, o qual anda ao nosso "derredor, procurando a quem possa tragar".

"Miserável homem que sou!"


O apóstolo Paulo experimentou algumas vezes esta tentação, mas sempre soube detectá-la e repreendê-la a tempo. Por exemplo, em sua última viagem registrada no livro de Atos, a caminho de Roma, viu-se assim retratado, sem, todavia, aceitar o rótulo que se lhe impunham.

O mais interessante, no entanto, é que em questão de segundos a reputação paulina foi de um extremo ao outro. Enquanto a víbora lhe picava a mão, qualificavam-no como um homicida sob o efeito da justiça divina. Mas quando lançou-a ao fogo e nenhum mal lhe sobreveio, já não mais viam um criminoso. Era um semideus.

Paulo, porém não permitiu que a opinião pública exercesse sobre ele qualquer influência. Continuou sendo a mesma pessoa mortal, falível, humana e dependente da graça de Deus.

A síndrome do semideus se manifesta sob variadas circunstâncias.


O exercício inadequado de liderança é um "excelente" laboratório para o desenvolvimento desse vírus. Todos, em menor ou maior grau, lideram alguma coisa. Desde o pai de família ao supremo mandatário da nação, há líderes e liderados. À medida que o indivíduo amplia o leque de sua liderança, se vê forçosamente pressionado por uma série de fatores a considerar-se capaz o suficiente para decidir por conta própria. E de forma absoluta tornar-se um semideus.

É a necessidade de manter o poder a todo custo. É a falta de confiança nos assessores que o cercam. É a insegurança do despreparo pessoal, enquanto há outros melhores qualificados à sua volta. É a influência unilateral dos que pintam aos olhos do líder um quadro cor-de-rosa, mesmo que as cores sejam sombrias. Ou, ao contrário, é a frágil certeza de que os acertos lhe dão a garantia de amais cometer erros. É o isolamento das paredes frias do gabinete, que não lhe permitem acesso ao que pesam os seus liderados.

Vale lembrar, neste caso, que o próprio Deus teve outro comportamento. Sem desconhecer a linguagem antropomórfica, subentende-se da Bíblia que todas as tardes, após os atos da criação, Ele visitava o jardim do Éden para ver como as coisas andavam e, para isso, "batia um papo" com Adão.

Quando o líder chega a este ponto, já ganhou ares de infalibilidade e considera humilhante reconhecer seus fracassos. Fica-lhe a impressão de que perderá a credibilidade. Mas o ensino Bíblico é outro.

Falível, limitado graças a Deus


Desde que se exerça a liderança segundo os padrões da Palavra de Deus e haja o sincero desejo de manter-se "despido", ele saberá ouvir mais e errar menos. Terá graça para discernir quem são os seus subservientes de plantão e atentará para os que sinceramente pintam os fatos com as cores da realidade. Conhecer o que se passa entre o povo não apenas pelas informações frias que chegam ao gabinete, mas principalmente através do seu próprio contato pessoal.

E, se ainda assim, vier a errar terá a coragem dos grandes estadistas de reconhecer onde falhou, corrigir a rota e seguir em frente. Mantendo os mesmos princípios.

Não há demérito em admitir o erro e confessá-lo. Quando li a biografia do pastor David Yonggi Cho [David (Paul) Yonggi Cho é um ministro evangélico coreano, ligado à Associação Mundial das Assembleias de Deus. É pastor da Igreja do Evangelho Pleno de Yoido. Ele nasceu com o nome de Yonggi Cho, incluiu o primeiro nome Paul para facilitar o contato com os ocidentais, mas depois mudou seu nome para David Yonggi Cho. Em 2014, aos 78 anos de idade, a notícia de que Cho foi condenado a prisão por desvio de dinheiro surpreendeu grande parte da comunidade cristã mundial. Conhecido por seus livros e por ter fundado a maior igreja do mundo (em membros), Cho estava afastado do púlpito há cinco anos.], o que mais me marcou foi a sua coragem diante de um quadro sombrio que pairava sobre a sua igreja. As dívidas assumidas com a construção do templo estavam acumuladas e ele não sabia mais que atitude tomar. Mas em algum ponto de sua análise sobre aquele grave problema, reconheceu tratar-se de alguma falha pessoal na administração.

Diante disso, não hesitou em comparecer diante da congregação para confessar o erro. Além do perdão recebido, sua atitude mudou o coração do povo. A partir de então, as contribuições aumentaram, gestos espontâneos de doações começaram a surgir entre os crentes, as dívidas foram pagas e o prédio concluído como um marco de que Deus honra os que lhes são fiéis, ainda que sejam limitados, imperfeitos.

Alguém poderá alegar que foi apenas influência da cultura oriental, pois fatos como este se repetem também entre governantes de países como a Coreia do Sul, que eventualmente comparecem à tv para desculpar-se de alguma falha administrativa. Seja como for, bendita cultura esta, que, pelo menos neste caso, cumpre um princípio da Palavra de Deus. Piores são aqueles que esculhambam com a nação pela qual são responsáveis e depois vêm à público, em rede nacional de rádio e televisão, dizerem que "não sabiam de nada".

O verdadeiro líder é aquele que procura acertar, mas sabe e admite que erra.


A vaidade da ocupação do cargo, em detrimento de vê-lo apenas como um meio, é outro caminho para a manifestação do semideus. Quem deseja ser honesto há de concluir que se envaidecer é da natureza humana. Quando mais elevada a função, mais esse sentimento tende a manifestar-se. É aí que os limites da ética começam a ser ultrapassados para que a projeção do eu ocupe o espaço. Não é mais a graça de Deus a razão do êxito, mas a minha capacidade pessoal. Por isso, uso de todos os artifícios para que as luzes focalizem a minha pessoa.

Em inúmeras circunstâncias somos tentados pela cobiça dos olhos, pela vaidade que nos sobe à cabeça. Corremos o risco de experimentar ser um semideus (Uau!!!). E para isso, tome títulos, "consagrações", envergaduras. 

Para que não sucumbamos vitimados por tão nociva síndrome que corrói o caráter, compromete a moral e viola os bons costumes, devemos procurar fazer nossas as palavras do apóstolo Paulo: "Esta é uma palavra fiel e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores; dos quais eu sou o principal" (o grifo é meu), 1 Timóteo 1:15. Eu sei que nada sou. Ele é tudo em mim.

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