terça-feira, 5 de maio de 2015

ADORAÇÃO OU ADORACIONISMO?

Vira e mexe o meio cristão, ou em termo mais apropriado, o segmento gospel é tomado por uma onda de "spiritual touch" (em inglês porque é lá na terra do tio San que nascem as ondas). Quem não se lembra dos "fenômenos: do paletó, do sopro, do riso, do choro, do cai-cai? E das unções: do pó de ouro, da águia, da chuva, do fogo? E tem mais: ministros cantando virados de costas para a igreja, carreiras desabaladas igreja afora. Tem também as baladas, boates... tudo feito "para Deus" "em nome de Deus" e para a "glória de Deus", claro. Bem recentemente uma enorme onda inundou as igrejas brasileiras. Foi a chamada "adoração extravagante" e nessa onda muitos surfaram e muitos se afogaram. 


Quando é de Deus, permanece 



Aqui eu quero fazer menção às palavras do sábio Gamaliel, instrutor do jovem Saulo de Tarso (Atos 22:1-3). Gamaliel era um bem-conhecido fariseu. Era neto de Hilel, o Velho, que fundara uma das duas grandes escolas de pensamento dentro do judaísmo farisaico. A Casa de Hilel tornou-se a expressão oficial do judaísmo, visto que todas as outras seitas desapareceram com a destruição do templo de Jerusalém. As decisões de Bet Hilel servem muitas vezes de base para a lei judaica no Míxena [O Mishná é um dos componentes do Talmude, o livro sagrado dos judeus, foi redigido pelos mestres chamados Tannaim ("tanaítas"), termo que deriva da palavra hebraica que significa "ensinar" ou "transmitir uma tradição". Os tanaítas viveram entre o século I e o III d.C. A primeira codificação é atribuída a Rabi Akiva (50 – 130), e uma segunda, a Rabi Meir (entre 130 e 160 d.C.), ambas as versões tendo sido escritas no atual idioma aramaico, ainda em uso no interior da Síria.], que se tornou o fundamento do Talmude, e a influência de Gamaliel, pelo visto, era um grande fator na sua predominância. Gamaliel era tão estimado, que foi o primeiro a ser chamado de raban, título superior ao de rabino. Esse personagem bíblico disse algo definitivo sobre o cristianismo, uma novidade ainda pouco conhecida na época em que se estabelecia a igreja primitiva pelos apóstolos: "(...) Se este plano ou este trabalho vem de seres humanos, ele desaparecerá. Mas, se vem de Deus, vocês não poderão destruí-lo, pois neste caso estariam lutando contra Deus." (Cito Atos: 5:38, 39, entretanto considero indispensável ler todo o capítulo para melhor entendimento do contexto e sua relevância com o tema proposto no artigo.) 

Jesus' pantyfans 


Já faz um tempo que "brigo"com as reuniões de adoração evangélicas. Me sento em protesto nauseado todas as vezes que as músicas desfilam um corolário interminável de "Eus" e "Meus". Fiz uma análise textual das "dez mais" da adoração nos playslists das igrejas provando gramaticalmente, semanticamente, teologicamente, sem sombra de dúvidas (penso eu) de maneira inequívoca que a divindade adorada por estas canções pseudo-evangélicas não é o Senhor dos Exércitos, o Deus Todo-Poderoso Criador de todas as coisas, mas um deus subserviente cuja única preocupação real é deixar o adorador feliz, realizado, num estado de êxtase orgásmico. Nada mais. Este deus não requer nada, não lhe diz nada, não lhe mostra outra realidade, não transforma sua vida, não chama o adorador para fora do seu Eu-narcísico. Não lhe mostra o pobre, a guerra, a dor, o amor ao outro, mas dá uma falsa sensação de triunfo pessoal que ao sair do templo rumo à latente realidade que pulsa em compasso descontrolado, transforma-se em uma insuportável sensação de frustração. Esse deus tão adorado ultimamente se contenta em acalentar-lhe o ego e se sente apaziguado quando ouve repetidas vezes elogios pobres à sua capacidade infinita de tornar o adorador indiferente e feliz. 

O teólogo J. K. Beale, em sua obra "Você se torna aquilo que adora" (editora Vida Nova, 35 pgs, 1983), diz "Minha ideia a respeito do texto de Isaías 6 é que o indivíduo se assemelha ao que ele reverencia, quer para sua ruína, quer para sua restauração (...). A tese não é que as pessoas se transformam nos ídolos ou no Deus que adoram, mas, sim, que elas passam a ser semelhantes aos ídolos que adoram, ou a Deus." Isto é um fato. Então, os que a Deus adoram, tornam-se semelhantes a Ele em sua essência. Somos o que cremos, somos o que cantamos também. Se cantamos só a nós, mergulhamos em nada além de nós. Ao invés de seguidores de Jesus hoje somos Jesus' pantyfans, verbete internético não pejorativo que se refere a fãs que jogam calcinhas em palcos. Somos "adoradores" ousados, exagerados, aparentemente por Jesus, mas no fundo, ou seja, na essência, em busca apenas do êxtase individual nada mais. Cantamos até atingirmos o nirvana gospel do nada além do meu budinha, gordo, satisfeito e assentado em sua inércia. Saímos das reuniões de adoração no clímax do orgasmo espiritual, extasiados enquanto os membros relaxam até a posição de descanso, murchos. 

Conclusão - Jesus disse:


— Mulher [discípulos], creia no que eu digo: chegará o tempo em que ninguém vai adorar a Deus nem neste monte nem em Jerusalém [indicando que a adoração não é geográfica, física, limitada]. Vocês, samaritanos, não sabem o que adoram, mas nós sabemos o que adoramos porque a salvação vem dos judeus [ou seja, o alvo da adoração era Ele, Jesus, o Messias prometido]. Mas virá o tempo, e, de fato, já chegou [ou seja, o tempo é hoje...], em que os verdadeiros adoradores [identificação espiritual concernente ao estilo de vida] vão adorar o Pai em espírito e em verdade [pessoalmente, em essência, de dentro para fora, de espírito para Espírito, não necessitando especificamente de elementos físicos, embora possa se manifestar, se expressar fisicamente]. Pois são esses que o Pai quer que o adorem [ou seja, Deus conhece os verdadeiros adoradores e sua linguagem na adoração]. Deus é Espírito, e por isso os que o adoram devem adorá-lo em espírito e em verdade [a adoração é um procedimento espiritual e não um sentimento emocional].

João 4:21-24 [NTLH], grifos meus

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