"O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica. 2 Coríntios 3:6"
Este é o versículo completo, que está inserido em todo um contexto do escrito de Paulo em sua segunda epístola enviada à igreja de Corinto. Mas, para variar, o "válido", ou o mais usado é o finalzinho "...a letra mata e o espírito vivifica." Muitos fazem uma análise absurdamente equivocada desse versículo. Em um extremo há os que não são chegados em não se aprimorar nos estudos mais sistemáticos das Escrituras, que negligenciam e até mesmo desprezam a importância do conhecimento. Em outro há os que não gostam de mesmo de ler a Bíblia. Em ambos os casos usam a justificativa de a revelação vem "direto de Deus" e/ou que basta abrir a boca "que o Espírito Santo a enche". Ou seja, na tentativa de tentar se justificar, eles partem para a estratégia da espiritualização.
Mas, afinal, o que este versículo diz em sua essência? O que o apóstolo Paulo, um erudito, quis dizer? Iria ele, que era muito bem letrado, desprezado a importância do estudo, da aquisição de conhecimento? Será que o apóstolo quis contradizer o profeta Oseias, que disse: "O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos." Oséias 4:6?
Os estudos são um assunto que sempre gera polêmica no meio evangélico. Enquanto uns gostam de aprofundar os estudos da Bíblia, fazendo também extensa leitura de livros com cunho cristão, outros detestam estudar e ainda criticam aos que gostam de ler outros livros, alegando que os únicos textos válidos são os bíblicos. O grande problema na interpretação e no entendimento desse versículo está justamente o fato de fragmentá-lo e usá-lo isoladamente. Ironicamente, o ato de não querer "perder tempo" estudando, analisando cuidadosamente o texto é que faz com que esses equívocos perigosos sejam cometidos. Encontramos o equilíbrio nas Escrituras.
Entendendo os contextos
Tudo [sempre] começa com Deus. Ele nos criou, e ele nos comunica como devemos viver. Desde o primeiro dia da existência humana, Deus tem falado com o homem, guiando-o na sua jornada terrestre. O homem depende de Deus para direção. Jeremias disse: “Eu sei, ó Senhor, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem ao que caminha o dirigir os seus passos” (Jeremias 10:23). Em épocas diferentes, Deus tem usado meios diferentes para comunicar mensagens diferentes ao homem.
No princípio, falou com os chefes de famílias, e estes repassaram as mensagens aos descendentes. Depois, ele separou alguns dos descendentes de Abraão e lhes deu uma aliança ou testamento especial. Por último, ele falou pelo próprio Filho e usou os servos dele para transmitir a todos os homens a nova aliança ou testamento.
Acredito na palavra de Deus e dou importância ao estudo cuidadoso e a aplicação precisa das Escrituras. Frequentemente, quando mostramos para algumas pessoas religiosas que precisam mudar alguma coisa para se alinhar com a vontade de Deus, revelada no Novo Testamento, alguém tenta fugir usando as palavras de Paulo. O argumento, normalmente, é este: A letra (o estudo cuidadoso da palavra) é prejudicial e nos mata espiritualmente, mas o espírito (o que a pessoa sente no coração como a vontade de Deus) vivifica. Então, a pessoa conclui, nós não devemos nos esforçar para estudar a Bíblia. Acredita que devamos deixar o Espírito nos guiar sem conhecimento da palavra.
Há vários problemas sérios com esta abordagem. Entre eles:
1 - Este argumento ignora o contexto de 2 Coríntios 3 e distorce totalmente o sentido do versículo citado. Já veremos mais sobre isso.
2 - É um processo de raciocínio que leva a pessoa a adotar uma atitude que Deus condena. Considere alguns avisos dados por Deus: “Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte”(Provérbios 14:12); “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor” (Isaías 55:8; observe que ele fala logo em seguida sobre a palavra falada por Deus – 55:10-11).
3 - Ironicamente, este raciocínio é usado por algumas pessoas para defender doutrinas e práticas do Antigo Testamento, que é exatamente o que Paulo está condenando!
Podemos resolver a questão do sentido deste versículo com uma boa leitura do contexto de 2 Coríntios 3. Tome alguns minutos para ler o capítulo inteiro (são apenas 18 versículos). Agora, vamos ver o que Paulo diz neste capítulo. Ele falou de uma relação especial (3:1-6) que envolve [1] Deus Pai (a suficiência vem dele, e o homem sem Deus não pode pensar alguma coisa – 3:5); [2] Cristo (a confiança vem por intermédio de Jesus – 3:4); [3] Apóstolos, especificamente Paulo (ministros da nova aliança de Cristo – 3:3,6; cf. 2:9,12,17); [4] Cristãos, especificamente os coríntios (a carta de recomendação para o mundo porque receberam a palavra nos corações – 3:2-3).
Com estas relações como sua base, Paulo continua nos versículos seguintes mostrando a diferença entre a lei e o espírito (3:7-18). Ele mostra que o Antigo Testamento (a letra) traz a condenação, enquanto o Novo (o espírito) oferece a salvação. Para compreender bem esta parte importante do capítulo, analise a tabela abaixo e compreenderá (para melhor compreensão da tabela é fundamental a leitura integral de 2 Coríntios 3) que este trecho não é um aviso contra o estudo cuidadoso da palavra, e jamais deve ser usado para justificar a preguiça no estudo ou a teimosia em recusar qualquer instrução que vem do Senhor.
A letra mata
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O espírito vivifica
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“o ministério da morte, gravado com letras
em pedras” (3:7)
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“o ministério do Espírito” (3:8)
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Moisés (3:7)
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Apóstolos de Jesus (3:6)
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“O ministério da condenação” (3:9)
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“o ministério da justiça” (3:9)
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Glorioso (3:9)
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Muito mais glorioso (3:9)
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“foi glorificado...já não resplandece”
(3:10)
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“atual sobreexcelente glória” (3:10)
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“o que se desvanecia teve sua glória” (3:11)
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“muito mais glória tem o que é permanente”
(3:11)
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O véu de Moisés escondeu o que se desvanecia
(3:12-13)
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Os apóstolos falaram com ousadia, sem
esconder a esperança (3:12)
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Os seguidores do AT ainda têm o véu
(3:14-15)
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O véu é removido em Cristo (3:14,16)
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Há condenação na Lei (3:9; cf. Romanos 3:20;
Gálatas 3:22)
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Há liberdade no Espírito (3:17)
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A letra do AT condena (3:7,9) – a letra
mata!
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Somos transformados no Espírito no NT (3:18)
– o Espírito vivifica!
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Reinos Diferentes
O reino governado pela Antiga Aliança foi limitado. Era limitado em termos de pessoas, porque era o reino do povo de Israel. Quando Deus revelou aquela lei no monte Sinai, ele disse: “Assim falarás à casa de Jacó e anunciarás aos filhos de Israel.... vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel” (Êxodo 19:3,6). Era limitado em termos de território, porque o povo geralmente morava dentro de um território nacional. Deus disse: “Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o Senhor, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a possuir” (Deuteronômio 6:1; cf. 11:8). Estrangeiros foram obrigados a guardar algumas leis quando moravam no território de Israel: “A mesma lei e o mesmo rito haverá para vós outros e para o estrangeiro que mora convosco” (Deuteronômio 15:16).
Mas o reino da Nova Aliança é universal. Jesus tem “toda a autoridade . . . no céu e na terra” e mandou os apóstolos a fazerem discípulos de todas as nações (Mateus 28:18-20). O reino de Cristo hoje é a “universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus” (Hebreus 12:22-23). Não é limitado por território geográfico, pois este reino é espiritual (1 Pedro 2:5). A vontade do rei, Jesus Cristo, vale para todas as pessoas na face da terra (Atos 17:30; Romanos 1:16).
Templos Diferentes
Há um contraste semelhante entre os templos das duas alianças. No Antigo Testamento, a habitação de Deus foi representada por uma estrutura física. O rei Artaxerxes, da Pérsia, falou do “Deus de Israel, cuja habitação está em Jerusalém” (Esdras 7:15). No Antigo Testamento, o templo foi conhecido como “a Casa de Deus” (2 Crônicas 7:6). É importante frisar o sentido simbólico destas citações, pois o povo entendeu que Deus não seria limitado a uma casa material. Salomão perguntou: “Mas, de fato, habitaria Deus com os homens na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei” (2 Crônicas 6:18).
Hoje, a habitação de Deus é espiritual. O conceito do templo ou santuário de Deus é usado no Novo Testamento em dois sentidos, ambos espirituais. Coletivamente, a igreja é o santuário de Deus (1 Coríntios 3:16). Individualmente, o cristão é a habitação de Deus (1 Coríntios 6:19-20; João 14:23).
Conclusão
Hoje, a presença de Deus não depende da nação em que nascemos. Depende da nossa decisão de servir a Jesus. Ele disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (João 14:23). Seja sábio e não dispense, ignore, negligencie ou despreze as oportunidades que lhe aparecem de ter cada vez mais conhecimento da Palavra de Deus. Não o conhecimento pelo conhecimento, mas, principalmente, o conhecimento para uma prática diária, constante, responsável, coerente e consciente. Conhecimento e poder andando alinhados é o ponto de equilíbrio no desenvolvimento do crente.
"Sede praticantes da Palavra e não simplesmente ouvintes, iludindo a vós mesmos. Porquanto, se alguém é ouvinte da Palavra e não praticante, é semelhante a um homem que contempla o próprio rosto no espelho; e, depois de admirar a si mesmo, sai e logo se esquece da sua aparência. Porém, a pessoa que observa atentamente a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas praticante zeloso, será muito feliz em tudo o que empreender.
(Tiago 1:22-25 - Versão King James)"
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