quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

SALOMÃO, O "REI DO CAMAROTE"

Salomão foi ungido e proclamado rei nos derradeiros anos de seu pai Davi, o qual abdicara em seu favor. Os primeiros tempos de sua vida foram promissores, e era propósito de Deus que ele fosse de força em força, de glória em glória, aproximando-se cada vez mais da semelhança do caráter de Deus, inspirando assim Seu povo a cumprir sua sagrada incumbência, como depositários da verdade divina.

Davi sabia que o elevado propósito de Deus para com Israel só se realizaria se dirigentes e povo procurassem com incessante vigilância atingir a norma estabelecida para eles. Ele sabia que para que seu filho Salomão correspondesse à confiança com que Deus Se agradara em honrá-lo, o jovem governante não devia ser meramente um guerreiro, um estadista, um soberano, mas um homem forte, bom, um ensinador de justiça, um exemplo de fidelidade.

O "Rei do Camarote"


Salomão ocuparia facilmente as páginas das revisas de tititi semanal, e certamente estaria no topo da lista dos dez mais: os dez mais bem vestidos, os dez maiores empreendedores, os de mais sedutores, e por aí vai. Imagino que seria capa de publicações para homens de negócios e sua foto seria muito popular nas revistas que fazem a moldura dos salões de cabeleireiros e consultórios dentários.

Apareceria cada semana ao lado de uma beldade sorridente, seria case de empresário de sucesso, estadista com maior índice de popularidade e, muito provavelmente, ganharia Nobel em alguma coisa - talvez em literatura. Salomão, filho de Davi, rei em Jerusalém, seria o paradigma de sucesso. Também contribuiria para a audiência dos programas tipo "gente famosa no sofá". Seria o autêntico "rei do camarote".

O que a Bíblia conta a respeito de Salomão deixa os mais narcisos dos nossos se mordendo de inveja e de raiva. As Escrituras dizem que ele teve 700 mulheres e 300 amantes. Foi o mais sábio do seu tempo. O mais rico. Seu povo comia, bebia e era feliz. Seu reino era inabalável. O homem era bom de romance, de negócios e de cabeça. Era um ícone da tríade mais celebrada de todos os tempos: poder, dinheiro e sexo, um digno representante do tripé do paraíso neoliberal - controle, conforto e prazer. Uau! Coisa para muito poucos mortais. O homem ideal, ponto de chegada de todo mundo que embalou na rat race do mundo ocidental, a corrida dos ratos pela trilha da fama e da prosperidade.

Salomão merecia enfoque. Mas Deus o tirou de cena. Rasgou sua foto da revista que os anjos leem e que motiva a celebração da grande nuvem de testemunhas que anima o céu. O alfinete celestial fez murchar o balão mais inflado das páginas das Escrituras sagradas. O gigante tombou - e a queda foi grande. Não foi pior porque Deus o poupou por amor ao seu pai, Davi; esse sim, rei com todas as letras com "R" dourado, prelúdio do Rei dos reis.

Salomão foi o terceiro dos reis que ocuparam o trono de Israel enquanto foi um reino unido. Foram 120 anos, quarenta para cada rei: Saul, Davi - seu pai - e ele, Salomão. Se Saul representa o homem cujo coração jamais esteve nas mãos de Deus e Davi, o homem segundo o coração de Deus, Salomão representa a maioria absoluta de nós - pessoas com o coração dividido. Sua biografia é paradoxal, e começa maravilhosamente bem. Ele consegue ficar em pé diante de uma das mais estonteantes declarações de Deus a um homem: "Peça-me o que quiser, e eu lhe darei". Então, pede sabedoria, capacidade para discernir entre o bem e o mal, senso de justiça para governar.

O Senhor atende seu pedido e lhe faz promessas de fama, prosperidade e grandezas jamais vistas sobre os ombros de um mortal. Salomão abraçou tudo quanto Deus lhe prometeu e desfrutou de cada uma das benesses do divino. O paradoxo de sua história está revelado em Deuteronômio 17, onde Deus adverte que um rei de Israel jamais deveria acumular cavalos, isto é, exércitos, e também mulheres e tesouros. 

Mas aí é que está a confusão - o mesmo Deus que proíbe, promete. O mesmo Deus que, com mãos cautelosas, traça um risco de segurança no chão, apaga a marca com mãos dadivosas. O mesmo Deus que empacota o paradigma de sucesso e sela com estampa de "proibido" abre a caixa e coloca tudo em cima da mesa, à vista e ao alcance das mãos. Afinal de contas, meu Senhor e meu Deus, diria Salomão, o poder, as mulheres e os tesouros são proibidos ou legítimos? São coisas que jamais poderei ter nas mãos ou presentes que graciosamente me dás?

O paradoxo de Deus


Aí está o paradoxo, o dilema que o sábio não discerniu. Poder, dinheiro e sexo são ao mesmo tempo realidades das quais se deve fugir e benesses de que se deve desfrutar. Controle, conforto e prazer são tanto perigos que assolam a alma como experiências que definem o paraíso. Tentação e bênção, ao mesmo tempo - depende da maneira como nos relacionamos com elas, do coração que com elas convive e delas desfruta.

Deus não cercearia o acesso do homem àquilo que Ele mesmo promete. Não chamaria de ilegítimo algo que Ele mesmo concede, nem trataria como transgressão a posse do que oferece. A discussão é acerca de que lugar tais coisas ocupam no coração de quem as possui. O problema não é tanto o dinheiro, mas muito mais o amor ao dinheiro. A questão não é o quanto se tem para comer, beber e vestir; mas se o que você tem também tem você. Ou, como diz o poeta, quem é mesmo o dono de quem.

Há gente de todo tipo basicamente, de dois tipos: gente que precisa ter e gente que já descobriu que o segredo não está na posse, mas no coração. Gente obcecada e gente desencanada. Quem é obcecado pode ter tudo, mas sempre sentirá a falta, pois "tudo não será bastante". Gente desencanada pode não ter nada, mas viver como se esse nada fosse suficiente. Quem não está satisfeito com poco não ficará satisfeito com muito - "Mais da mesma coisa nos deixa no mesmo lugar", ensinou Henri Bürki. E, para quem está satisfeito com pouco, o muito é irrelevante; pode vir e pode não vir, tanto faz. Quem encontrou a liberdade é capaz de mandar e obedecer, ter e não ter, rir e chorar, com a mesma grandeza de alma.

Não sou bobo nem nada. Concordo com o judeu que disse "Fui rico, agora sou pobre. Ser rico é melhor". João, apóstolo, nos deseja a prosperidade em tudo, principalmente na alma. Mas sei que o segredo mesmo está em alcançar a sabedoria que Salomão descobriu: "Maior é aquele que conquista a si mesmo do que aquele que conquista uma cidade". Ou como Jesus ensinou, ganhar o mundo sem perder a alma, ou jamais ter qualquer coisa que exija a alma em troca. Doar sempre. Ter para dar. Aprender a viver contente, pleno e satisfeito em qualquer situação. Acho que ainda não aprendi - mas ainda chego lá.

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